As Vitórias Não Reconhecidas da Esquerda Americana.

 

THE NEW YORK TIMES

Poderíamos também chamar de: A esquerda americana está morta. Diante da maior crise do capitalismo em quase um século, a esquerda não tem montado nenhum protesto de massa efetiva, não inspirou nenhum levante significativo, não gerou grandes instituições ou revoluções políticas. Em Wisconsin, os sindicatos perderam a sua maior batalha pública desde o confronto de Ronald Reagan com os controladores de tráfego aéreo. Nas eleições intercaladas (2 anos após a eleição de Presidente), o Tea Party, não a esquerda, foi quem tirou vantagem do descontentamento econômico para derrubar  o status quo. Hoje, o sonho do socialismo existe principalmente como um fantasma da extrema-direita, para ser evocado quando os democratas se atrevem a insinuar que Medicare ou a Segurança Social poderia servir como um benefício público.

O historiador Michael Kazin reconhece que os americanos tenham atingido o que pode ser “um nadir da esquerda histórica”. Mas ele conclama aos simpatizantes que não se desesperem. De acordo com Kazin, a esquerda norte-americana nunca foi muito boa em construir instituições, ou eleger representantes ou ver seus programas econômicos aplicados. Mas tem sido muito eficaz na mudança da bússola moral da nação e ampliando seu senso de possibilidade política. O verdadeiro problema da esquerda de hoje, Kazin escreve, é que seus membros têm se esquecido de como pensar grande – como olhar além do presente pobre de inspiração para um futuro mais brilhante e igualitário. Defender Medicare e a Segurança Social pode ser benéfico, mas o que mais aconteceu com a famosa utopia?

O livro “American Dreamers” é a proposta de Kazin para recuperar o espírito utópico da esquerda em uma época de diminutas expectativas. Editor da revista Dissent e um dos porta-vozes mais eloqüentes da esquerda, Kazin apresenta seu livro como uma tentativa sem apologia para dar à esquerda uma história que possa comemorar. Por mais de dois séculos, ele descreve, os radicais americanos tem soado o alarme sobre as injustiças cruciais- escravidão, exploração industrial, a opressão às mulheres – que o resto da sociedade se recusou a ver. É tempo de a esquerda se levantar e levar o crédito por esses esforços.

Quem é – ou era – “a esquerda”? Hoje, muitos norte-americanos usam a palavra como sinônimo de “liberal”. Como aponta Kazin, isso teria sido um anátema para as gerações anteriores, quando os esquerdistas e liberais, frequentemente viam uns aos outros como inimigos ideológicos. Durante a maior parte do século 20, o liberalismo significou manipular, encontrar uma maneira amável e gentil para preservar o status quo. Os esquerdistas, ao contrário, colocavam sua fé na mudança estrutural. A esquerda, para Kazin, inclui todos aqueles que lutaram por uma “transformação radical e igualitária da sociedade”, dos abolicionistas aos comunistas e os do moderno movimento feminista aos direitos dos homossexuais.

De longe, o mais importante dos primeiros movimentos foi a abolição, e os abolicionistas estão presentes por todo o livro como esquerdistas arquetípicos de Kazin, profetas e sonhadores que viram uma injustiça e lutaram para corrigi-la, apesar da cegueira e hostilidade da sociedade em geral. Os melhores entre eles praticavam o que pregavam, formando cooperativas inter-raciais e praticando casamentos com cruzamento de todas as linhas de cores. Eles também sofreram por seus ideais, resistiram à violência, ao ostracismo social e, em alguns casos, a morte. No final, eles foram reconhecidos pela história pelos ideais que defenderam, e finalmente foram inscritos como a sabedoria convencional da nação.

As coisas não saíram tão bem para outros movimentos radicais (se alguém pode descrever uma sangrenta guerra civil, seguido de um século de luta racial, como ” coisas que se saíram bem”). Em muitos casos, os esquerdistas sonharam ‘grande’, sofreram por suas causas e morreram completamente esquecidos. O líder do Partido Socialista, Eugene Debs, que foi preso por sua oposição à Primeira Guerra Mundial, ganhou sua liberdade em 1921 e foi posto de lado pelo movimento que ele mesmo havia criado. Stokely Carmichael (aka Kwame Ture), o criador do termo  black power, morreu na obscuridade na Guiné, ainda tentando forjar um movimento Pan-Africano. Os retratos  de Kazin são muitas vezes inspiradores, e também destacam porque o caminho revolucionário tem sido reservado para poucos dedicados. Sonhar grande é geralmente uma pratica solitária, especialmente quando as correntes da história parecem estar fluindo na direção oposta.

