Abelhas, gafanhotos, sapos e tatus foram os mais atingidos pelos incêndios na Amazônia

Os animais silvestres e as árvores fazem parte das 265 espécies ameaçadas de extinção nas áreas florestais das regiões atingidas pelo fogo, segundo estudo da WWF

Foto: Prevfogo em Apuí (AM)

da Amazônia Real 

Abelhas, gafanhotos, sapos e tatus foram os mais atingidos pelos incêndios na Amazônia

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Manaus (AM) – O ano de 2019 foi marcado por altos índices dos desmatamentos e queimadas na Amazônia brasileira. Com a diminuição do fogo, agora em outubro, pode-se ver o tamanho das áreas que foram afetadas pelas chamas. Os governos, responsáveis pelas políticas públicas de proteção das florestas, não têm números de quantos animais silvestres morreram ou ficaram feridos durante os incêndios, que se intensificaram no mês de agosto na Floresta Amazônica.

Mas algumas organizações não governamentais, brigadistas independentes e homens que combateram os incêndios pelo Prevfogo (sigla para Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), testemunharam a morte de milhares de animais, entre eles, tatus, tamanduás, abelhas, gafanhotos, serpentes.

A brigadista voluntária Ana Daiane Costa, 24 anos – da “Brigada de Alter do Chão” – organização independente, recém-formada no distrito de Alter do Chão, em Santarém, no oeste do Pará – atuou de 14 a 18 de setembro, auge do combate aos incêndios que atingiram a Área de Preservação Ambiental (APA) Alter do Chão. Ela relatou à agência Amazônia Real o que presenciou durante a ação de apagar o fogo na floresta.

“Vimos bastante insetos voando em todas as direções, muito gafanhotos, abelhas, entre outros. Uns conseguem fugir, outros vão de encontro ao fogo… É triste demais não poder salvá-los”, disse Ana Daiane Costa.

Cobra queimada no incêndio da APA Alter do Chão (Foto: Pedro Salomão/Brigada)

Pedro Salomão, mestrando em biodiversidade na área de ecologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), também atuou como brigadista combatendo os incêndios na APA Alter do Chão. Após o fogo, ele retornou à área para estudar a regeneração da vegetação.

“Nesses dias registramos animais mortos: escorpião, um ratinho típico daqui. Acredito [a causa das mortes] que foi por causa da fumaça, pois não estava queimado e répteis como lagartos. Muitos animais se refugiaram em fragmentos de florestas como cupinzeiros, buracos de tatu”, disse Salomão.

No total, 11,7 quilômetros quadrados da APA Alter do Chão foram atingidos pelo fogo, uma área equivalente a 1.647 campos de futebol, ou 7,34% do tamanho de toda área de proteção ambiental. O Corpo de Bombeiros anunciou que o fogo foi controlado, segundo a Agência Brasil.

Alter Chão é uma vila balneária distante 37 quilômetros por via terrestre de Santarém, oeste do Pará, e está localizada a 1.373 quilômetros da capital do estado, Belém. O balneário, cortado pelo rio Tapajós, é o principal ponto turístico da região, conhecido como Caribe da Amazônia.

Queimaduras e intoxicação

Incêndio florestal na APA Alter do Chão em 14 de setembro de 2019. (Foto: Eugênio Scannavino)

Para o biólogo Rogério Fonseca, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), é difícil quantificar as espécies mortas ou feridas nos incêndios na Floresta Amazônica. Ele afirma, também, que mesmo as espécies que escaparam do fogo não estão fora de perigo.

“Os animais foram afetados indiretamente por queimaduras, intoxicação por fumaça e posteriormente por falta de alimento”, diz o biólogo Rogério Fonseca. Ele destaca que os animais mais vulneráveis ao fogo são, em primeiro lugar, insetos; depois sapos, rãs, pererecas, serpentes, lagartos. Em terceiro, as aves, e em quarto os médios e pequenos mamíferos.

“As preguiças, tamanduás, quatis e até mesmo filhotes de felinos, como de onças, e a fauna considerada invisível, como os insetos, são as espécies mais atingidas”, explica ele. Por outro lado, diz Fonseca, há animais que acabam se favorecendo, especialmente as espécies carnívoras e os (comedores de carniça).

Porco espinho e tamanduá

Pequenos mamíferos mortos em Apuí (Foto: Prevfogo)

No município de Apuí, no sul do Amazonas, segundo Domingos de Jesus Bonfim, Secretário Municipal de Meio Ambiente, em entrevista à agência Amazônia Real, os bombeiros resgataram do fogo animais como porco espinho e tamanduá-mirim. Apuí foi um dos que esteve permanentemente no topo dos registros de queimadas e incêndios na Amazônia.

“Um tamanduá já se recuperou aqui mesmo, já foi devolvido [à floresta] e um outro que estava mais debilitado foi encaminhado para Manaus. Segundo relatos, assim que se recuperar eles irão devolver para a gente soltar novamente”, disse o secretário. Bonfim não informou o local onde o animal está em tratamento.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os focos de incêndios florestais aumentaram em 95% em Apuí no ano de 2019 em relação a 2018: 2.117 registros contra 1.113 no  período de 1o. de janeiro a 9 de outubro.

No bioma Amazônia, os focos de incêndios somaram no mês de agosto 30.901 contra 10.421 no mesmo período de 2018. Na ocasião, os incêndios chamaram atenção da imprensa internacional, mas atualmente perderam visibilidade. Leia a série Amazônia em Chamas.

Ameaçados de extinção

Araras se refugiam dos incêndios em toco de árvore na Estação Ecológica Cuniã, em Rondônia (Foto: Michael Dantas/WWF-Brasil)

A organização não-governamental internacional WWF – Brasil (sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza) produziu um relatório sobre os animais atingidos pelas queimadas, usando estatísticas da organização, cruzamento de seu banco de dados sobre a fauna e a flora da região, as informações sobre desmatamentos e queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do Ministério do Meio Ambiente.

Conforme o relatório do WWF-Brasil, existem atualmente 265 espécies ameaçadas de extinção nas áreas florestais da Amazônia atingidas pelo fogo: 180 da fauna e 85 da flora – 76% dessas espécies estão protegidas por algum instrumento de conservação, como Unidades de Conservação (UC) ou Planos de Ação Nacional (PAN).

A pesquisa considerou os seguintes locais: a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, a Floresta Nacional do Jamanxim, a Área de Proteção Ambiental Tapajós, a Estação Ecológica Terra do Meio, a Floresta Nacional de Altamira e a Reserva Biológica Serra do Cachimbo, todas no estado do Pará. Também foram incluídas no relatório a Floresta Nacional do Amanã, que fica entre o Amazonas e Pará, a Reserva Extrativista Jaci Paraná e Reserva Extrativista Rio Preto – Jacundá, em Rondônia, e a Reserva Extrativista Chico Mendes, no estado do Acre.

À reportagem, Marcelo Oliveira, especialista em Conservação da WWF–Brasil, disse que os impactos na fauna e na flora, a médio e longo prazo, devem ser maiores.

“A mudança na estrutura da floresta vai afetar a disponibilidade de abrigo e alimentos. Haverá mudanças na disponibilidade de frutas, por exemplo, e isso impactará espécies que dependem desse recurso. Por sua vez, outras espécies como os felinos, que dependem dessas presas, serão afetados em como consequência. Há uma delicada conexão entre os seres da floresta e todos serão afetados de alguma forma. Além disso, a perda de habitat se configura como uma ameaça aos médios e grandes mamíferos. A onça-pintada, por exemplo, tem a perda de habitat como uma das principais ameaças à sua sobrevivência”, explicou Oliveira.

Incêndio no entorno da Estação Ecológica Cuniã, no norte de Rondônia. (Foto: Michael Dantas/WWF-Brasil)

De acordo com o relatório da WWF, as queimadas acontecem em um cenário de declínio nas populações de animais nas florestas, como comprovou um recente estudo da organização, com a primeira avaliação global da biodiversidade florestal do ano de 1970 até 2014. O documento mostra que as populações monitoradas de aves, mamíferos, anfíbios e répteis que vivem em florestas, diminuíram, em média, 53% no período estudado.

