Bebendo cerveja preta com Aracy de Almeida

 

A genial Aracy de Almeida voltou às bocas com o livro de Eduardo Logullo, contando suas melhores histórias. Quase todas vividas diante de uma cervejinha preta. Ou de muitas outras bebidas…

Por Cristina Ramalho

do blog Dringue

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“Vai levar 10 mangos pela cara de pau”

Os que já passaram dos 40 lembram dela como a jurada implacável do Programa de Calouros do Silvio Santos, roupas absurdas, óculos gigantes de mãe complexa. Sujeito que desafinasse ela não perdoava. E tinha cacife para isso: a cantora Aracy nunca desafinou nos inúmeros sambas que gravou, um repertório repleto de Noel Rosa, claro, e de tantos outros grandes: Ary Barroso, Custódio Mesquita, Ismael Silva, Ciro de Souza. Paulinho da Viola diz que ela era a melhor cantora do Brasil.

 

Quando o calouro não escorregava nas notas, e sim na imagem, a jurada também não perdoava, mesmo que desse boa nota: “Esse rapaz, um rapaz bonito! Canta bem. Meu filho, eu vou te pedir um favor: troca de calças, tá bom? Tão largas demais. Tá tudo badalando”. Diante de uma candidata que não acertava uma e era dona de uma bunda descomunal, soltou essa: “Tu não canta nada, minha filha. Mas vai levar 500 pratas pelo calibre da jaca”.

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Propaganda de 1940 da cerveja Cascatinha, a preferida de Noel Rosa, parceiro de Aracy em muitas esbórnias pelas tabernas do Rio

Ela própria tinha outro trunfo além da voz afinadíssima: os peitos mais bonitos do Rio, eleitos nos dourados anos 1950, segundo relatos verídicos. Mas Aracy nem precisava levantar a blusa para embasbacar qualquer pessoa: bastava falar com aquela voz anasalada, as gírias inacreditáveis (“O mingau anda grosso”; “Eu tô nas bocas”), as tiradas certeiras, uma Dorothy Parker tropical. Enquanto Dorothy soltava o wit lá na mesa redonda do hotel Algonquin, cercada pela fina flor dos escritores, nossa Aracy fazia o mesmo, com mais verve ainda e em companhias desse naipe para cima: Noel, Ary, Mario de Andrade, Antônio Maria, Sergio Porto, Ataulfo Alves. Papo regado a cervejas pretas. De preferência na mesa da Taberna da Glória, que tinha um contrafilé com fritas sensacional. Ela e Noel também amavam a cerveja Cascatinha, um clássico dos anos 1930. Logo se entenderam: ele amou sua voz e compôs sambas divinos para ela; ela sacou de cara a personalidade do amigo: “Ele não era um monstro, mas o queixo dele era meio fajuto, sabe?, então era tímido”.

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Aracy jovenzinha, ensaiando os sambas de Noel

Era uma vida animada. Para Wilson Batista, ela contou a história de Amélia, uma mulher que existiu de fato, Ataulfo Alves ouviu, e nasceu assim “Amélia é que era mulher de verdade”, de Mario Lago e Ataulfo; um dia Kid Pepe encostou uma faca enorme na barriga de Aracy para ela gravar sua música “O que tem Iaiá”. “Eu gravei, compadre, com a faca na barriga e tudo”. Na boate Vogue, Aracy saiu no tapa com a amiga Linda Batista (“A gente entornava um pouco. E aquilo de bêbado não tem dono, sabe?”). Carmen Miranda, assim que chegava ao Rio, telefonava para Aracy para aprender gírias novas. Várias dessas histórias estão compiladas no delicioso livro Aracy de Almeida Não Tem Tradução, de Eduardo Logullo. Outras tantas, bem, basta citar o nome dela que alguém lembra de alguma ainda não contada.

