Aprofundando o debate sobre as propostas liberais para educação

Repito: entrevistas ao vivo não permitem aprofundamento de ideias. Por isso, coloco aqui as questões suscitadas pela entrevista, para que Abrão aprofunde em artigos e possamos entender melhor as propostas liberais.

Ontem fiz uma entrevista com Ana Carla Abrão, economista integrante da bancada liberal da economia, liderada por Armínio Fraga. A intenção foi entender melhor o aparente paradoxo entre pretender a redução do Estado e, ao mesmo tempo, a melhoria dos serviços públicos.

Pelo discurso liberal, bastaria a redução do tamanho do Estado para haver a melhoria do serviço público. Este é um discurso de guerra. Obviamente deve haver pensamento mais elaborado por trás dos slogans.

A entrevista deixou muitos temas pendentes, devido ao próprio formato online, que impede o desenvolvimento melhor de ideias, como nos textos escritos.

Relaciono aqui as principais dúvidas suscitadas pela entrevista, especialmente em relação a duas conclusões importantes dos liberais:

1. O Estado deve sair de todas as atividades econômicas para se fixar nos gastos com suas prioridades: educação, saúde, segurança etc.

2. O orçamento público é muito exposto a influências políticas. Grupos que berram mais, conseguem mais.

Aí começam os paradoxos.

Vamos juntar as duas constatações e expor ao teste de consistência com outras propostas liberais.

Desde a Constituição, uma das maneiras de blindar gastos sociais são os fundos direcionados. Os liberais são contrários.

Abrão admite o baixo salário dos funcionários públicos que trabalham na linha de frente, como pessoal da saúde e da educação. Mas é contra os penduricalhos que procuram melhorar o salário dos professores.

Como fica então?

A questão da eficiência do gasto público, para os liberais, não parece ser o de fazer mais com mais, nem mais com o mesmo, mas o mesmo com menos.

Outro ponto complicado no pensamento liberal é a enorme dificuldade de admitir controle ou participação social. Há uma verdadeira alergia por povo. Qualquer projeto de qualidade, seja em empresas privadas ou no Estado, tem como ponto central a participação de todos os setores na definição e no controle das metas acordadas.

André Lara Rezende, que conseguiu suplantar o dogmatismo vazio de antes, defende a expansão monetária. Mas, assim como Abraão, acredita na mão invisível do tecnocrata anônimo para ampliar a eficácia dos gastos públicos. Ou, então, no papel supostamente virtuoso de qualquer solução privada.

Ora, solução privada ou trabalho direto do Estado só são eficazes – e controlados – com a participação social, na forma de conselhos. Mas não é isso o que ocorre.

Abraão faz a defesa da solução genérica das Organizações Sociais no serviço público, apresentando como exemplo a política de educação de Goiás. E apresentando os escândalos das OSs de saúde como exceção à regra.

Não é assim

Mostrei aqui, anos atrás, a dobradinha de Carlinhos Cachoeira com a revista Veja e com um colunista, consultor pedagógico da Secretaria de Educação de Goiás. A revista planejou uma reportagem sobre o modelo de educação na China. A reportagem falava na arquitetura das escolas chinesas. Conforme grampos da Operação Monte Carlos, Cachoeira foi avisado antecipadamente da publicação da reportagem e se preparou para oferecer o projeto de construção de escolas chinesas ao governo de Goiás.

Escândalos com OS, com contratos públicos, com serviços públicos ou terceirizados depende de controle social. E controle social se dá com conselhos de participação, modelo satanizado pela mídia dita liberal.

Por exemplo, o modelo de reforma da rede escolar por Geraldo Alckmin – que motivou o movimento Ocupe Escolas. Tinha-se uma visão estritamente financeira, de juntar mais alunos em menos escolas por questão de economia. Não levou em conta questões pedagógicas, como salas com mais de 50 alunos, Não pensou nos problemas de transporte de alunos transferidos para escolas distantes. Nem sequer em características específicas da periferia, como a disputa entre favelas. Com o remanejamento, alunos de uma favela precisavam atravessa outra – com risco de vida – para estudar em outra escola.

