As mudanças irreversíveis com o trabalho em casa

Como o novo mundo será essencialmente tecnológico, a demanda por mão de obra e o fim das limitações geográficas levarão as instituições regionais e municipais de ensino a ampliarem cursos de tecnologia da informação.

Uma constatação definitiva é que o pós-pandemia marca o fim da era dos escritórios. Trata-se de um fenômeno que tem muito mais consequências do que os impactos econômicos sobre aluguéis e investimentos.

XP está fechando vários escritórios. Apenas um deles tem um total de 12.145 m2 na área mais valorizada de São Paulo. O Google caminha na mesma direção do trabalho em casa. E, com eles, a maioria das empresas de serviços.

A instituição do escritório não é apenas o local de trabalho. É o ponto central de sociabilidade nas empresas, um anteparo à separação de classes, em que pese a divisão entre espaços de executivos e dos funcionários. E também um campo para fortalecer os laços dos funcionários com as empresas e identificar um funcionário cada vez mais relevante nas modernas organizações: o empreendedor interno, o sujeito que aprende a se relacionar com os diversos departamentos e a buscar soluções para problemas pontuais.

No almoço, e no final do dia, os funcionários se reunem em refeitórios, restaurantes ou bares para confraternização. É um espaço para a sociabilização das pessoas e também para a formação de tribos. Tem a tribo da Vila Olimpia, dos Jardins, da Paulista.

Com a expansão do trabalho em casa, haverá os seguintes efeitos:

1. Descentralização.

Se o instrumento de trabalho é apenas o computador, tanto faz trabalhar na Vila Olimpia ou em Guaranésia. Haverá uma volta à origem pelos trabalhadores de escritórios. As “tribos” serão exclusivamente virtuais.

2. Dificuldade em preservar a lealdade interna.

Empresas modernas ganham sinergia consolidando valores entre os funcionários. No ambiente virtual, haverá dificuldades. No caso de bancos de investimentos, pensa-se no fornecimento de vouchers para “happy hour”, proposta inútil já que os funcionários estarão espalhados por endereços não necessariamente próximos.

3. Enxugamento das redes bancárias.

Em um momento distante, antes da enorme concentração bancária, o gerente era quase um consultor pessoal do cliente, analisando pessoalmente a seriedade, a segurança da operação.  Fazia uma aposta no futuro. No processo de expansão da fronteira agrícola brasileira, os bancos tiveram um papel central no financiamento dos novos negócios.

Com a cartelização e a informatização, o crédito passou a ser subordinado a análises estatísticas de computadores impessoais. As agências se tornaram apenas locais para informações ou solução de problemas burocráticos, especialmente para pessoas físicas menos conectadas.

Esse papel está sendo assumido pelas cooperativas de crédito, um modelo que cresce significativamente, mas tem pouca visibilidade na mídia.

Para os grandes bancos, com a expansão dos contatos online haverá uma redução significativa das agências e o enfraquecimento de uma classe trabalhadora que, nas últimas décadas, esteve na linha de frente da defesa do emprego, a dos bancários. E, junto com ela, uma redução maior ainda em identificar novos setores promissores.

4. Explosão da terceirização

Se o funcionário passa a ser um terminal de computador, a avaliação é pelo resultado final que entra no terminal do controller. A avaliação de desempenho será concentrada exclusivamente no resultado final do trabalho.

Abre espaço também para a criação de empresas terceirizadas no interior do país, reforçando a interiorização dos serviços.

