A Justiça e a tragédia em Campinas

A tragédia fala por si. 12 mortos. Uma família inteira dizimada. Entre as vítimas: um pai (assassino), sua ex-mulher e o filho.

A barbárie foi movida por um ódio insano com justificativas misóginas (repulsa as mulheres). Ela trouxe a tona as consequências sociais da difusão de um discurso que estimula a “revolta geral” e legitima a violência e a opressão contra “os adversários sociais” como uma solução.

Acho que vale destacar um aspecto pouco mencionado nas análises que diz respeito ao modo como a Justiça age diante dos conflitos familiares, em especial nos que envolvem a guarda dos filhos.

Sem saber de detalhes do caso, mas conhecendo a realidade das Varas de Família, posso afirmar com segurança que o Judiciário é no mínimo cúmplice dessa tragédia.

O formato atual dos processos judiciais e o modus operandi da justiça, salvo raras exceções, ao invés de dirimir conflitos, os potencializam.

Audiências demoram meses a serem marcadas. As brigas que as vezes eram pequenas, viram uma bola de neve volumosa.

As audiências quando são realizadas iniciam pelas conciliações que são conduzidas por estagiários despreparados. Sem acordo, leva-se mais meses até a audiência diante do juiz. O tempo da espera pela decisão fermenta a discórdia e o ódio.

Perícias psicossociais são realizadas com pouco tempo de estudo e na maioria das vezes com uma única visita dos profissionais á família, assim formam a sua opinião ligeira e com base em meros indícios, podendo levar a vários erros de conclusão e até a injustiças gritantes.

Já vi audiência em que o magistrado ficava se gabando, diante do casal em crise, sobre o quanto ele (o juiz) era um bom pai e de como ele fazia para educar os seus filhos. Com uso de psicologismos baratos a Excelência pretendia guiar o casal em apuros. Sem chance!

Além disso, os casais, pela via o formato dos processos judiciais, são instados a se acusar ou até incriminar para derrotar o outro. Nisso as mágoas que eram grandes, se profundam e o problema fica bem mais extenso do que era no começo do processo.

A justiça vira um verdadeiro ringue. O palco de uma batalha onde só há infelicidade patrocinada pelo Estado de Direito e seu processo civil incivilizado, irracional e míope.

É forçoso reconhecer que a questão da alienação parental, na maioria das vezes promovida pelas mães que impedem com vários artifícios o convívio entre pais e filhos, já é um problema social tão grande quanto os pais que abandonam ou não reconhecem os filhos.

Essa também é uma questão que permeia o motivo do crime. O direito cerceado de ser pai nem sempre garantido por um poder judiciário refratário aos novos modelos de cuidados parentais numa sociedade em mudança em que cada vez mais homens assumem papeis de cuidadores e não apenas de provedores.

É lógico, que assassinar o filho e a junto mãe como meio de reivindicar esse direito é um absurdo completo. Um gesto de loucura imbecil e autoritária mesmo!

Por isso, espero, francamente, que a tragédia de Campinas nos leve para uma discussão um pouco mais profunda desse fato para além da questão meramente policial ou ideológica (combate ao ódio).

Seria apropriado refletir sobre uma mudança de legislação e colocar a questão dos conflitos de família para um ambiente menos hostil do que é o judiciário hoje em dia. 

Que se mobilize as instituições e se responsabilize a justiça pelos erros de intervenção em questões familiares, os quais podem ser catalizadores de dores profundas para muitas pessoas, como parece ter sido nessa cidade do interior paulista.

 

 

*Edson Pistori, 38 anos, é advogado.

Redação

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