Bem vindo ao Facebookistão!

Por: Eliana Rezende

Numa galáxia distante, em meio à poeira cósmica de eras e eras analógicas, surge um novo planeta. É azul quase que em sua totalidade, e conta, a partir de seu surgimento meteórico com milhões de seres. 

Atordoados pela imprevisibilidade do novo e um aumento vertiginoso sem precedentes na história galática de novas estrelas seu povo busca sobreviver. 

 

 

Culturalmente unem-se entorno de seu planeta azul, que ganhou o nome de Facebookistão.

O Facebookistão é um local onde a tristeza não existe! 

Suas fronteiras estão sempre abertas: qualquer cidadão pode solicitar ser integrante. Basta apenas aceitar seus termos de adesão. As letras são miúdas e basicamente camuflam que a partir de então você estará abrindo mão de sua privacidade. Transformar-se-á em dados que poderão ser utilizados ao bel prazer das autoridades locais. 

Todos tem muitos amigos, e sempre estão dispostos a aceitar mais um. Alguns colecionam centenas de amigos, mas em geral se relacionam de verdade com apenas 3 ou 4 em média. Apesar desta concepção de comunidade, contraditoriamente, inventaram o SELFIE, mas isso é lá uma outra história desse povo com hábitos tão estranhos.

No Facebookistão todos estão sempre se divertindo. A ordem é curtir! Ver e ser visto.

Seus habitantes podem ser facilmente identificados: olhos arregalados, língua à mostra e as mãos fazem gestos que podem ser codificados pelos das mesmas tribos, sorrisos são obrigatórios.  Todos precisam ser sarados, espirituosos, divertidos, extrovertidos, bem sucedidos, faceiros e viajados. 

 

Falando em fronteiras: o Facebookistão apesar de surgimento recente numa jovem galáxia mostrou-se ambicioso, e rapidamente buscou estender seus domínios, e assim, avança impiedosamente sobre todos os que de alguma forma possam representar ameaça à sua recente soberania. De tal sorte, a propaganda homogeneizante é a de que não há lugar melhor e mais feliz para viver e compartilhar. Aos insatisfeitos resta apenas o abandono da galáxia. Aos que ficam, a doce sensação de que este é o melhor dos mundos! Estes, defendem o Facebookistão como sendo o local onde podem estar junto com todos e a fantasia de nunca estar só é o motor que faz com que tudo se justifique. O patriotismo militante de seus integrantes é facilmente visto e seu território é defendido passional, cega e acriticamente.

 

Algumas patologias, infelizmente, são favorecidas pelo clima do Facebookistão: por causa de uma densa névoa, muitos de seus habitantes não podem ser identificados e com isso são capazes de espalhar através de sua presença virtual muitas formas de ódios, preconceitos, xenofobias, violências e vários tipos de crimes. As autoridades do Facebookistão se justificam e dizem que trabalham duro no sentido de melhorar tal situação, mas pesquisas desenvolvidas ainda não encontraram uma cura para tal mal. 

 

Apartados de seus semelhantes começam inusitadamente descobrir que possuem um dialeto comum, o que favorece sua comunicação. O alfabeto não precisa ser complexo e nem mesmo ideias necessitam ser muito elaboradas e desenvolvidas. Seu povo, de hábitos culturais diversos amalgamam-se e possuem uma preferência grande por representações imagéticas. As mesmas igualmente não precisam de muita elaboração. Seus defensores argumentam que é preciso comunicar-se da forma mais imediata possível. Para isso, surge um léxico variado, como: ; ), o/, : ( ,

 

O Facebookistão também enfrenta um sério problema com seu dialeto: as palavras estão desaparecendo e cada vez mais volta-se ao uso de sinais imagéticos. Seus habitantes possuem deficit de atenção e só conseguem se comunicar por sons ou imagens. As autoridades também não sabem como solucionar isso e uma das primeiras medidas foi sempre limitar o número de botões disponíveis em comunicações tanto oficiais como coloquiais. Imaginam que com isso conseguirão conter o avanço novas criações vocabulares.  

 

Já que no Facebookistão todos são muito felizes, é óbvio que são muito positivos em tudo e por isso não possuem alternativas como NÃO GOSTEI! 

Imaginem que fantástico! Só existe o GOSTEI!

Fiquei muito interessada nisso e pensei como seria a vida prática desta pessoas. Imagine um planeta onde a dúvida simplesmente não existe? Afinal, você pode gostar das coisas, mas não gostar ou duvidar simplesmente não existe?! 

Em conclusão rápida no Facebookistão não há, portanto, pessoas inseguras, divididas. Para que?

Descobri também que por serem adeptos apenas de botões e imagens todas as suas atividades militantes, afetivas, doutrinárias, profissionais passam por um stream que chamam de linha da vida. Como num cortiço todos podem ver e ser vistos. O Facebookistão é mesmo um lugar de ruas largas e trânsito incessante.

 

A principal atividade é o compartilhamento. A preferência é sempre por uma foto e uma frase. Assim qualquer um, por mais desavisado que seja consegue pelo menos passar os olhos.

A moeda de troca neste mundo cheio de compartilhamentos é a visibilidade: ganham-se seguidores, amigos e claro: likes de montão. Como em qualquer atividade capitalista a busca por tal moeda aguça invejas alheias e todos buscam os gráficos, infográficos e números dos outros para os superar.

 

No Facebookistão as cifras são muito importantes.

Tão importantes que se convencionou dizer que toda a obra compartilhada deste povo tão voluntário nunca sofrerá destruição. Estão condenados à existência digital eterna.

 

No Facebookistão está garantido o direito à eternidade. Compartilhamentos terão garantia de vagarem pela eternidade em rede. Apesar disso, e para os que acreditam e possuam fé pode-se providenciar um Memorial. No entanto, e estranhamente, como compartilhamento é uma moeda de troca, não poderá ser herdado por ninguém. Ao morrer, seu proprietário só poderá permitir a existência eterna ou a criação de um Memorial para homenagens póstumas. Enfim, leis próprias de um mundo muito particular.

 

Num planeta de tanta felicidade, resta saber qual seria o passatempo favorito. Observando conclui que é o consumo. Consome-se frases, imagens, videos, piadas, bisbilhotices, fofocas, preconceitos, vilanias, xenofobias, partidarismos. Mas o campeão absoluto e isolado de consumo é o Tempo! Quanto tempo se consome no compartilhamento! Concluo que muitos estão querendo aumentar suas cifras para garantir algo que não consegui entender bem o que seja.

Mas como é um povo de hábito estranho, desisti de entender, e segui.

 

Seu povo, como em várias supostas democracias acredita que é livre. Mas em verdade vivem sob os humores, vontades e desígnios de um ditador:  Z é o seu nome. Como ditador, Z faz as leis e mesmo os que o servem em altos escalões se ousarem desobedecer são  alijados de tudo e mandados embora de seus domínios.  Ao seu lado, Z conta com o poder de uma influente rede de investidores que precisam muito da mão de obra voluntária dos habitantes do Facebookistão. O compartilhamento e seus dividendos são fundamentais para o estado de “bem estar” e valor que Z e seus aliados querem.

E como ocorre em todos os grandes domínios, os vassalados por Z acreditam que tudo o que este faz é para a felicidade geral de todos.

 

Mas, como ocorre com todas as sociedade de galáxias distantes, o Facebookistão também está vendo sua população envelhecer. Os jovens, descontentes e ansiosos por mais novidades, migram para outras galáxias e deixam no Facebookistão seus pais e avós. Z terá problemas de mão de obra e saturamento no mercado por compartilhamentos viciados e repetitivos. Além de óbvia concorrência de mercado.

Tempos de decadência… e de dúvidas também: será que conhecerão como tantas outras galáxias a destruição? Ou sofrerão um processo de fusão cósmica. Ninguém sabe!

 

Enquanto isso, seus habitantes começam a conhecer a senilidade em rede, enquanto esperam um novo Big – Bang digital.

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Publicado originalmente no Blog Pensados a Tinta

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