Artimanhas da transação de Neymar com o Barcelona

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Cláusula de confidencialidade camufla os beneficiários dos valores pagos e tenta afastar o interesse público do fisco sobre um contrato predominantemente privado

Hamilton Octavio de Souza

A imprensa brasileira está devendo uma cobertura mais aprofundada sobre a transferência do jogador Neymar Jr., do Santos, do litoral paulista, para o Barcelona, clube da Catalunha, na Espanha, efetivada em meados de 2013. O assunto voltou à baila em janeiro de 2014 porque um sócio do Barça recorreu à Justiça espanhola para esclarecer os verdadeiros valores do contrato, anunciado como sendo de 57 milhões de euros (R$180 milhões), mas que totaliza 95 milhões de euros (R$300 milhões) – uma diferença considerável.

Independentemente da motivação da denúncia, que pode ser a apuração do custo real do jogador para os cofres do clube catalão, a disputa política pelo poder no próprio clube ou identificar eventuais desvios e/ou apropriações indevidas na transação, o fato é que a intimação das partes pela Justiça espanhola teve consequências imediatas no clube e para a revelação de alguns detalhes da transação que até então eram desconhecidos.

Principal negociador da compra de Neymar Jr. pelo Barcelona, o presidente Sandro Rosell negou qualquer irregularidade, mas não resistiu às pressões e, no dia 23 de janeiro, renunciou ao cobiçado cargo de presidente. Alegou motivos pessoais e ameaças sofridas por sua família. Não revelou para a imprensa as chamadas “cláusulas de confidencialidade” embutidas no contrato por exigência da família Neymar, especialmente pelo pai do jogador, que é o seu representante legal.

No dia seguinte, ao assumir a presidência do Barcelona, o vice-presidente Josep Bartolomeu tornou público vários detalhes do contrato com Neymar Jr., já com a devida “autorização” do pai do jogador. Não se sabe se o que o novo presidente do Barça mostrou para a imprensa é mesmo a integralidade do contrato, mas, de qualquer maneira, o que foi mostrado corrige valores e revela dados que não eram conhecidos publicamente.

Mesmo que o contrato tenha caráter privado, entre o clube e o atleta, os detalhes revelados permitem ampliar o debate sobre a transação, os interesses das partes envolvidas e, também, sobre o papel da fiscalização do poder público aos vários aspectos, tanto do interesse da Receita Federal em verificar o recolhimento do Imposto de Renda e eventual evasão de divisas, como de órgãos responsáveis pelo bom funcionamento de entidades sociais sem fins lucrativos, recreativas (clubes) e filantrópicas (ONGs assistenciais).

O contrato revela, por exemplo, que a empresa N&N, controlada pelo pai de Neymar Jr., recebeu 40 milhões de euros do Barcelona, sem ser a detentora de direitos econômicos do jogador, enquanto o Santos, clube que projetou o atleta e que detinha os direitos contratuais sobre o jogador, recebeu apenas 17 milhões de euros – incluindo a parte dos investidores privados, como o grupo Sonda.

Além disso, Neymar pai recebeu 2,7 milhões de euros de comissão pela negociação e o atleta mais 10 milhões de euros de bônus pela assinatura do contrato. Consta, ainda, uma doação de 2,5 milhões de euros para o Instituto Projeto Neymar Jr., na Praia Grande, litoral de São Paulo; direitos comerciais de Neymar Jr. (4 milhões de euros); mais R$29 milhões de salários anuais, eventual indenização em jogo com o Santos (4,5 milhões de euros) e preferência para o clube catalão nos passes de outros jogadores do Santos.

Enfim, o contrato mistura cláusulas negociadas entre os clubes (Santos e Barcelona), cláusulas privativas do jogador, de seu pai e da empresa e entidade da família Neymar, e cláusulas relativas a jogos, negociação futura com outros jogadores e até em relação a eventual descoberta de novos talentos do esporte. Outro aspecto que chama a atenção, sob o ponto de vista ético, é que, pressionado pela Justiça espanhola e pelo escândalo que envolveu o clube, o Barcelona acabou revelando que o clube da Espanha e o jogador tinham um acordo antigo “de gaveta”, firmado muito antes de o Santos abrir negociação para a transferência de Neymar Jr. ao futebol europeu.

Cercado por poderosos patrocinadores, em especial grandes corporações transnacionais, e pelos interesses econômicos envolvidos na Copa do Mundo de Futebol, o jogador Neymar Jr. tem sido superfavorecido no tratamento dado pela grande mídia, não apenas ao que faz dentro de campo, mas, sobretudo, nos negócios tocados por ele e sua família. Já está na hora do jornalismo brasileiro conquistar sua independência diante de ídolos e mitos – especialmente quando se trata de defender o interesse público antes dos negócios e das vantagens pessoais de cada um.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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