Banco Central, democracia e independência, por Kerche e Feres

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Fábio Kerche e João Feres Júnior

Um dos pontos mais controversos do programa de governo da candidata Marina é a proposta de independência do Banco Central. A ideia, embora não detalhada, é que a autonomia assegurada pelos governos petistas não seria suficiente para proteger os diretores da instituição contra ingerências políticas dos governantes. A solução seria uma independência institucionalizada, garantindo mandatos aos diretores e ao presidente do BC.

A campanha da presidente Dilma faz duras críticas à ideia. O argumento é que um Banco Central independente retiraria questões importantes como a taxa de juros da influência dos atores eleitos, transferindo esse poder para “técnicos” pouco accountable e que isso interessaria aos banqueiros e aos especuladores.

Para completar esse debate, alguns articulistas escreveram que a candidatura do PT não poderia criticar a proposta de Marina porque o presidente Lula teve como presidente do Banco Central um ex-banqueiro, Henrique Meirelles e que, de alguma forma, PT e Marina não seriam tão diferentes assim.

Os jornalistas estão errados. O fato de um banqueiro ter assumido a presidência do BC no governo Lula não é a mesma coisa do que um banqueiro (ou mesmo um cidadão qualquer) assumi-la em um hipotético governo Marina. A diferença entre autonomia e independência no mundo da política não é apenas uma questão semântica, mas de concepções diversas da democracia e do papel do Estado. Senão, vejamos.

Em Estados complexos, é comum observar agências com um alto grau de autonomia frente aos políticos eleitos. Tal delegação de tarefas e de responsabilidades, geralmente, é uma tentativa de proteger esses atores de interesses políticos momentâneos e de grupos de interesse, ou de garantir mais agilidade nas decisões. Mas delegação não é o mesmo que abdicação. Ou seja, os políticos eleitos delegam poderes, mas não necessariamente abrem mão de todas as formas de controle sobre esses agentes. O fato de não haver uma interferência cotidiana por parte dos políticos em uma agência autônoma, não significa, necessariamente, que ela seja independente. A não interferência pode ser justamente porque os atores não-eleitos estão observando as orientações dos políticos. Nesse caso, por que interferir?

A possibilidade de demissão é um dos mais importantes instrumentos de controle por parte dos políticos em relação às agências com alto grau de autonomia. O temor de perder o cargo é um forte incentivo para que o dirigente de uma instituição autônoma observe os desejos daquele que o indicou e que pode demiti-lo. O fato de um ator possuir mandato marca bem a diferença entre autonomia e independência.

Voltemos ao caso Meirelles. O presidente Lula indicou o ex-banqueiro para presidente do Banco Central e poderia demiti-lo quando o assim o desejasse. O fato de não tê-lo feito, significa que as decisões foram tomadas em sintonia com os desejos do ex-presidente da República. Lula não precisava interferir cotidianamente nas decisões do BC, garantindo autonomia, mas em caso de profundo descontentamento, poderia fazê-lo. O presidente da república é accountable pelas decisões do Banco Central, porque, em última instância, foi sua responsabilidade manter a diretoria da instituição.

Em um modelo como o proposto por Marina, não é racional que o presidente do BC se preocupe com o presidente da República, Congresso e, no limite, com os eleitores. Assim, a sociedade brasileira estaria sujeita às políticas do presidente do banco central até o final do seu mandato, e isso a despeito da economia estar sendo bem ou mal conduzida. O político eleito, quando desagrada seus eleitores, perde a próxima eleição. Já o presidente do Banco Central, nesse caso, não teria que prestar satisfações a ninguém.

Há uma razão muito importante para manter o controle do presidente eleito sobre o presidente do Banco Central, não eleito. O mercado financeiro, os grandes bancos privados, as grandes empresas e o poder econômico em geral têm grande interesse nas políticas do Banco Central.

Esse interesse não raro difere daquele da maioria da população. A finalidade máxima de um agente de mercado é maximizar seu lucro, e isso é natural, já a do Banco Central é gerir a economia de maneira benéfica para a população brasileira. Não bastasse isso, o poder econômico tem muitos caminhos para fazer representar seus interesses frente aos Estado e a seus agentes: lobbies, pressão sobre políticos e funcionários públicos, entidades de classe e negociações diretas com o Estado. O cidadão comum, contudo, tem menos instrumentos,  e é por isso que os políticos eleitos são tão importantes para representar seus interesses. Retirar dos cidadãos esse canal de controle sobre uma agência pública crucial para o funcionamento do país é um duro golpe contra a democracia.

