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ABAIXO AO ORGASMO

TEXTO EM PDF DE  SARA QUENZER MATTHIESEN

MUSICA – RITA LEE

 

 

Abaixo o orgasmo!

      Aos 80 anos, o polêmico psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa lança livros e afirma
que homens e mulheres ainda não aprenderam a transar

Por Angela Oliveira

Gaiarsa: “Estou vivendo todo o amor que sonhei na adolescência. Nunca fui tão acariciado. É um aprendizado”

 

      O ano 2000 promete muito para José Ângelo Gaiarsa. Em abril, será lançado seu 27º livro, intitulado A função do olhar nas relações pessoais. Assim mesmo, com ênfase no assunto principal: o olhar. Em seguida, sai do forno mais uma obra chamada Jesus menino e o velho patriarca, no qual o psicoterapeuta paulista de Santo André disseca os dez mil anos de autoritarismo do homem e a opressão da mulher e da criança. O mestre ainda curte ser contundente, criar discussão, detonar a família e as relações pessoais. Mas desta vez ele achou uma solução para a salvação da humanidade: os hackers. “Essas crianças que estão brincando com o computador vão revolucionar o mundo!”, afirma exaltado.
      Além disso, antes de completar 80 anos em agosto próximo, Gaiarsa vai jogar na praça também pela Editora Gente, Masturbação e carícias – paraíso perdido, com o subtítulo Documento autobiográfico sobre a sexualidade do Brasil no século XX. Este último livro, ainda inacabado, é o que o mantém bastante ocupado e sobre o qual ele gosta de falar. “Hoje em dia gosto mais de escrever do que de ler e estudar”, confirma. Gaiarsa nunca teve medo de soltar o verbo, abrir seus pensamentos e conhecimentos, seja para colegas, amigos, programas de tevê e inimigos. “Alguns me acreditam aventureiro e improvisador”, defende-se. “Mas as minhas idéias são muito bem fundamentadas.” Polêmico, instigante e muito esperto, não gosta de se gabar de nada do que fez no passado. Por exemplo, foi ele quem trouxe as idéias de Wilhelm Reich para o Brasil, revolucionando uma geração de psicoterapeutas nos anos 70. “Não me interessa o que eu fiz”, afirma com veemência. “Não me esquenta, não me envaidece, não me toca. No momento me interessa apenas o que eu estou fazendo e o que ainda vou fazer.” É sobre esse momento que Gaiarsa fala nesta entrevista.

      ISTOÉ – O sr. parece bem envolvido com o assunto carícias e masturbação. Tem muito de pessoal nesse assunto?
      José Ângelo Gaiarsa – Com certeza. Além de estar escrevendo o livro, encontrei uma companheira maravilhosa. Uma mulher inteligente de 40 anos, portanto nenhuma criança, que está me fazendo muito feliz. Podem morrer de inveja, mas estou vivendo todo o amor que eu sonhei na adolescência. Nunca fui tão acariciado na vida. Estou aprendendo demais. É preciso dissociar sexo e erotismo. Erotismo deve ser visto como arte das carícias. Tudo pode ser gostoso no contato com o corpo. Desde o olhar, os beijos, os abraços, as carícias sem nome, todas as alternativas de massagens. As massagens são truques para mexer nas pessoas porque elas gostam de ser mexidas mas não podem. A idéia do adulto é que se eu começar a fazer um agrado é para transar…

      ISTOÉ – E onde entra o orgasmo nessa relação?
      Gaiarsa – O orgasmo é o maior dos desmancha-prazeres. Quando o casal chega ao orgasmo, acaba tudo. O homem vira para o lado e cochila. E a mulher reclama. Nasci em 1920, vivi quase um século. Vi e ouvi de tudo no meu consultório durante oito horas por dia em 55 anos de profissão. Acredite, se existiu revolução sexual, eu não vi coisa alguma. A humanidade continua a fazer sexo da pior forma possível. O machismo ainda impera e ser machista na cama é a melhor maneira de se fazer malfeito. Desde o primeiro contato, o machão comum está visando o fim. Ele tem um desprezo muito grande pelas mulheres, uma idéia repugnante sobre elas. Para o machão, mulher é beijo, tetinha, metida e fim! O macho curte exibir seu desempenho. Quase diria uma exibição diante de seus amigos virtuais que estão todos em volta da cama avaliando a sua performance. Não descobre o mundo feminino nem há troca de muitos níveis que podem engrandecer uma relação pessoal.

