Aprofundar a democracia

Eu perdi algum tempo lendo os comentários nos jornais, sabendo bem o que encontraria, mas precisava sanar minha curiosidade. Muitos diziam: “tantos anos como Senador, o que esse sujeito fez por nós? Aí está a mania do PT de defender bandido, drogado, a escória….”

Não posso deixar de contar a passagem dele, mais ou menos em 2004/2005 (não lembro exatamente), por nossa cidade. Na confusão em torno do Senador, andando pela rua central do comércio local, uma senhorinha veio reclamar que sua senha do banco acabara de ser roubada por um sujeito que se oferecera para ajudá-la no caixa eletronico de um banco. Suplicy não titubeou: adentrou ao banco, mandou chamar o gerente e, em minutos, resolveu o problema da mulher. Imagine o gerente do banco receber a notícia: está aí um Senador da República pra falar com o senhor…! Rsrsrsrsrsrsrsr. Se fosse a senhorinha, demoraria dias pra provar que focinho de porco não era tomada. Não foi-lhe outorgada uma excessão à regra, uma quebra da legalidade, uma vantagem indevida, que não apenas seu direito republicano de ser protegida de ser roubada!

Os dois episódios mostram bem que Suplicy age coerentemente. A velhinha roubada e o sem teto encrenqueiro são cidadãos e PONTO.

Este entendimento jamais foi cultivado no país: um homem, um voto. Disto decorre que cada cidadão é um pequeno proprietário, investidor e construtor da república (a coisa pública). Construímos, ao contrário, uma sociedade baseada na exclusão: demoramos para acabar com a escravidão, para fazer reforma agrária, para equiparar os direitos da mulher aos dos homens, para garantir direitos das minorias, para reconhecer que o divórcio é uma forma válida de reconduzir casais separados ao usufruto de direitos sociais (como, p.e., reconstruir uma família e gozar dos dirietos gerais de proteção a ela, como a herança, pensão, etc). Enfim, para fazer dos direitos civis um monumento sólido, base para um país com cidadãos e não com súditos.

Vejam que os exemplos acima são bastante genéricos, mas posso dar mais alguns, que, baseados na constituição de 88, criam um clima muito diferente de convívio: um aluno não pode mais simplesmente ser expulso de uma escola. Menos ainda sofrer uma suspensão nos moldes antigos: ele não pode ser impedido de entrar na escola. Se for suspenso, deve ficar em um ambiente protegido DENTRO da escola, fora da sala de aula. Porém, seus professores não poderão negar-lhe as atividades comuns aos outros alunos nos dias em que sofre a suspensão. Terá que cumprir, em separado, estas mesma atividades. Será que nossas escolas conseguem fazer frente a esta demanda? Não é mais fácil NÃO PUNIR este aluno? Negar-se a cumprir estas determinações legais não é, esta sim, uma atitude anti-republicana, antes mesmo de ser anti-pedagógica?

Pois é: do mesmo modo que não são apenas as leis que garantem o respeito à cidadania, não é reprimindo os repressores (a Polícia Militar) que resolveremos o problema da violência policial. Precisamos de uma cultura que privilege o respeito ao cidadão. Isto já sabiam desde Tom Jobim*, Ulysses Guimarães** até Fernando Gabeira***.

Os exemplos de “desinteligência” na rede, as manifestações fascistas e de ódio no domingo último, este caso envolvendo Suplicy e tantas outras barbaridades que temos testemunhado só poderão ser combatidas com a escolarização do povo, com a defesa inconteste dos valores republicanos, da legalidade, do combate à corrupção, ao preconceito e à exclusão. Enfim: a tarefa é aprofundar  democracia…

 

(*) Em uma longa entrevista à TV Cultura, dizia que teríamos um país sério quando o cidadão fosse deixado em paz.

(**) Chamou a Constituição de 88 de “Constituição Cidadã”.

(***) Em resposta a Ulysses, disse que de nada valeria termos uma “Constituição Cidadã” se não tivéssemos também uma “Cultura Cidadã”.

Redação

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