Ora, cada escola é um microcosmo, e seu desempenho depende de se conhecer as condições do entorno, de integrar as famílias na escola, de montar modelos pedagógicos específicos para cada situação, e não em linha de montagem,

Mas, segundo Abrão, em São Paulo a falta de diálogo foi culpa do Sindicato dos Professores, e não do dono da reforma, o governo de São Paulo. Ora, o trabalho político de aprofundar a participação e esvaziar as resistências é do dono da bola, o governador do Estado.

Repito: entrevistas ao vivo não permitem aprofundamento de ideias. Por isso, coloco aqui as questões suscitadas pela entrevista, para que Abrão aprofunde em artigos e possamos entender melhor as propostas liberais.

Se admite o salário insuficiente dos professores e, ao mesmo tempo, condena fundos específicos para a educação e os penduricalhos que procuram melhorar a remuneração dos salários; se é contra os gastos obrigatórios em educação e saúde se mantem a fé cega e a faca amolada na Lei do Teto e na rigidez do orçamento, qual a proposta objetiva de melhoria da situação dos professores e da educação?

Eis um ponto relevante para se discutir as alternativas de políticas de educação na mesa, para o período pós-Bolsonaro.

Nesses tempos de reconstrução, há que se identificar as melhores propostas para cada tema, independentemente do selo ideológico de cada uma.

 

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Ana é filha de Irapuan Costa Jr e Lúcia Vânia. Nascida e criada em berço de ouro. Não sabe o que significa necessidade, fome, coisas que tais. Mas, particularmente, não sabe o que significa povo. O pai, governador biônico, é alérgico a isso. Nomeá-la como liberal é abuso de linguagem. É uma pessoa de direita. Há um teste de resistência a seus argumentos: é propor que ela (e sua família, incluindo seus filhos) viva um período com o salário que ela quer impor aos professores e demais trabalhadores do serviço público. E, além disso, nas estritas condições que esse salário possa pagar. Nada como ser liberal com a vida dos outros. Pessoas como ela vivem em um mundo ao qual a Lei Áurea ainda não chegou.

    1. Muito apropriada sua colocação, os autodenominados liberais brasileiros não vivem de salário e se vivem fazem parte de uma pequena casta extremamente privilegiada do funcionalismo, como diplomatas, juízes e procuradores, que colocam os filhos em caras escolas privadas no Brasil e no exterior. No caso dela, notei tb que é casada com Pérsio Arida, atual presidente do BTG Pactual. Não vejo como uma pessoa dessas se qualifica para propor soluções para a educação brasileira. Praticamente tudo o que virou OS e terceirizado no Brasil, acabou entregando serviço de terceira, como o Hospital de Base de Brasília. Os políticos usam essas organizações privadas para desviar recursos ou para empregar apaniguados. Ana Carla Abrão vive em outro mundo, literalmente.

  2. Caro Nassif,
    Os liberais tradicionais aceitavam a educação como bem público universal, gratuito e que preparava, além de técnicos, cidadãos. Não é o caso dos neoliberais, por mais que pareçam ‘civilizados’, como Lara e Abrão. No fim das contas, o objetivo é mercantilizar todas as esferas da vida, inclusive a educação e a saúde, que devem dar lucro e, além disso, preparar os alunos ‘para o mercado’ unicamente, ou seja, formar mão de obra técnica.
    O espaço da escola, que antes admitia sonhos, discussões e especulações, se torna, cada vez mais um espaço de treinamento, como se fosse uma extensão de curso profissionalizante. Sei disso pq fui professor de universidades particulares aqui em Goiás durante anos: a reflexão é nula e o único objetivo é obter conhecimentos e diploma para a vida profissional: o ser humano reduzido a uma máquina de ganhar e gastar. E a pressão pelo ensino técnico vem inclusive dos alunos, que não querem saber de reflexão, discussão ou crítica. Eu dava aulas de português e redação e o que eles queriam eram apenas coisas aplicadas e técnicas, nada de explorações humanísticas ligadas à linguagem.

  3. A grande tragédia na Educação brasileira é que ela é capitaneada por todo o tipo de aventureiro: economista, engenheiro, advogado, administrador. Um bando de gente que nunca pisou em uma escola ou em uma sala de aula, exceto como estudante. Não têm a mínima noção de como funciona a coisa, possuem uma agenda puramente econômica e por isso só fazem merda.

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