Amazônia precisa de inovação

Quando se fala em floresta Amazônica, é quase uníssona a avaliação de preservação  da floresta.  Por outro lado, há especialistas que defendem a atividade econômica como uma das soluções para conservar o bioma e garantir renda para a população local.  A pesquisadora Bertha Becker faz parte desse grupo. 

O currículo de Bercker é tão extenso quanto sua experiência em pesquisas na região. Professora emérita da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências, doutora honoris causa pela Universidade de Lyon III, formada em Geografia e História e com pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, ela soma mais de 30 anos dedicados aos estudos na área, que resultaram em uma visão diferenciada de conservação, em que a atração de indústrias e tecnologias devem ser o pilar para garantir a sustentabilidade da superlativa floresta, mas em um novo modelo de planejamento.

Em entrevista ao Brasilianas.org, Becker apresenta sua visão de desenvolvimento sustentável, ressaltando que faltam políticas integradas na Amazônia. A pesquisadora também traça uma avaliação sobre a tentativa de reforma agrária, que, segundo ela, continua mandando gente para a Floresta Amazônica. “A região recebeu o maior número de famílias nessa última década. E jogam no meio da mata sem apoio nenhum. Então, ou eles derrubam a mata e vendem pro fazendeiro, depois vão pra outro lugar, ficam sendo laranjas de fazendeiros. Não tem condições de sobreviver nesse modelo chamado de reforma agrária”, avalia.

Além disso, Becker fala sobre a proposta inovadora de transformar Manaus em “cidade mundial”. Com base na prestação de serviços ambientais, a capital amazonense pode formar uma rede de cidades na floresta, capazes de serem sede de pesquisas e indústrias.

 

Brasilianas.org – O modelo de preservação florestal na Amazônia começa a dar lugar ao desenvolvimento sustentável. Como a senhora avalia a atual situação de desenvolvimento da região?

Bertha Becker – O problema é o seguinte. Para, incentivamente, conservar e promover o desenvolvimento sustentável, você tem que defender a floresta através da produção. Tem que atribuir valor econômico à floresta em pé para que ela possa competir com soja, cana, dendê… Enquanto ela não tiver valor econômico em pé ela será derrubada. Por isso tem que encontrar maneiras de valorizar a floresta em pé. Não adianta só áreas protegidas, isso é importante, é muito bom, mas  não resolve, pois fora da área protegida continuará sendo desmatado.

Brasilianas.org – Isso seria pagamento por serviços ambientais?

Becker – Eu sou contra o pagamento por serviços ambientais, o chamado REDD,  Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, porque acho que temos que encontrar um modelo novo para Amazônia.  Um modelo de desenvolvimento que valore através da produção, e não através de financiamento para não fazer nada. Você paga para não desflorestar, mas, nesse processo, não se atinge as causas do desmatamento. Nós precisamos acabar com o desmatamento de vez, e uma das formas é buscar tecnologias para promover um extrativismo industrializado, e não com os pés nos chão. O outro é encontrar um modelo de pagamento por serviços ambientais, mas não o pagar para não desmatar, e sim que  valorize todos os serviços da floresta, como a água e o bem estar. E não apenas o carbono, que já tem um mercado e com baixo preço. A gente está perpetuando um modelo de exportação de riquezas com baixo preço. Já exportou drogas do Sertão, borracha, exportamos ferro… E agora exportamos carbono, mas com baixo preço. Tem que acabar com esse modelo sócio exportador, em que não se agrega nenhum valor, não se industrializa.

Brasilianas.org  E como as novas tecnologias extrativistas podem contribuir para a preservação?

Becker – Não é aquela coisa de pé no chão, tem que descobrir uma maneira agregando tecnologia com o extrativismo em escala. Quem está fazendo isso é a Natura, mas muito pouco. Inclusive, tem que equipar as cidades, para que elas possam abrigar indústrias exatamente para isso, para os produtos da floresta, e para que elas possam ser sedes de pesquisa. A pesquisa próxima à floresta tem que ser feita, não adianta fazer só em Manaus e Belém. Tem alguns lugares nos EUA onde os laboratórios ficam em áreas distantes. E já tem algumas comunidades na região que têm feito trabalhos nesse sentido, é preciso fortalecê-las. As cidades  também teriam um papel muito importante, pois tem que aumentar a produção da floresta e ampliar emprego e renda à população. E as cidades são fundamentais, são as sedes dos serviços, do comércio, e dos trabalhos avançados de pesquisas.  Eu até tenho feito a proposta de transformar Manaus em uma cidade mundial, com base na prestação de serviços ambientais, ela pode formar uma rede de cidades localizadas na floresta que possam ser sede de pesquisas e indústrias, e Manaus comandaria essa rede. Acho que seria importante aproveitar os recursos da floresta de maneira não destrutiva. O pessoal fica numa atitude polarizada, ou destrói ou não faz nada na floresta.

