Altura dos prédios não atinge raiz da questão, por Fernando de Mello Franco

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Zanone Fraissat/Folhapress

Jornal GGN – A revisão da política urbana de São Paulo está na pauta. Um marco regulatório precisa de aperfeiçoamento, mas é preciso o debate. A defesa deste debate é feita por Fernando de Mello Franco, na Folha. Mello Franco é arquiteto e urbanista e foi Secretário de Desenvolvimento Urbano na gestão Haddad.

O cerne do problema reside na expansão sem controle atingindo as já atacadas áreas de preservação ambiental agravando o problema da insegurança hídrica. Antes de liberar a altura dos prédios, convém à atual gestão buscar em projetos importantes que foram retirados da pauta da Câmara dos Vereadores e que poderiam ajudar na questão do adensamento populacional e, importante, na gentrificação em curso.

Leia o artigo a seguir.

da Folha

Altura dos prédios não atinge raiz da questão

por Fernando de Mello Franco

A revisão da restrição de altura dos edifícios de São Paulo pode trazer ganhos à cidade? NÃO

Está em ação a revisão da política urbana de São Paulo. Não se pode congelá-la, tanto que o marco regulatório garante mecanismos para seu aperfeiçoamento. A revisão é legítima, mas exige debate.

A taxa de crescimento populacional está em queda. Estima-se que por volta de 2040 se estabilizará. Mas até lá a metrópole ganhará 2 milhões de pessoas. A expansão não pode mais invadir áreas de preservação ambiental sem agravar a insegurança hídrica. Há que se adensar sobre o já construído. Contudo, bairros consolidados pleiteiam o resguardo de suas características.

A política urbana formula uma solução ao dilema. As áreas junto aos eixos de transporte público são vocacionadas ao adensamento. Como a expansão dessa rede está aquém do necessário, a medida não é suficiente. Para responder à escala da demanda há a Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM), constituída de territórios industriais subutilizados da orla ferroviária. Aí as oportunidades são vastas.

A atual gestão afirma que as regras encarecem os produtos imobiliários, o que induzirá o espraiamento urbano. Um dos vilões seria a restrição da altura das edificações. É verdade que há restrição nos miolos de bairro, mas não é verdade que não existam áreas sem restrição, ou que não se deseje adensamento vigoroso. A intensificação do uso do solo é fundamental e está direcionada aos eixos e à MEM.

Os projetos de lei Arco Tietê e Tamanduateí foram enviados à Câmara em 2016 justamente com esse propósito, mas foram retirados da pauta. Alega-se que sua escala é demasiadamente grande.

Excesso de restrição e excesso de oportunidade coexistem contraditoriamente no discurso recente. A atual gestão opta por abandonar a transformação onde o patrimônio subutilizado é farto e o adensamento desejável, para se voltar aos bairros cujos moradores não o querem.

Por que postergar o desenvolvimento da MEM e avançar sobre locais onde os votos foram majoritariamente para o atual prefeito, contrariando a própria base eleitoral?

Não há evidência de que a liberação dos gabaritos vá mitigar o efeito da segregação espacial ou reduzir o preço final de venda dos imóveis —ainda que seja verdadeiro que reduza o custo de produção. Verticalização construtiva não é o mesmo que adensamento populacional. Não há correlação direta entre altura da edificação e acesso à cidade.

A forte verticalização de bairros como Moema, Pinheiros ou Anália Franco, opostamente, gerou gentrificação. Tampouco os bairros verticalizados são os mais adensados. As periferias de morfologia horizontal é que o são.

Esta gestão paralisa os trabalhos da Diretoria de Controle da Função Social da Propriedade e propõe a revisão dos instrumentos do IPTU Progressivo e da Peuc (Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios). O retorno ao mercado do volumoso estoque de imóveis subutilizados teria mais impacto na contenção do preço da terra e na inclusão do que o aumento do gabarito.

Então, qual o propósito que justifica a revisão das regras? Nada indica haver um pleito dos movimentos de bairro de classe média pelo aumento de gabarito, menos ainda dos movimentos populares pelo esvaziamento da função social da propriedade. E tudo indica que essa revisão não qualificará a urbanidade ou reverterá a segregação.

É provável haver bairros já verticalizados onde a restrição de gabarito não faça sentido. Mas elevar a altura dos edifícios é placebo que não atinge a profundidade dos problemas. O ideal seria priorizar a gestão de soluções efetivas.

FERNANDO DE MELLO FRANCO, arquiteto e urbanista, é ex-secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad) e diretor do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos pela Metrópole)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador