Assassin’s Creed

Baseado num jogo virtual, https://pt.wikipedia.org/wiki/Assassin’s_Creed, este filme é um excelente sonífero. Realidade e ficção, passado e presente, cenários virtuais e reais, história e genética tudo se mistura numa trama dentro de outra trama dentro de outra trama.

A narrativa em abismo é um recurso literário interessante, mas quando transposta para o cinema raramente deixa de produzir um certo mal estar. Afinal, fomos acostumados às narrativas cinematográficas lineares. E ficamos frustrados com histórias parciais entrecortadas que não se encaixam muito bem.

O filme parece não ter encantado muito os fãs do jogo Assassin’s Creed http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/assassins-creed-erra-salto-de-game-para-cinema-e-pode-matar-franquia-g1-ja-viu.ghtml. Não sou fã do jogo, portanto, não estou interessado em saber se ele foi ou não satisfatoriamente transformado em filme.

De tudo que vi e ouvi durante a projeção do filme, a única coisa que me chamou atenção foi a valorização da barbárie. No universo de Assassin’s Creed não há qualquer espaço para uma oposição entre a não violência e o uso da força bruta. Quer o espectador se identifique com os “templários” ou com os “assassinos”, ele será levado a acreditar que a virtude reside no uso da violência.

Entre as duas ideologias em conflito (liberdade de escolha x supressão do conflito pela dominação absoluta) não há qualquer espaço para o pacifismo ativo. Compromissos políticos e acordos mediados pela racionalidade não são possíveis. A guerra é um estado natural e permanente. Ela está inscrita nos genes dos personagens. Porque não estaria inscrita nos genes dos cinéfilos?

A esta altura o leitor deve estar se perguntando porque discutir com seriedade um filme que supostamente pretende apenas entreter e produzir lucro para seus realizadores. A resposta é óbvia. Desde chegaram ao poder na Alemanha, os nazistas fizeram campanhas publicitárias massivas e contínuas para transformar a não violência em defeito moral/racial e agressividade no único fundamento da civilização.

O resultado ideológico e prático do nazismo é bem conhecido. Mas isto não quer dizer que estamos todos vacinados contra o predomínio da barbárie. A reação da população brasileira às chacinas nos presídios (oscilando majoritariamente entre indiferença e apoio) justifica minha preocupação. Além disto:

“Outra lição da história é que é sempre mais fácil promover a guerra que a paz, e mais fácil pôr fim à paz do que à guerra, porque a paz é frágil e a guerra é durável. Uma vez que os primeiros tiros tenham sido disparados, aqueles que se opõe à guerra são simplesmente rotulados de traidores. Todo o debate termina quando os primeiros tiros são disparados, portanto disparar tiros é sempre um modo eficaz de pôr fim ao debate.” (Não Violência, Mark Kurlansky, editora Objetiva, Rio de Janeiro,  2013, p. 91)

Ao valorizar a violência num universo em que não há qualquer espaço para uma paz negociada entre os personagens, o filme Assassin’s Creed pode ser extremamente tóxico. Especialmente no Brasil atual, pois a imprensa brasileira já está nos fazendo viver num mundo em que matar e morrer se tornou um imperativo categórico da atividade policial/carcerária. Apesar das simplificações jornalísticas e cinematográficas, não existe uma guerra permanente entre bem e mal como se a própria guerra não fosse em si mesmo um mal.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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