Brasilianas.org  Essa proposta de cidade mundial já foi adaptada, aplicada de forma semelhante em outro local?

Becker – Não, é absolutamente inovador. Por isso a gente está aqui, pra conhecer a região e fazer propostas para sua melhoria.  Eu faço pesquisa de campo e conheço bastante coisa, não tudo, porque ninguém conhece tudo da Amazônia. Com base nas minhas pesquisas de 30, 40 anos, acho que é por ai que a gente tem que ir. Mas não é só usar diretamente os recursos da floresta, também pode se fazer industrias avançadas, aproveitando a Zona Franca de Manaus, que já tem uma base tecnológica. Tem que pensar indústrias para Belém, que é uma cidade muito sem dinamismo, tem toda aquela exploração dos minerais, toda aquela riqueza, e não deixa nada para a cidade e para o estado. Descobrir também como dinamizar cidades médias, construir cadeias produtivas, porque tem poucas cadeias na região, e com isso a população não tem renda. Tem que organizar melhor, aliás, tem que organizar a base econômica da região, ela não é organizada.

Brasilianas.org  A senhora fala muito em pesquisas, tanto para desenvolver novas formas de negócios como novas tecnologias. Mas há na região uma carência muito grande, tanto de universidades quanto de laboratórios.

Becker – Há carências, mas houve criação de vagas em institutos nos últimos dois anos. Além de atrair pesquisadores para a região, sem dúvida, é preciso fazer uma coordenação das pesquisas, estabelecer prioridades. Senão fica uma coisa bem fragmentada. Precisa, talvez, de um pouco mais de convergência das pesquisas. Está muito disperso.

Brasilianas.org  Uma coordenação dos estudos da região para que possam ser condensadas em ações políticas?

Becker – Exato. As políticas públicas para a Amazônia são desarticuladas, o que é um dos problemas grandes da região. Por um lado se fala em queda na taxa de desmatamento, se fala em desenvolvimento sustentável. Por outro lado se faz energia com grandes projetos hidrelétricos, circulação com rodovias, que são coisas que provocam o desmatamento. Há de um lado o Plano Amazônia Sustentável e, do outro, o PAC, que promove a aceleração de desenvolvimento com formas convencionais de exploração. E são formas convencionais que o pessoal transfere para lá em escala muito maior. Aí arrebenta com a floresta.

Brasilianas.org  A senhora falou da hidroeletricidade, e há muita discussão em relação à instalação de hidrelétricas na área, mas é ao mesmo tempo uma forma de desenvolvimento. Como a avalia essa exploração energética?

Becker – A Amazônia está aí exigindo um monte de inovações. Não sei como, mas tem que pesquisar e inovar nessa área. Tem que se pensar em outro modelo. Quanto às estradas, não tem cabimento fazer rodovia na Amazônia. Lá precisa fazer circulação fluvial e aérea, com pequenos trechos de rodovia para ligações importantes. Até mesmo trechos de ferrovia, que é menos maléfica do que a rodovia.

Brasilianas.org  Então a senhora propõe um desenvolvimento na região, com atração de indústrias e extrativismo, mas que seja aderente às peculiaridades amazônicas?

Becker – Isso. Essa é a minha proposta. Não é para fazer coisas do século passado, ao contrário. Tem que fazer coisas do século 21, bem avançadas. Ela [Amazônia] exige isso, pois é uma natureza muito sofisticada, que exige cuidado e tratamento especial, com ciência e tecnologia avançadas.

Brasilianas.org  Como essa produção local pode contribuir para a preservação?

Becker – Se fizer o que estou falando, por exemplo, o extrativismo, a população vai produzir e defender. Se os produtos tiverem valor econômico ninguém vai derrubar. O pessoal derruba porque lucra mais exportando o tronco derrubado, bruto, já que não tem outra coisa pra fazer. Tem que atribuir valor ao tronco em pé, isso é a extração da flora, a pesca… A pesca é uma cosia fantástica e até hoje não foi resolvido. Não tem uma indústria decente na região para valorizar a madeira em pé.

Brasilianas.org  Mas a conservação por meio de financiamento vem sendo muito usada, crescendo o número de Fundos.