“A perda e a degradação de habitats causada principalmente pela atividade humana, como o desmatamento, é a causa de 60% das ameaças a florestas e espécies florestais. Os declínios foram maiores em florestas tropicais, como a floresta amazônica”, diz o relatório.

Quando envolve fauna, o fogo é um tabu

Os brigadistas do Prevfogo tentaram salvar vários animais (Foto: Prevfogo)

O biólogo Rogério Fonseca, do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é responsável, desde 2016, pela capacitação e qualificação do contingente do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas, assim como do Policiamento Ambiental da Polícia Militar do Amazonas (BPAmb) e Polícia Rodoviária Federal, no correto manejo e contenção da fauna silvestre.

Fonseca disse que atuação desses órgãos que combatem os incêndios se deu este ano em Manaus e na Região Metropolitana; contudo, houve informações de queimadas nos municípios de Boca do Acre, Lábrea, Humaitá, Manicoré e Apuí – regiões que estão dentro do arco de desmatamento. Para o biólogo, estes municípios “possuem a vegetação de ‘cerrado amazônico’ e por isso com predisposição a incêndios; vale ressaltar que neste ano, a maior parte tem sido por ação humana”.

Segundo Rogério Fonseca, a prevenção é sempre a melhor forma de evitar as consequências causadas pelos incêndios florestais na região. “A prevenção deveria ser a tônica do trabalho. Contudo, falar de fogo no Brasil é um tabu, ainda mais se envolver a fauna. Dá para se trabalhar de forma técnica e que minimize perdas, especialmente a da (de) fauna, pois mesmo em áreas em que o fogo é usado como tecnologia milenar de limpeza para o plantio, dá para se usarem técnicas de afugentamento de fauna”, explicou o especialista.

O especialista da Ufam ainda destaca que a Amazônia pode desenvolver um trabalho preventivo de combate aos incêndios, pois possui um clima de padrões sazonais. No momento, segundo ele, as pesquisas estão focadas na parte qualitativa das queimadas e dos incêndios nos 62 municípios do Amazonas. Leia reportagem sobre o fogo em Humaitá.

“É justamente para fechar a análise de causa e efeito sobre a fauna, que  dedicamos um pesquisador, de julho até o mês de dezembro deste ano, para determinar, com precisão, se as prefeituras colaboram ou recebem colaboração da defesa civil de vidas humanas, ou da nossa preciosa fauna”, explicou Fonseca.

O que diz o Ipaam?

Os brigadistas do Prevfogo tentaram salvar vários animais (Foto: Prevfogo)

Procurado, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que atua no resgate de fauna silvestre no Amazonas, se eximiu da responsabilidade pelos animais atingidos pelo fogo. O órgão informou à Amazônia Real que o trabalho de resgate de animais, em casos de incêndios, é realizado pelo Corpo de Bombeiros e pelo Ibama. “Lembramos também que o Ibama é quem cuida da fauna em vida livre; o Ipaam licencia a fauna em cativeiro”, esclareceu em nota.

Já a assessoria do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) respondeu, em nota, que “não houve registro de animais feridos” em suas operações. E continuou: “Mas se houvesse casos, os Bombeiros Militares resgatam os animais e encaminham aos órgãos de proteção ambiental”.

Na nota, a corporação dos bombeiros acrescentou que cerca de 57 bombeiros militares estão atuando diariamente na capital do Amazonas, na região metropolitana e Sul do Amazonas no combate aos incêndios. “Caso algum animal seja encontrado, a assessoria respondeu que eles são encaminhados para os seguintes órgãos Ipaam, Ibama ou Sema”.


*Alicia Lobato é estudante de jornalismo da Faculdade Fametro e desde o mês de junho participa do 4º. Treinamento em Jornalismo Independente e Investigativo da agência Amazônia Real.

Redação

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