      ISTOÉ – E as mulheres sabem fazer amor?
      Gaiarsa – Também não. Mas elas estão mais abertas, respondem mais depressa. Uma mulher jeitosa, que sabe o que quer, dificilmente mudará um homem. Mas um homem jeitoso muda muito fácil uma mulher. Quando se dá esse encontro, a troca de carícias não tem limites. Até a penetração se transforma em carícia. Isso não tem nada a ver com sexo tântrico, que é um exagero. Acho apenas que o casal deveria aproveitar melhor quando está nu. Não é com qualquer pessoa que a gente pode ficar pelado e se tocar livremente. Eu acho que as pessoas não sofrem de carência afetiva, mas de carência de carícias. Intimidade é quando a gente começa a mexer na outra pessoa sem ansiedade, livre e gostoso. Sem o mínimo de contato físico você não estabelece contato com ninguém. Pode ter uma amizade intelectual, talvez. Mas intimidade, nunca.

      ISTOÉ – Com essa nova geração que está começando a vida sexual em casa mesmo não mudou nada?
      Gaiarsa – O número de famílias que permite que a filha mantenha relações com o namorado em casa ainda é muito pequeno. Mas é melhor isso do que nada. De qualquer forma, ainda tem aquele arzinho de malícia dos pais quando o jovem casal vai para o quarto. Aliás, não adianta. Não tem nada mais difícil do que família. É uma desgraça.

      ISTOÉ – O sr. continua achando que a família ainda é a pior coisa do mundo. Mas teria alguma saída?
      Gaiarsa – Por enquanto é inevitável. Se nascem crianças, alguém precisa criar. E todo mundo acha que cuidar de criança é sinônimo de família. Ainda bem que hoje em dia existem diversos tipos de famílias. Filhos de vários casamentos, casais sem filhos, homossexuais que adotam crianças, produções independentes, enfim, o perfil mudou um pouco. Um número muito curioso me chamou a atenção. Tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra apenas 8% dos casamentos são tradicionais, do tipo o marido trabalha fora e a esposa é dona de casa. Ou seja, a família tradicional não existe mais. Mas todo mundo fala como se ela ainda existisse.

      ISTOÉ – Mas então essas mudanças, esses vários tipos de família são uma coisa boa….
      Gaiarsa – São porque a família está se desmanchando inteira. As crianças não ficam mais em casa, brincando no quintalzinho. As crianças têm uma enorme diversificação de interesses e não raro estão mais bem informadas do que os pais. Quem brinca com o computador é a criança e não o adulto. Portanto, para mim, a luz, a salvação da humanidade são os hackers.

      ISTOÉ – Como assim, o que os hackers podem mudar tanto?
      Gaiarsa – Os hackers já estão botando as manguinhas de fora! Há mais de um ano, eles controlaram um satélite militar americano, lembra? Depois entraram na CIA e também na Casa Branca só para dar alguns exemplos do poder deles. Se eles entrarem num banco suíço e fizerem uma lista do que encontrarem por lá, podem provocar uma revolução no mundo! Essa é a minha esperança. Que eles desorganizem totalmente a bagunça desse planeta. Gostaria que eles desorganizassem o mundo financeiro e evitassem guerras. Hoje, sem informática, não tem guerra. Os hackers podem entortar foguetes ou impedir que disparem, por exemplo.

      ISTOÉ – Que outras características dos hackers o fascinam tanto?
      Gaiarsa – Eles são menos família e mais solidários numa cultura na qual os pais já não fazem mais parte. Eles têm uma compreensão do mundo adulto 50 vezes melhor do que o próprio adulto. Sabem que fomos nós que estragamos o ambiente, inventamos a poluição, as guerras, enfim, sabem de todos os podres dos adultos. Veja bem. A primeira revolução, a agrícola, durou dez mil anos. A industrial durou 300 e agora a informática tem apenas 30 anos e já mudou o mundo inteiro. E, o mais importante, o chip está nas mãos das crianças.

