Aqui no blog sempre leio o que é de minha área de interesse. Às vezes também perco horas lendo textos de comentaristas que considero mais relevantes.
Músicas, ouço todas. Enquanto faço issos e aquilos, vou ouvindo. Quando me ausento de casa, sinto-lhes a falta. Ora, ora, você não tem como ouvir músicas quando sai de casa? Elementar, meu caro companheiro. Mas não serão as selecionadas por vocês, por certo.
E o diálogo? E a interação?
Tenho percebido que o blog vem sendo invadido por uma tsunami de poemas.
Glória aos céus!
Tenho pra mim que sejam os tempos do cólera a que estamos sendo submetidos há meses e meses.
Então, para suportar a vida – “que é bonita e é bonita ” – poetamos e ouvimos melodias bonitas também.
Afinal, ninguém aqui é de ferro.
Dedico esse post a todos que gostam de poesia, viu, anarquista sério, que ontem escreveu assim sobre Fernando Pessoa no blog do Gilberto Cruvinel:
“E existe poeta (consagrado) sadio ?
Só a ”loucura” ou a droga inspira.”
ULYSSES
O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Em Mensagem, Primeira parte; BRAZÃO, II- OS CASTELLOS- PRIMEIRO- ULYSSES., Fernando Pessoa
Para Aristóteles, o mito é o gerador da tragédia, seu elemento central; sem ele, tal gênero não poderia existir. É ratificado como princípio e alma da tragédia, vindo somente depois os caracteres, as personagens.
Aqui apenas os versos e a música são importantes; por isso a escolha da tela negra.
Viajemos nos versos de Cecília Meireles. E só neles.
https://www.youtube.com/watch?v=9yIQgEALCik
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Drummond (pode chegar… sabia que viria mesmo!)
[video:https://www.youtube.com/watch?v=Yu4KObwynSc%5D
CONCLUSÃO
Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração noturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso de nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, fúria, cabala.
Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.
De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
Carlos Drummond de Andrade, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 184
José Régio
[video:https://www.youtube.com/watch?v=jXTr1o3dHcA%5D
SONETO DE AMOR
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua…, — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
José Régio, in “Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, Eugénio de Andrade”
Outro soneto ( de um poeta piauiense)
[video:https://www.youtube.com/watch?v=FnpaMm_2QYc%5D
ESTRANHAS LÁGRIMAS
Lágrimas… Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora,
– Alma, dizia então comigo, chora,
Que o pranto diminui as agonias.
Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
Por mal do meu amor, que se ia embora,
Gota a gota, rolando, elas outrora,
Marcaram noites e marcaram dias!
Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
Ondas de angústia, em suspiroso arranco,
Numa desesperança acerba e louca.
Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
Mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
Sob a forma de risos, pela boca.
*Félix Pacheco, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 123
* (Félix Pacheco –Piauí -1879-1935)
Gregório de Matos: “‘Largo em sentir, em respirar sucinto”
[video:https://www.youtube.com/watch?v=NqAOGduIFbg%5D
Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.
Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.
Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro no peito.
Gregório de Matos, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 62
This comment has been deleted.
This comment has been deleted.
Ferreira Gullar
[video:https://www.youtube.com/watch?v=RSWPROcRn1c%5D
SETE POEMAS PORTUGUESES- 7
Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.
Ferreira Gullar, Grandes Sonetos de Nossa Língua. Ed. Nova Fronteira, p. 210
Ledo Ivo : o tempo
[video:https://www.youtube.com/watch?v=ZeFGMEtYo2k%5D
ACONTECIMENTO DO SONETO
À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros
versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.
Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,
irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
Ledo Ivo, Grandes Sonetos de Nossa Língua. Ed. Nova Fronteira, p. 200
Não sei escrever sonetos
[video:https://www.youtube.com/watch?v=Qw4dd6XsyWU%5D
Não sei escrever sonetos, pobre poeta que sou
eivada de erros, dores linguísticas, tratados de sofrer acumulados.
Não sei fazer sonetos, que não domino esquemas pré-estabelecidos
nas rimas ricas pobres preciosas de mim.
Não sei fazer sonetos porque sou incompleta em mim mesma.
nem escrevo como meus mestres, ainda que os queira imitar
sou mimeses de meus avessos apenas
recorro ao que sinto e entendo como se fossem verdades
E nada são que pequenas abstrações, atropelos de mim mesma
com meus mínimos percursos de estradas feridas, machucadas, sangrentas.
não conheço todas as verdades do mundo, intuo algumas; outras, perco.
Não sei escrever sonetos que de ínfima alma e espírito
sou um pálido ruído de trens pelas manhãs
rios e cahoeiras pelos dias, sofridamente.
Odonir Oliveira
Eu deleto, tu deletas, ele deleta, nós deletamos, vós deletais,
eles deletam.
Eu deleto, tu deletas, ele deleta, nós deletamos, vós deletais
eles deletam.
Alberto de Oliveira
[video:https://www.youtube.com/watch?v=mJ_fkw5j-t0%5D
HORAS MORTAS
Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.
Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;
E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.
Alberto de Oliveira, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 81
Mário de Andrade
[video:https://www.youtube.com/watch?v=8GwW7LJEhG0%5D
QUARENTA ANOS
A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar… Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado… Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!… Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.
Mário de Andrade, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 171
Machado de Assis (com sua própria grafia)
[video:https://www.youtube.com/watch?v=Ieq5pTOEbE%5D
O documento em destaque de hoje é o poema “Círculo Vicioso”, escrito à mão, pelo escritor Machado de Assis. “Círculo Vicioso”, segundo inúmeros críticos, foi escrito entre 1879—1880.
Imagem: Poema “Círculo Vicioso”, de Machado de Assis. Acervo APESP. Coleção DAESP.
Transcrição:
CÍRCULO VICIOSO
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vagalume?”…
Oh, como versejar pode ser uma tarefa inglória, meus poetas!