O programa de Marina é recheado de palavras de ordem em prol da melhoria da qualidade da representação e da accountability. Medidas concretas como a independência do Branco Central, contudo, vão em sentido diametralmente contrário.

Fábio Kerche é mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
João Feres Junior é cientista político e coordenador do Manchetômetro
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. Prezados Fabio e

    Prezados Fabio e João

    Aproveitando a bela explicação do post, seria muito bem vindo expor como funciona os BC´s dos países membros da Otan e BRIC´S?

    Abração

     

     

  2. Não dá para acreditar na

    Não dá para acreditar na proposta de INDEPENDÊNCIA do Banco Central quando a mesma é feita por uma candidata totalmente DEPENDENTE do Banco Itaú. O que Marina Silva quer é dar ao Itaú o controle do órgão regulador do mercado bancário e financeiro? Sorry baby. Ela não fará isto com meu voto. 

  3. Caro Nassif e demais
     
    É mais

    Caro Nassif e demais

     

    É mais ou menos assim: é a Casa Grande, buscando meios de mandar no BC, enquanto o Brasil tiver governo trabalhistas. Nada disso seria debatido, se o governo central fosse do PSDB.

    É tudo sacanagem.

    Saudações

     

  4. AS POLÍTICAS ECONÔMICAS E A DEMOCRACIA

    A total independência do Banco Central implica na retirada das prerrogativas políticas dos governos quanto à definição das opções macroeconômicas adequadas aos objetivos das políticas públicas. Isto significa tolher o poder do governo de dirigir a condução da economia de acordo com as prioridades definidas em compromissos políticos. Por esta razão, tal independência coloca as decisões da autoridade monetária numa redoma acessível somente ao poder econômico, e, portanto, fora da esfera de influência dos mecanismos democráticos de representação popular.

  5. Eis aqui a imagem que melhor

    Eis aqui a imagem que melhor define a proposta de Banco Central independente de Marina Silva e Aécio Neves. No fundo os candidatos do PSB e do PSDB querem que o Brasil crie e acione uma armadilha poderosa que em pouco tempo se fechará na perna do nossoLeviatã (o Estado brasileiro) obrigando o país a reduzir aposentadorias/pensões e a provocar deliberadamente uma recessão dolorosa que jogará dezenas de milhões de brasileiros na rua da amargura (exatamente como ocorreu na Europa). 
    Não armarei esta armadilha. E você?

     

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=863425697014593&set=a.345737828783385.85599.100000415136357&type=1&theater

  6. A “independência” do Banco Central


    Porque o Banco Central tem que ser independente do Poder Político ? É absolutamente SEM SENTIDO que a autoridade monetária fique sem o controle das autoridades eleitas pelo povo. Cria-se uma contradição: o Presidente com a maioria do Congresso decidem por uma certa política monetária e o Banco Central pode decidir por outra e, esta, pode até entrar em conflito com a política do Governo, o que aumenta a instabilidade governamental. Se a oposição, liderada por Marina, é favorável a independência do Banco Central, então porque não propões que o POVO ELEJA a diretoria do Banco Central ?  Aliás, porque a oposição não propõe uma emenda à Constituição nesse sentido e também para que os membros do Judiciário sejam eleitos em eleição popular, excetuando-se os membros do STF, como nos EUA ?

  7. Concordo com o texto de vocês mas há mais a falar

     

    Fábio Kerche e João Feres Júnior,

    Não discordo do seu texto, mas há dois aspectos da discussão sobre a independência do Banco Central do Brasil que vocês não abordaram. A primeira diz respeito a presença de Henrique Meirelles no Banco Central do Brasil durante o governo de Lula. E a segunda diz respeito a valoração da inflação.

    O que vocês não disseram a respeito de Henrique Meirelles tem mais a ver com um pouco de teoria conspiratória que eu gosto de desenvolver. Quando o Henrique Meirelles foi presidente do Banco Central eu dizia que Henrique Meirelles era presidente do Banco Central para inglês ver. É claro que o que eu dizia não era muito aceito aqui no Blog de Luis Nassif porque Luis Nassif vivia às turras com o Henrique Meirelles. Aliás não só Luis Nassif, mas também o Andre Araujo que embora com relevantes serviços prestados ao PT, que o diga o Wikileaks, era muito preconceituoso em relação a Lula e considerava que Henrique Meirelles fora indicado por Lula porque Lula era incompetente e não sabia que o presidente do Banco Central em um país que adota o Regime de Metas de Inflação tem um perfil de formação acadêmica e não de executivo como o Henrique Meirelles.

