As incertezas sobre a recuperação da economia, por Luis Nassif

As cartas do jogo estão praticamente dadas.

Um dos grandes desafios econômicos atuas é definir cenários econômicos críveis.

Há três ingredientes centrais de análise.

Ingrediente 1 – o cálculo da curva da pandemia.

Isto é, acertar o momento em que ela começará a refluir.

O indicador principal é o chamado fator R – uma conta estatística que calcula quantas pessoas são infectadas por alguém contaminado pelo coronavirus. Trata-se de uma medida estatística que leva em conta o número de óbitos e de notificações. Quando abaixo de 1, significa que a pandemia começou a refluir.

Segundo o médico virologista e advogado Daniel Dourado, colunista da TV GGN, saíram do isolamento apenas países em que o fator R ficou entre 0,60 e 0,70. Mesmo porque, com a flexibilização do isolamento, o fator R tende a crescer novamente.

Esse indicador é sonegado pelas autoridades sanitárias, tanto do governo federal quanto dos estaduais. Cálculos independentes do site Covid-19 Analysis estima fatores R bastante elevados em todos os estados. A rigor, apenas o Acre apresenta um R razoável, de 0,68.

Tome-se o caso São Paulo.

Para justificar a flexibilização, o governo João Dória recorreu a alguns truques estatísticos. Informa que São Paulo chegou a responder por 60% dos casos brasileiros e depois a proporção caiu. Trata-se de uma falácia. A participação de São Paulo caiu, porque a dos demais estados aumentou.  E, nas duas últimas semanas, a participação tem ficado quase estável, mostrando que os óbitos em Sao Paulo aumentam na mesma proporção dos óbitos gerais do país que, por sua vez, é o país com maior ocorrência de novos casos e novos óbitos.

Mas, para uma análise séria, tem que se analisar o comportamento da curva pandêmica em valores absolutos. E, aí, há sinais evidentes da pandemia crescendo sem controle. Em São Paulo, o crescimento semanal é superior a 24%. E, no Rio de Janeiro, supera os 30%.

Levando em conta o Fator R, a rigor, apenas o pequeno Acre estaria em condições de proceder à flexibilização do isolamento.

Acompanhe o comportamento do Fator R no link https://perone.github.io/covid19analysis/brazil_r0.html

Ingrediente 2 – a resistência dos governantes ante as pressões para a flexibilização

Aqui, entra-se em uma equação complexa. De um lado há as incertezas sobre a resistência dos governantes para sustentar o isolamento, em um quadro de agravamento da economia.

Depois, o impacto de suas decisões sobre o aumento da contaminação e dos óbitos.

Finalmente, os efeitos do aumento da contaminação no espírito da população. Em outros países, a flexibilização antecipada levou a um aumento exponencial da contaminação e, na sequência, a uma pressão em linha contrária da opinião pública, exigindo medidas de isolamento mais drásticas anda.

Ingrediente 3 – os efeitos da demora da normalização da economia.

Na última pesquisa da indústria do IBGE, houve uma queda muito mais acentuada em setores mais complexos, que impactam cadeias produtivas mais densas. Os setores menos afetados têm pouca capacidade de dinamizar a economia:  produtos farmacêuticos, alimentos, limpeza , extrativa e fumo.

Cada  semana a mais de isolamento significa enfraquecimento maior das empresas. E nenhum sinal de vida de Paulo Guedes e sua equipe.

Cenário político

As cartas do jogo estão praticamente dadas.

O Supremo Tribunal Federal (STF)  assumiu o controle do jogo. Nos últimos dias, Jair Bolsonaro procurou se aproximar dos Ministros, e também dos Ministros do Tribunal Superior Eleitoral. O inacreditável Ministro da Educação Abraham Weintraub teve que acatar a ordem de Celso de Mello para depor.

Mesmo assim, não passaram a menor segurança ao Supremo, de que Bolsonaro passará a se comportar como pessoa normal. Ontem mesmo, Bolsonaro anunciou a convocação da Força Nacional para fazer frente às manifestações de domingo, emulando a decisão de Donald Trump – que, aliás, acentuou seu desgaste político. Bolsonaro limita-se a emular diariamente as atitudes de seu ídolo, sem a menor análise de situação. E Weintraub saiu do depoimento reiterando as provocações ao Supremo.

Ontem, o mais sibilino dos Ministros, Luis Roberto Barroso, que assumiu a presidência do TSE, fez três afirmações significativas:

  1. Fake news são uma grave ameaça à democracia.
  2. O TSE não vai analisar as denúncias do STF politicamente. Isto é, não vai se preocupar em analisar o fator governabilidade – que foi fundamental, aliás, para liberar o impeachment de Dilma. Significa que vai se ater ao julgamento em si. É um recado direto que não haverá moleza no julgamento.
  3. O julgamento será rápido, porque o TSE não tem a agenda acumulada do STF.

Ao mesmo tempo, o relaxamento do isolamento e o consequente repique da pandemia deixará a opinião pública com um barril de pólvora, podendo explodir em qualquer direção.

A saída de Bolsonaro é condição necessária para a futura normalização econômica, política e social do país. Mas não é condição suficiente. E aí entra a incógnita final. A saída de Bolsonaro permitirá o grande acordo nacional. Ou, mais uma vez, as forças políticas e institucionais mostrarão a estreiteza que desmoralizou as instituições na última década:?

 

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. E a crise do capitalismo se aprofunda a nível mundial, como assunalou Rogério Maestri em seu post de hoje. Do jeito que vai, nós seremos os primeiros a irem para a boca do jacaré.

    Caro Nassif, quero fazer uma reclamação e sugestão. Hoje eu gostaria de comentar um post do Maestri sobre a crise, mas os artigos dele não tem caixa de comentários, assim como os meus e de outros leitores que vcs publicam. Um dos grandes diferenciais do seu blog é o debate de alto nível entre os leitores. Eu gostaria de PEDIR QUE TODOS OS POSTS FOSSEM ABERTOS PARA COMENTÁRIOS, para enriquecer a discussão.
    abraço

  2. Se cassada a chapa será uma humilhação às forças armadas. Se mantida a chapa será um reforço às investidas de boçalnaro à democracia.

  3. Nassif, por que não se impôs uma quarentena forçada (lockdown) de 15 a 30 dias logo no inicio, isso não seria suficiente para interromper a curva de contágio, ao invés dessas medidas paliativas “estica encolhe” que foram dadas nos últimos 2-3 meses?

    Segunda pergunta, quem vai tirar Bolsonaro se a chapa for cassada? Maia?

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