5. Fortalecimento das instituições regionais de ensino

Como o novo mundo será essencialmente tecnológico, a demanda por mão de obra e o fim das limitações geográficas levarão as instituições regionais e municipais de ensino a ampliarem cursos de tecnologia da informação.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. O home office ao que tudo indica será uma pratica cada vez mais adotada pelas empresas, mas não é exatamente uma novidade. O home office surgiu no início dos anos 2000, e é tratado como um benefício, e muito atrativo, pela melhoria na qualidade vida que pode propiciar as pessoas. Grandes empresas multinacionais adotam o HO, mas as nacionais são mais resistentes. Agora, com a pandemia, gestores estão começando a descobrir que é possível trabalhar com equipes de forma remota, quebrando um paradigma taylorista, muito forte nas organizações, de que é preciso controlar de perto as pessoas, para que sejam produtivas. Os gestores estão aprendendo que o importante é acompanhar as entregas e tarefas e não as horas trabalhadas, mas sou cético quanto ao alcance dessa mudança. Muitas empresas já estão prorrogando o home office até o final do ano como forma de preservar a saúde de seus funcionários, mas também de olho nos benefícios que a adoção do home office poderá trazer, em termos de redução de custos, caso da XP. Adotar só o custo como parâmetro talvez não seja uma boa escolha. Há que se levar em consideração outras variáveis, e o seu artigo resgata um tema ainda não debatido, o escritório enquanto espaço de convivência e interação social. Outro ponto relevante colocado é a forma como as pessoas serão avaliadas pelo seu trabalho. Por essa e outras questões, que não há clareza sobre qual o melhor modelo a ser adotado. O fato é que o trabalho remoto irá se disseminar ainda mais e uma questão crucial, na minha opinião, poderá se agravar: o tempo do trabalho se torna ilimitado, não havendo mais uma distinção clara entre o espaço pessoal e o profissional.

  2. Com certeza a economia que as empresas vão fazer dispensando os espaços físicos próprios ou alugados próprio ou alugados não serão repassados para os salários de quem trabalha em casa.
    Assim, além de não ter uma melhora salarial, pode inclusive ter uma redução sob a falsa alegação de que agora ficou mais fácil prestar serviço para a empresa.
    A contra argumentação tem que ser na base de que agora eu tenho que reservar um espaço na minha casa para me dedicar a empresa e esse espaço deveria se remunerado, especialmente se ele é alugado por que mora lá.

    Uma outra questão que não oi abordada, mas que é muitíssimo séria e nem haveria espaço para tal abordagem neste artigo, é a questão da convivência cotidiana com cônjuge, que com a quarentena tem sido responsável por aumento significativo da violência doméstica e separações, incluindo a convivência com filhos adolescentes.

    É um custo altíssimo sob todos os aspectos que se analisa, que pode inclusive levar a consideração de voltar todo mundo para os escritório físico, pois essas 8 horas longe de casa, funciona também como uma válvula de escape.

    O blog deveria consultar especialistas nessa área de família e afins para abordar essa questão.
    Tá osso a convivência para muitos, tá chegando a saturação. Não é o meu caso que moro só e sou vizinho da ex, que mora com nosso casal de filhos de 17 e 25 anos e muitas vezes vejo o bate boca rolar.

  3. A questão, caro Nassif, vai além da tendência do trabalho em casa, acelerada pela pandemia, mas que é uma da inúmeras consequências a informatização e automação de todas as atividades econômicas, chamada de indústria 4.0.

    O importante é que essa automação massiva que ocorre atualmente e que faz a 3a revolução industrial da década de 1970 parecer coisa de criança tem como consequência a redução da empregabilidade. Os bons postos de trabalha vão se reduzir massivamente e não serão criados outros mais a frente, como ocorreu anteriormente: e isso não é uma previsão das esquerdas, mas dos próprios implantadores das mudanças.

    A solução de se trabalhar menos horas/dias mantendo o salário, para compensar a perda de postos de trabalho, não vai vingar em lugar nenhum. Por exemplo, se a Alemanha levar essa ideia adiante, como parecem querer, a China vai automatizar tudo e ainda manter os poucos postos de trabalho em regime de superploração do trabalho, ganhando vantagens no custo e, em conseeuÊncia, dominando mercados.

    A única solução civilizatória, meu caro, embora pareça a mais utópica, será aproveitar a automação e nos emanciparmos do sistema capitalista. Aí sim, cada um poderá dar uma pequena cota diária de serviço e aproveitar o restante como ócio criativo. Manter o capitalismo com automação extrema é criar masas e massas de pessoas supéfluar e precarizadas. É barbárie

  4. Prezados Nassif e camaradas

    Haverá outra mudança: nas unidades residenciais. Será impossível venderem “studios” (nome culto inventado pelo marketing para os kitãos – kitchnete) com 30 m². Em cada casa deverá haver um espaço próprio, caracterizado e definido para o trabalho.
    E o trabalho? Será realizado em 8 horas ou (como vimos na pandemia) o cidadão está “à disposição” da empresa por 12, 11 horas diárias.

    Isto vai piorar as relações de trabalho, e este individualismo feroz e bruto de hoje em dia só servirá para o empregador

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