    Aproveitando que o Andre Araujo tem ascendência americana e é grande admirador dos ingleses e utilizando da piada sobre o Argentino que seria filho de um gaúcho com uma índia que fala espanhol, tem sobrenome italiano e pensa que é inglês e dada a ascendência platina do Luis Nassif eu considerava que a crítica dos dois decorria da ascendência inglesa deles levarem eles também a ver o Henrique Meirelles como presidente do Banco Central do Brasil.

    A percepção do Henrique Meirelles como o todo poderoso no Banco Central, no entanto, não tinha uma boa comprovação fática. Assim quando o governo iniciou a queda do juro no segundo semestre de 2003, ele o fez em um ritmo maior do que o recomendado porque precisava que a economia crescesse a passos mais largos quando da campanha para prefeito em 2004 de modo a dar força às candidaturas do PT e dos aliados do governo. Um Banco Central mais autônomo não podia agir de modo diferente.

    Depois o governo elevou o juro e deixou em patamar alto porque o embalo do crescimento em 2004 foi elevado e o governo iria precisar que a inflação em 2006, quando da eleição presidencial, não estivesse alta. Assim, a política do Banco Central era exatamente aquela que o governo desejava.

    Sobre a opinião de Andre Araujo a respeito do Henrique Meirelles, há um post de autoria dele intitulado “O modelo de metas de inflação” de quinta-feira, 03/08/2008, no antigo blog de Luis Nassif Projetobr. Ali ele começa a dar as linhas do que seriam as regras norteadoras que um Banco Central deveria seguir para usar o Regime de Metas de inflação.

    Os posts no blog antigo de Luis Nassif, Projetobr, acabaram principalmente aqueles que ficavam na aba de economia e nenhum deles trazem mais os comentários, mas eu transcrevi o post “O modelo de metas de inflação” em comentário que enviei segunda-feira, 01/10/2012 às 14:20, para o post “A mudança nas metas inflacionárias” de segunda-feira, 01/10/2012 às 08:00, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele trazendo a Coluna Econômica dele naquele dia. O endereço do post “A mudança nas metas inflacionárias” é:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-mudanca-nas-metas-inflacionarias

    A observar que o post “O modelo de metas de inflação” foi também reproduzido no blog GEOBLOG no seguinte endereço:

    http://sind-geoblog.blogspot.com.br/2008/08/o-modelo-de-metas-de-inflao.html

    Bem, quanto à questão da valoração da inflação o que eu quero dizer é que é preciso deixar claro se se é a favor de se ter uma inflação mais alta ou se é a favor de uma inflação mais baixa. Um pouco sobre isso eu expus em comentário que enviei domingo, 14/09/2014 às 19:13, para junto do comentário de Alexandre Weber – Santos – SP enviado sexta-feira, 12/09/2014 às 12:41, lá no post “A ação do Banco Central contra Schwartsman” de quarta-feira, 10/09/2014 às 10:33, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele. O endereço do post “A ação do Banco Central contra Schwartsman” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/a-acao-do-banco-central-contra-schwartsman

    Em meu comentário eu falei um pouco mais sobre a necessária interação entre governo e banco Central que torna um pouco inócua a discussão sobre independência ou autonomia do Banco Central. E não fiz muita referência a defesa que eu faço de uma inflação mais alta. Deixei esta defesa apenas implícita e ao mesmo tempo indiquei o post “Brasil 2015: a ciência demência das metas inflacionárias” de sexta-feira, 25/07/2014 às 09:29, também aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele. O endereço do post “Brasil 2015: a ciência demência das metas inflacionárias” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/brasil-2015-a-ciencia-demencia-das-metas-inflacionarias

    O importante lá no meu comentário, que é comentário de leigo em economia, é que eu busquei aporte de bons economistas, como o Paul Krugman que defende uma inflação um pouco maior do que a proposta por Laurence Ball no artigo “A case for four percent inflation”. O artigo de Laurence Ball pode ser visto no seguinte endereço:

    http://www.tcmb.gov.tr/research/cbreview/may13-2.pdf

    E o texto de Paul Krugman é “Inflation Targenting Reconsidered” e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://www.ecbforum.eu/up/artigos-bin_paper_pdf_0134658001400681089-957.pdf

    Só que a minha defesa da inflação é sob o aspecto econômico, politicamente penso que um governo só tem a ganhar se ele mantem uma inflação em torno de 4%. Esse valor é o ideal para ganhar a eleição. Penso que no Brasil uma inflação nesta faixa nos três meses anteriores a eleição é suficiente para se ganhar a eleição. E é mais ou menos isso que a presidenta Dilma Rousseff está fazendo.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 16/09/2014

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