A tentativa fracassada do PSDB de acenar ao progressismo, por Pablo Ortellado

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Divulgação

Jornal GGN – A tentativa do PSDB de se apresentar como a nova cara da direita, levantando as já cohecidas propostas conservadoras, mas acenando a pautas progressistas, foi exposta na diretriz do partido na última semana, no documento “Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos”.

O intento, contudo, foi falho: na agenda de reformas, o PSDB “enumera uma série de políticas equivocadas que geraria distorções e privilégios”, como, por exemplo, comparando em igual tom de importância ao partido medidas como renúncias fiscais, desonerações e benefícios tributários a benefícios de “acessos dos mais ricos a serviços públicos gratuitos”, apontou o cientista social Pablo Ortellado.

Nessa referência, a sigla denominou como “capitalismo de compadrio” que teria que acabar. “O que chama a atenção no documento é que ele compara e faz equivaler esse grosseiro e oneroso equívoco de política pública que gera injustiça e beneficia alguns poucos empresários com uma situação muito diferente que é o acesso das pessoas ‘mais ricas’ a serviços públicos gratuitos”, acrescentou.

Leia a coluna completa, publicada pela Folha de S. Paulo:

Estado não deve atender apenas os pobres

Por Pablo Ortellado

Na semana passada, o Instituto Teotônio Vilela publicou uma nova diretriz programática para o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). O documento de 26 páginas intitulado “Gente em primeiro lugar: o Brasil que queremos” reafirma posições históricas do PSDB como a desestatização da economia, a melhora da eficiência do Estado, o reforço do papel das agências reguladoras, o parlamentarismo e o voto distrital misto.

Entre as poucas novidades, o texto traz um curioso parágrafo, na página 14, no qual, após defender a urgência de uma agenda de reformas, enumera uma série de políticas equivocadas que geraria distorções e privilégios. Nessa lista, renúncias fiscais, desonerações e benefícios tributários são colocados lado a lado com o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos.

“O capitalismo de compadrio tem que acabar. A concessão de subsídios, renúncias fiscais, desonerações e benefícios tributários requer regras, objetivos e metas claras, transparentes e amplamente debatidas com a sociedade, com correspondente avaliação periódica cotejando resultados e custos –e isso vale para todo o orçamento público! Em particular, o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”, diz trecho do texto.

Sobre as desonerações, subsídios e outros benefícios dados a empresas, sem critérios de concessão ou exigência de contrapartida, não é necessário comentário –o Brasil inteiro é contra. Até a ex-presidente Dilma que em geral exerce muito pouco a autocrítica, reconheceu que as desonerações que concedeu foram equivocadas –e, é preciso enfatizar, foram muito equivocadas.

 

 

O que chama a atenção no documento é que ele compara e faz equivaler esse grosseiro e oneroso equívoco de política pública que gera injustiça e beneficia alguns poucos empresários com uma situação muito diferente que é o acesso das pessoas “mais ricas” a serviços públicos gratuitos.

A ideia de que o Estado deve servir apenas aos pobres retoma uma velha controvérsia das políticas públicas, aquela que opõe as políticas focalizadas às políticas universalistas, ou seja, discute se as ações do Estado devem ter como alvo os mais necessitados ou a população como um todo.

A novidade é que enquanto, no passado, esse debate tinha como contexto as políticas de assistência social, nas quais a abordagem focalizada foi implementada tanto por governos tucanos como por governos petistas (no Bolsa Família, por exemplo), agora, o documento do PSDB sugere que essa abordagem deve valer também para serviços públicos –como os de saúde e educação.

Vale notar que a abordagem proposta pelos tucanos não propõe um horizonte de transformação, mas de manutenção das coisas tais como já são.

Hoje, com a exceção da universidade (assunto da coluna da semana passada), são apenas os mais pobres que fazem uso regular dos serviços públicos de saúde e educação porque, a despeito de notáveis ilhas de excelência, o serviço público é sobrecarregado ou ruim.

O documento não especifica o que seriam “os mais ricos”, mas provavelmente se refere ao que corriqueiramente chamamos de “classe média”, já que os ricos, no sentido próprio do termo, não utilizariam os serviços públicos ainda que fossem melhores. Ainda que utilizassem, são tão pouco numerosos que não fariam grande diferença no cômputo geral.

O que o documento parece dizer, então, é que, do ponto de vista estrutural, devemos deixar as coisas como estão: que a escola pública e o SUS devem apenas ser utilizados por quem não pode pagar por coisa melhor.

Essa orientação é equivocada de várias maneiras. Em primeiro lugar, mantém o profundamente injusto modelo de educação básica e assistência médica de dois tipos: um melhor, provido por escolas e hospitais particulares e outro pior, provido por escolas e hospitais públicos. O resultado dessa dualidade, não é difícil perceber, é o oposto da igualdade de oportunidades que o documento diz defender.

Mas um serviço público de qualidade que atraia a classe média e se torne virtualmente universal não é apenas questão de justiça e igualdade de oportunidades.

Nos países onde esse modelo universalista vigora, na maior parte da Europa e em alguns países vizinhos como o Uruguai e a Argentina, as classes sociais têm um convívio muito mais democrático. Nesses países, o serviço público oferece não apenas oportunidades mais semelhantes, mas permite também que trabalhadores e a classe média tenham um espaço de convívio regular, como iguais, na sala de aula e na sala de espera da consulta médica.

O uso do serviço público por todos produz laços de solidariedade e apoio que atenuam o abismo que separa as classes. Os efeitos sobre a sociabilidade cotidiana são enormes e podem ser vistos em qualquer viagem a esses países, nos quais vigora uma espécie de dignidade cidadã que advém da redução da postura de privilegiado, de um lado, e da de subserviente, do outro.

A orientação a respeito dos serviços públicos que consta na nova diretriz do PSDB nos conduziria no sentido contrário, reforçando e consolidando essas vergonhosas barreiras e marcas de classe. É uma orientação estranha para quem ainda reivindica o legado da social-democracia. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Não adianta tentarem dourar a pílula…

    Embora o PSDB traga no nome a expressão “social-democracia”, foi criado para implementar o exato oposto dela. Não adianta os acadêmicos, os coulinastas e controladores do PIG/PPV tentarem dourara a pílula.  O PSDB representa o neoliberalismo privatista e encontrou nas elites oligárquicas, plutocratas, escravocratas, cleptocratas e entreguistas seus mais fiési representadntes. A elite do atraso – tão bem descrita pelo Cientista Social e Professor Jessé Souza em suas obras – têm como sua mais legítima representante a aristocracia paulista. A USP, uma das últimas universidades públicas a adotar o sistema de cotas raciasi e sociais, é o grande centro produtor e difusor do pensamento conservador, vira-lata, privatista e entreguista.

  2. O verdadeiro “partido de

    O verdadeiro “partido de centro” na verdade é o PT, com o PSOL e o PCdoB sendo os partidos de esquerda. O PSDB representa apenas a “elite” que sonha em ter títulos de nobreza enquanto o DEM e partidos religiosos representam os escravocratas. Já o PMDB e os outros partidos nanicos associados não têm ideologia e só existem para se venderem para quem pagar mais.

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