Abaixo o Tribunal Orçamentário de Exceção, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao corrigir a anomalia que ocorre no Congresso (a execução do orçamento secreto), o STF não interferiu na autonomia do Legislativo.

Agência Brasil

Abaixo o Tribunal Orçamentário de Exceção

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O golpe de 2016 fragilizou muito Constituição Cidadã. Após a soberania popular ter sido tirada de cena mediante um processo de Impeachment fraudulento, rapidamente o Brasil foi jogado no abismo.

Direitos sociais e trabalhistas foram revogados. Um teto de gastos foi aprovado para agradar os Bancos privados. Pouco depois disso, os banqueiros conseguiram obter o controle total do Banco Central. Durante a pandemia, o governo passou a desprezar o direito à vida dos cidadãos causando centenas de milhares de mortes. Interditada pela imprensa neoliberal, a política passou a ser mais e mais judicializada.

Ontem foi proferida uma decisão fundamental para preservar o que restou dos frangalhos do sistema constitucional erigido em 1988. Nos autos da ADPF 854, a Ministra Rosa Weber suspendeu liminarmente a execução do orçamento secreto criado por Bolsonaro com ajuda de seus esbirros no Congresso Nacional.

Essa decisão impecável não merece ser apenas aplaudida. Ela deve ser ativamente apoiada. A Ministra explicita de maneira precisa as restrições que o princípio constitucional da publicidade impõe à atividade governamental em geral e à gestão orçamentária em especial. 

Ao corrigir a anomalia que ocorre no Congresso (a execução do orçamento secreto), o STF não interferiu na autonomia do Legislativo. De fato, nem o Legislativo nem o Executivo podem governar o país sem respeitar os limites impostos à administração pública pela Constituição. A Suprema Corte é guardiã da constituição e, dentre suas competências, destaca-se o controle da legalidade dos atos dos outros poderes e não há dúvida de que o orçamento não pode ser secreto e que a execução dele deve ser pública. Apesar de Jair Bolsonaro ter declarado “Eu sou a constituição” a vontade presidencial não é e não pode ser considerada soberana.

A única coisa que eu gostaria de acrescentar ao debate é uma questão que não foi abordada na decisão proferida por Rosa Weber, a qual certamente será mantida pela esmagadora maioria dos Ministros da Suprema Corte.

A Constituição Cidadã proíbe expressamente a criação de tribunais de exceção (art. 5, XXXVII). Ao tolerar a criação de um orçamento secreto cuja execução depende exclusivamente da vontade do presidente da república, o Congresso Nacional não apenas violou o princípio da publicidade. O que ocorreu foi a criação de um Tribunal Orçamentário de Exceção com um único magistrado: Jair Bolsonaro.

Nesse contexto, é evidente que vontade presidencial não apenas substituiu a legalidade e corrompeu o funcionamento do Parlamento (desligando os deputados de seus eleitores e submetendo-os aos caprichos presidenciais). Na prática ela se transformou na única fonte de poder capaz de ditar as regras excepcionais que orientarão a gestão orçamentária como se as regras existentes não estivessem em vigor.

Os atos praticados por esse Tribunal Orçamentário de Exceção com um único magistrado não podem ser individualmente julgados pela Suprema Corte, pois as regras que ele aplica são desconhecidas (secretas, talvez). Na prática, 213 milhões de brasileiros cujos interesses serão afetados de maneira negativa pela execução secreta de um orçamento secreto regido por regras secretas deixam de ser cidadãos com direitos em face do Estado. Eles são transformados em súditos sem direitos do tirano que declarou ser a constituição.

Se não for imediatamente desmantelado, esse Tribunal Orçamentário de Exceção pode rapidamente evoluir até virar um Tribunal Revolucionário de Exceção e começar a expedir sentenças de morte e de tortura (Bolsonaro sempre fez questão de dizer que é a favor da tortura e dos assassinatos políticos). Nesse caso, os primeiros a morrer serão os deputados, militares e juízes que desafiarem a vontade soberana do ditador. O que nos leva à uma questão essencial: 

É melhor morrer como defensor de uma Constituição democrática do que viver como escravo amedrontado de um Estado governado por segredos? O destino do Brasil depende de como cada qual responderá à essa pergunta. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

jornalggn.com.br-liminar-05-11-2021

Fábio de Oliveira Ribeiro

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