Aldir Blanc, o poeta imortal que somou Luiz Peixoto e Orestes Barbosa

Luiz Peixoto era o portentoso poeta das quebradas, dos alijados, como no clássico “Na batucada da vida”, com Ary Barroso

Desde as primeiras parcerias com João Bosco, tornei-me um fã incondicional de Aldir Blanc. No Bar do Alemão dos anos 70, era possível encontrar vez por outro João Bosco; quase nunca Aldir.

O primeiro contato pessoal foi na morte do violonista Raphael Rabello, meu amigo pessoal. Estava viajando, acho que por Uberlândia, quando soube da morte. Escrevi um artigo sentido sobre ele. No dia seguinte recebi um e-mail de Aldir dizendo que gostaria de ter um amigo assim. Fiquei agradecido, comovido.

Mas o contato mais estreito foi quando fez 50 anos de idade, e foi lançado um CD em comemoração. Ele me pediu que escrevesse o texto do CD. Caprichei na crônica, tratando-o como a síntese de Luiz Peixoto e Orestes Barbosa.

Luiz Peixoto era o portentoso poeta das quebradas, dos alijados, como no clássico “Na batucada da vida”, com Ary Barroso.

 

No dia em que eu apareci no mundo

Juntou uma porção de vagabundo da orgia

De noite, teve samba e batucada

Que acabou de madrugada

Em grossa pancadaria

Depois do meu batismo de fumaça

Mamei um litro e meio de cachaça

Bem puxado

E fui adormecer como um despacho

Deitadinha no capacho na porta dos enjeitados

Já Orestes Barbosa era o cantor do país que se urbanizava, que fazia poesias com elevadores, anúncios luminosos etc.

 

Cansei de esperar por ela

Toda noite na janela

Vendo a cidade a luzir

 

Nestes delírios nervosos

Dos anúncios luminosos

Que são a vida a mentir

 

E cada vez que subia

O elevador não trazia

Essa mulher, maldição

 

E quando lento

Gemia o elevador que descia

Subia o meu coração

Mandei a letra e fui para o lançamento, no Bar do Alemão. Lá ele me disse ter adivinhado seus sonhos, justamente o de ser uma síntese dos dois.

Quer mais Luiz Peixoto do que o imortal “No rancho das goiabadas”?

 

Os bóias-frias quando tomam umas biritas

Espantando a tristeza

Sonham com bife-a-cavalo, batata-frita

E a sobremesa

 

É goiabada cascão com muito queijo

Depois café, cigarro e um beijo

De uma mulata chamada Leonor ou Dagmar

Amar

O rádio de pilha, o fogão jacaré, a marmita, o domingo

O bar

Onde tantos iguais se reúnem e contando mentiras

Pra poder suportar

Ai, são pais-de-santo, paus-de-araras são passistas

São flagelados, são pingentes, balconistas

Palhaços, marcianos, canibais, lírios, pirados

Dançando dormindo de olhos abertos à sombra da alegoria

Dos faraós embalsamados

E o imortal “Resposta ao Vento”, sua letra que mais celebro, um autêntico Orestes? Não, um autêntico Aldir.

Batidas na porta da frente

É o tempo

Eu bebo um pouquinho pra ter

Argumento

Mas fico sem jeito, calado

Ele ri

Ele zomba de quanto eu chorei

Porque sabe passar

E eu não sei

 

Num dia azul de verão sinto vento

Há folhas no meu coração é o tempo

Recordo um amor que eu perdi

Ele ri

Diz que somos iguais

Se eu notei

Pois não sabe ficar

E eu também não sei

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Nesse país com uma elite de merda, dá mais raiva de ver um gênio como Aldir depender de ajuda financeira para poder ter um atendimento médico mais especializado por causa da miséria que os compositores recebem dos direitos autorais. Enquanto nos EUA é comum achar compositor de um sucesso só que fica rico a ponto dos filhos e até netos não se preocuparem com dinheiro, aqui é comum a história de compositores com dezenas de sucessos que terminam a vida dependendo da ajuda financeira da família, dos amigos, dos fãs. ELITE DE MERDA. PASSOU DA HORA DA GUILHOTINA PRA ESSES FDPS.

  2. Se o governo federal tivesse se preparado para o Covid, ao invés de ficar dizendo e fazendo merda, o Aldir Blanc não correria risco de morrer de Covid. Mas Nossa Senhora vai proteger o Aldir Blanc e todos nós.

    Força, Aldir

    O show de todo Artista tem que coninuar

  3. Como alguém pode se deixar levar na poesia se a cada 3..4.. versos existe uma propaganda? O Marketing (com seus protocolos de massificação) Matou a Arte! ainda que se sustente dela… É uma agressividade inconcebível.

  4. Aldir é médico psiquiatra também. Viveu no hospício Brasil e conseguiu tirar dele canções extremamente belas e lúcidas. O bêbado e o equilibrista te saúdam, grande poeta, já q a vida por aqui é uma eterna corda bamba de sombrinhas, mas sem rede lá embaixo. Que Deus te ampare nessa queda e q nos traga vc de volta. Saravá.

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