      ISTOÉ – Enquanto os hackers não desorganizam nem revolucionam o mundo, haveria outra solução para a humanidade viver mais feliz?
      Gaiarsa – Vejo apenas algumas alternativas pessoais. A pessoa deve ter discernimento, saber o que quer, o que é melhor para si mesmo. Experimentar, variar, procurar a sua turma, seu espaço. Descartar o prejudicial. Eu mesmo faço isso e agora vou poder me dar ao luxo de viver 20 dias por mês em Alto Paraíso, uma cidade há 200 quilômetros de Brasília, e os outros dez dias em São Paulo. Meu filho mora há muitos anos por lá. Trata-se de um lugar de alternativos, de refugiantes das grandes cidades. Esta é uma alternativa bem pessoal para a gente poder viver mais feliz. Longe dessa loucura. O nosso mundo é muito cruel!

      ISTOÉ – Por que tanto pessimismo? Nada presta?
      Gaiarsa – Nós vivemos num mundo absolutamente psicótico, perigoso! Os grandes poderosos não têm a menor consideração por nada nem ninguém. Nunca houve tanta agressão, violência e guerras como no século XX. Depois das guerras, o segundo melhor negócio do mundo são as drogas e ninguém pergunta por que se usa tanto drogas. Eu respondo: porque esse mundo é horroroso! E eu quero fugir dessa realidade odiosa. Alguns usam drogas, outros vêem tevê até dormir. Ainda hoje as condições de trabalho são humilhantes. A humanidade é definitivamente psicótica e suicida. Um executivo, por exemplo, trabalha 25 horas por dia. Tem stress, quase morre, se medica e continua com a mesma rotina. As pessoas se matam por valores que não existem. Ansiedade, angústia, medo, depressão e stress são sinônimos e a ciência não cura nada disso, não muda o sistema social. Apenas inventa meio-remédios. É cúmplice e mantém essas doenças. E depois as pessoas falam de qualidade de vida e revolução sexual. Tudo bobagem!

      ISTOÉ – Sexualmente não mudou absolutamente nada?
      Gaiarsa – O sexo continua proibido, reprimido. O sexo que aparece na tevê, nas propagandas e nos filmes é horrível. É a banalização do sexo. Mostra como não se deve fazer. A maldita família pontua essa proibição. E o que é proibido causa obsessão e ansiedade. Mestre Reich já dizia que a pior das ansiedades é a ansiedade do prazer. Sexualmente o mundo não mudou nada. A mãe continua a não ter xoxota. Papai e mamãe não fazem isso em casa. Educação sexual ninguém sabe o que significa. O professor deveria ser o primeiro a dizer que sexo é um negócio que o adulto faz, que é bom. Mas não é isso que acontece e os pais continuam fingindo que não sabem de nada também. Outra coisa, toda a fofoca do mundo é saber quem dormiu com quem. Quando a fofoca envolve artistas, então, a inveja das pessoas chega a ser escandalosa! Mais ainda, as conversas de homem sobre mulher continuam um nojo. O número de anedotas sobre sexo é enorme e pouquíssimas piadas são engraçadas. As pessoas ainda acham graça de palavrão. Todos os palavões são anti-sexuais. Um bom exemplo é o tal de fuck you que os americanos usam como vírgula. Pois fuck não é uma coisa boa? Que contradição estúpida! Que liberdade sexual é essa?

      ISTOÉ – Na prática, o que o sr. aconselharia aos pais numa situação erótica. Por exemplo, quando eles vêem os filhos pequenos se masturbando ou os adolescentes vivenciando as suas primeiras experiências sexuais?
      Gaiarsa – Com filhos adolescentes é bem mais fácil. No momento oportuno eu aconselharia a fazer bem devagar. Quanto mais comprido, quanto mais carícias, melhor. Diria para ir percebendo, olhando, mexendo, brincando com calma, sem pressa, sem ansiedade. Ainda é tudo vapt-vupt e um pouco da fúria deles é por causa da repressão, do clima de proibido que está sempre no ar. Para uma criança já é mais delicado. Não sublinharia muito a situação, não daria importância demais. Talvez eu desse uma olhadinha safada, piscaria o olho e como cúmplice diria: “Gostoso, né?”

Redação

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