Kazin é franco sobre as falhas e os males de certos movimentos de esquerda – mais notavelmente, o Partido Comunista da metade do século. Seus pecados têm sido bem documentados, desde lealdade a Stalin até espionagem. Ainda assim, Kazin encontra muito para admirar nos comprometimentos dos antigos comunistas com os direitos civis, assim como seu difícil trabalho a favor do trabalhador norte-americano. Os comunistas sempre estavam prontos para bater nas portas, quando todo mundo queria sentar e ouvir rádio.

Kazin oferece uma similar, ou mais benigna, análise da Nova Esquerda, o movimento no qual ele atingiu sua maioridade. Jovens radicais cometeram muitos erros na década de 1960 (pelo menos não na tentativa de construir um movimento em torno de algo tão passageiro como a “juventude”). Mas as suas realizações, ele escreve, têm resistido ao teste do tempo. Em menos de duas décadas, os radicais ajudaram a cumprir a promessa dos direitos civis, o fim da guerra no Vietnã e criaram um novo mundo de possibilidades para as mulheres e os homossexuais.

 “American Dreamers” não é um livro prescritivo, oferecendo instruções com base no passado. As lições, no entanto, têm um jeito de se arrastar dentro do seu texto. A esquerda, no geral, falhou, de acordo com  Kazin, quando enfatizou o ateísmo, o coletivismo e a pureza ideológica. Obteve mais sucesso quando tomou a forma de movimentos amplos e heterogêneos que lutavam pelos direitos individuais. Testemunhou o surgimento do casamento gay, sem dúvida, hoje a mais eficaz campanha com apoio da esquerda social. Visto como um sonho utópico, promete transformar a instituição do casamento. Mas visto como uma questão de direitos civis, simplesmente inclui mais pessoas em uma instituição já existente.

Na equação final, argumenta Kazin, a esquerda não foi bem sucedido na política, mas foi na cultura. Na década de 1930, os artistas da Frente Popular produziram uma série de clássicos modernos, incluindo “This Land Is Your Land” de Woody Guthrie e “As Vinhas da Ira” de John Steinbeck, trabalho que definiu a Grande Depressão para milhões de americanos. Durante a década de 1960, a música mudou a consciência de toda uma geração. (Mesmo agora, ao que parece, a esquerda tende a atrair mais as melhores estrelas do rock, os escritores e atores do que o Tea Party.) E essas poderosas vozes culturais, Kazin sugere, continuam a mudar a maneira como os americanos pensam sobre o mundo.

Esta é uma mensagem de esperança. Como sempre, ninguém pode ajudar questionando se é realmente possível, nos dias de hoje, recuperar as visões utópicas dos radicais do passado. A esquerda perdeu seu fogo não simplesmente porque “nada tão grande ou importante” como a escravidão ou o Vietnã tem acontecido para avivar as chamas. A esquerda está em crise porque sua visão animada – de um mundo transformado através do socialismo – quase entrou em colapso. Kazin está certo de notar que nem todos os esquerdistas são identificados como socialistas ou comunistas, e nem todos têm considerado a economia o local central do debate. Mas o socialismo sempre foi a grande idéia que explicou como questões da desigualdade racial, a opressão de gênero e os salários das fábricas, todas se amoldam juntas.

O que irá substituí-lo – se de fato, precisar de substituição? Kazin, não tem certeza. Mas ele argumenta que ninguém vai responder a essa pergunta de forma eficaz até que o sonho dos esquerdistas seja grande, mais uma vez.

Beverly Gage é professor de história na Universidade de Yale.
Uma versão desta revisão apareceu no jornal impreso em 18 de setembro de 2011, na página BR24 do Book Review de domingo, com a manchete: Maiores Expectativas.
 

Veja o texto original no link: http://www.nytimes.com/2011/09/18/books/review/american-dreamers-by-michael-kazin-book-review.html?_r=2&pagewanted=2&src=rechp 

O livro:

AMERICAN DREAMERS

How the Left Changed a Nation

By Michael Kazin

Illustrated. 329 pp. Alfred A. Knopf. $27.95.

 

Redação

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