Becker – Sim. Está sendo muito divulgado, muito difundido. Mas eu acho péssimo. A proteção da floresta ainda deve ser feita, mas junto com as populações produzindo alguma coisa. A população tem que ter atividade, recursos, tem que melhorar a condição de vida.

Brasilianas.org  E quais serviços podem ser aplicados para que a população possa ter renda?

Becker – Os dois grandes problemas são o que produzir e como produzir. São essas as questões crucias para Amazônia. Mas tem que produzir. Não conheço nenhum lugar no mundo que houve crescimento e desenvolvimento sem produção. Financiar para não desmatar não gera riqueza e renda para a população.

Brasilianas.org  Há dois anos a senhora tocou em um ponto interessante, e um pouco polêmico, em relação à velocidade de desmatamento e do aquecimento global. Como a senhora vê hoje essas duas velocidades?

Becker – Eu acho que está mais do que urgente a gente começar a produzir na Amazônia e defender a floresta com a produção. Todo mundo diz que as taxas de desmatamento reduziram, eu não acredito nisso. Porque declinaram as taxas do desmatamento por corte raso, mas ainda há o que é chamado de brocagem, você corta o miolo da floresta e deixa 50% da área para não ser detectado por satélite. Isso não acabou, portanto, o desmatamento é acelerado. Eu acho que tem que falar com cuidado do declínio do desmatamento. Os processos, então, estão cada vez mais acelerados. As ações humanas têm que acelerar também. As pessoas dizem que o global é mais do que a soma das partes, mas as partes também são importantes. Se a gente conseguir não desmatar, não queimar, e desenvolver a Amazônia, vamos ajudar não só o povo da região, como vamos estar ajudando na questão do aquecimento global, pois não vai haver tantas emissões. Aí você também vai ajudar o global. Não gosto de pensar só no global, que é importante, mas a região também é importante.

Brasilianas.org  Como a senhora avalia as últimas políticas públicas ambientais?

Becker – São Políticas desarticuladas. Fazem coisas na área ambiental e depois um plano de crescimento acelerado. Uma contradiz a outra. Você fala em Plano Amazônia Sustentável, e como o nome está dizendo, é ter a vegetação da floresta em pé. Ai você faz rodovia e hidrelétrica grande. Não é uma contradição? A política de reforma agrária também não foi nada boa. A reforma agrária continuou mandando gente para a Amazônia. A região recebeu o maior número de famílias nessa última década. E jogam no meio da mata sem apoio nenhum. Então, ou eles derrubam a mata e vendem pro fazendeiro, depois vão pra outro lugar, ficam sendo laranjas de fazendeiros. Não tem condições de sobreviver nesse modelo chamado de reforma agrária.

Brasilianas.org  E o problema fundiário?

Becker – Tomaram algumas medidas para distribuir terra, mas é muito cedo para dizer. Mas a questão da reforma agrária tem que ser mudada imediatamente.

Brasilianas.org  E quais devem ser as ações prioritárias do novo governo para a Amazônia?

Becker – Tem que organizar a base econômica da região com um modelo adequado às suas particularidades. Ou seja, inovar. Ela exige, é a grande fonte de inovação para o país. Inovar na indústria, na estrada na energia. Ela permite e tem potencial para isso.

Brasilianas.org  Palavra de ordem é inovação.

Becker – Sim, inovar. Conservação através da inovação produtiva. Conservar é usar de modo não destrutivo, preservar é não mexer. Utilizar, produzir sem destruir, ou com o mínimo de destruição possível.

Brasilianas.org  A presença do Estado na Amazônia tem crescido, é suficiente, ou a região carece do papel do estado?

Becker – Carece sim de atuação do Estado, mas dentro de políticas e de planejamentos coerentes. Políticas articuladas e planejamento. Não adianta dizer que o Estado é omisso, pois ele às vezes é omisso porque convém.

Brasilianas.org  É uma omissão em relação às peculiaridades da região?

Becker – Isso. No caso de uma inovação produtiva, outro tipo de modelo, isso só o Estado pode fazer. Propus a estatização da mata densa, uma área estatal em que o estado faria o planejamento e ai fazendo concessões de acordo com o planejamento. O mesmo planejamento inovador que já falei.  Eu acho que a Amazônia é muito diferenciada. Você distingue o coração florestal, que é a mata densa, e se conseguir sustar o desmatamento, o Estado assume e faz a coordenação para desenvolver.

Brasilianas.org  Onde essa proposta foi apresentada?

Becker – Apresentei em seminário. Mas o pessoal não gosta muito de reflexão (risos). Preferem continuar nos modelos já adotados.

Foto: Eduardo Monteiro, para National Geographic

Redação

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