As políticas de desenvolvimento regional em pauta no Brasil Milênio

Jornal GGN – No sexto episódio da série Milênio – o Brasil pós-Bolsonaro, o jornalista Luis Nassif conversa com Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), abordando as políticas de desenvolvimento regional.

Um dos pontos-base para o debate foi o livro “Utopias para Reconstruir o Brasil”, organizado por ele, pelo professor João Sicsú (UFRJ) e Renan Aguiar, da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e da Fundação Oswaldo Cruz. “A ideia foi justamente chamar várias pessoas de várias áreas (direito, economia, ciências sociais, saúde) para discutir o que vai ser o Brasil após a pandemia e esse desastre todo”, explica.

Bercovici explica que o mote de organização do livro foi o Plano Beveridge, estruturado na Inglaterra na década de 40 em meio à Segunda Guerra Mundial. “Eles não pararam de pensar no futuro, em pensar como a Inglaterra seria depois da guerra. E o plano Beveridge é isso: é como construir um Estado de Bem Estar Social, que planejasse e organizasse os serviços públicos para atender toda a população no pós-guerra”, explica, ressaltando que o objetivo da obra era que “cada um pensando um pouquinho na sua área, no tema de sua predileção, o que pode ser o Brasil assim que passar essa guerra contra a doença, contra a ignorância e contra a má gestão”.

Um dos pontos abordados na obra é um projeto concentrado no desenvolvimento, na redução de desigualdades sociais, regionais e entre as empresas. Como exemplo de desenvolvimento regional, Bercovici cita a política estruturada pelo economista Celso Furtado, que originou a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) em 1959 – o que, na visão do professor, “foi a única saída inovadora para o nosso federalismo em mais de 100 anos de República” – e, a partir daí, como seria possível retomar uma política nacional de desenvolvimento regional.

Bercovici desenvolveu um artigo onde explica toda a batalha em torno da criação da Sudene no Congresso Nacional, a resistência enfrentada por ela inclusive no próprio Nordeste e, depois, como a superintendência ajudou a reorganizar o federalismo. Para o professor, “essa talvez seja a maior contribuição da Sudene, que é a de criar um órgão de deliberação regional”.

Estruturação e desmonte de políticas regionais

Gilberto Bercovici traça um panorama sobre a Sudene desde a época de Furtado. “Ele era estruturado com representantes do governo federal, de alguns ministérios, e com os governadores dos estados que faziam parte da área de atuação da Sudene – que era, o que chamamos hoje, os nove estados do Nordeste mais Minas Gerais, pois o norte de Minas Gerais se inclui na área da Sudene” – , lembrando que Celso Furtado ampliou o conceito existente de Nordeste para incluir Bahia, Maranhão e Sergipe, dentro de uma lógica de atuação coordenada.

O Conselho Deliberativo da Sudene era responsável pelo debate dos planos elaborados pela área técnica e, depois que os planos eram debatidos e se chegava em um consenso regional, eles eram submetidos para ir ao Congresso Nacional para serem transformados em lei. “O Furtado conseguiu aprovar dois planos de desenvolvimento regional para o Nordeste até o golpe militar de 64, em que todo esse modelo cai por terra”.

Atualmente, a região Nordeste tenta uma articulação própria por meio do Consórcio do Nordeste, o que Bercovici considera positivo por tentar recuperar uma política de atuação conjunta de desenvolvimento regional, mas que também é uma prova da inexistência de uma política nacional, uma vez que a União não demonstra o menor interesse em participar desse tipo de iniciativa.

“Inclusive, existe um dado que pouca gente sabe: o Lula, em seu governo, aprovou por decreto uma série de princípios da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, e esse decreto foi um dos primeiros que o (presidente Jair) Bolsonaro alterou”, afirma Gilberto Bercovici. “Era um decreto que previa uma série de políticas sociais, atuação do Estado, de articulação. E isso tudo foi mudado e deixado para o mercado, para o setor privado, e toda a lógica Paulo Guedes de ser. Moral da história: não tem política nacional nenhuma de desenvolvimento regional”.

Sobre o futuro, Bercovici diz que, para se enfrentar os novos tempos em termos de política de desenvolvimento regional, a Constituição Brasileira apresenta uma possibilidade por meio do Artigo 43, apresentado por Tânia Bacelar de Araújo, então secretária Nacional de Políticas Regionais do Ministério da Integração Nacional, que aborda a região administrativa ao dar para a região administrativa criada por lei complementar a possibilidade de articular todos os órgãos federais na região que ela atue.

“Na época (…) se queria que fosse por medida provisória, e ela queria que fosse por lei complementar, pelo Artigo 43. No Senado seguraram (…) Teve uma série de dificuldades políticas mas que foram resolvidas, justamente por conta dessa competência constitucional de articulação. O que faltou? Na verdade, faltou um órgão efetivo de planejamento – a Sudene não tem mais equipe estruturada (…) Você tem que ter uma equipe estruturada, que efetive o planejamento, um Conselho Deliberativo que volte a funcionar como um órgão de debate federativo e não simplesmente como chancelador de qualquer coisa (…)”, pontua o professor.

Estes e outros temas foram discutidos por Luis Nassif e Gilberto Bercovici na íntegra da entrevista, que pode ser vista abaixo:

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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