Hoje “a madrugada não tá dando pedal”, e Aracy não está mais nas bocas. Morreu em 1988, aos 73 anos. Já mais velha, quando deixou de tomar a “bomba” (cachaça com limão), esqueceu o passado e deixou a sábia lição que registramos aqui para os amantes do Dringue: “Eu tinha uma coisa: eu bebia, mas o fino. Só tomava uísque escocês, vinho estrangeiro, aquelas coisas… e champanhe. Foi no tempo do Ibrahim Sued, que inventou aquele negócio de champanhota. Fui muito grã-fina”.

CINCO PRETAS DE RESPEITO

CupulateAracy de Almeida não teria o que reclamar do atual cenário cervejístico brasileiro. Em se tratando de cervejas escuras, sua paixão, estamos bem. Falamos das pretas de verdade, em que a cor é obtida por meio da torrefação do malte. Daí vêm os aromas de toffee, café, chocolate que podemos esperar das escuras – e não de caramelos artificiais que enegrecem falsamente cervejas originalmente claras, e que certamente seriam gongadas pela jurada.

Entre as novidades brazucas, impressiona a Cupulate Porter, feita em colaboração pela Bodebrown, a Amazon Beer e a De Bora Bier. É uma Porter inglesa que seguiria o estilo à risca não fosse a presença do cupulate, chocolate de cupuaçu do Pará, o que a enriquece em cremosidade e sabor. (Garrafa de 355 ml por R$ 17,90 na Beer.Place)

luisiana-folhas de olivaNa linha “sabores exóticos”, outra que chegou recentemente ao mercado é a Luisiana Dry Stout, da linha Mediterrânea, produzida no interior de São Paulo pela empresa Folhas de Oliva. Sim, as folhas de oliveira entram na receita e garantem um amargor leve e inesperado, numa cerveja potente que ainda traz notas de pão tostado, açúcar mascavo e baunilha. (Garrafa de 300 ml por R$ 21,20 naFolhas de Oliva)

Para quem prefere manter-se fiel aos clássicos, aNostradamus, produzida pela Dortmund em Serra Negra (SP), é uma Stout de respeito, com notas de caramelo, toffee e café. Boa para harmonizar com pratos da pesada como linguiça, lombo de porco ou feijoada. (Garrafa de 600 ml por R$ 16,99 na Beer Planet)

cerveja-orfeu-editNa mesma linha porreta, só que no estilo alemão Dunkel, aPaulistânia Escura é frutada, tem as notas tostadas que lembram café e caramelo. Vai bem com queijos defumados, embutidos, assados e outras gordices. (Garrafa de 600 ml por R$ 12,99 no Empório Veredas)

A Russian Imperial Stout Orfeu Negro, da Cervejaria Dogma, tem nome inspirado na obra de Tom Jobim e Vinicius de Moraes (outro colega de esbórnias de Aracy), mas não lembra em nada a suavidade da música da dupla. É forte, densa, licorosa, com teor alcoólico de 12% perceptível no paladar e notas pronunciadas de café, chocolate e especiarias. Quase alucinógena. (Garrafa de 310 ml por R$ 32,99 na Cerveja Store)

  • Preços e disponibilidade pesquisados em 24/09/2015

O samba em pessoa

Aracy de Almeida Ao Vivo e a Vontade

https://www.youtube.com/watch?v=7ZEFDNcuOJ4

Gravado ao vivo na Lira Paulistana em 1980, produção de Tico Terpins e Zé Rodrix.

Discos Continental, 1988. Neste show ela canta só músicas de Noel Rosa, sem ensaios e muito improviso.

Faixas:

01 – Feitio de oração
02 – Três apitos
03 – Com que roupa
04 – O orvalho vem caindo
05 – Entrevista
06 – As pastorinhas
07 – Ultimo desejo
08 – Palpite infeliz
09 – Pela décima vez
10 – Não tem tradução
11 – Conversa de botequim
12 – Até amanhã

*

Créditos das Imagens: Aracy de Almeida e Propaganda da Cerveja Cascatinha (Reprodução), Rótulos de Cervejas Escuras (Divulgação)

Redação

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