Berlim limita, por lei, preços dos aluguéis.

Teme-se que, como nos EUA, preços subam a níveis impagáveis; em bairros com muita gentrificação, aluguéis não poderão subir mais que 10% da média da região

16/06/2015

Por Nina Lemos,

De Berlim, do Opera Mundi

 
  Paisagem de Berlim | Foto: Flickr/Andreas Levers

Sentado em uma pizzaria em Neukölln, bairro no sudeste de Berlim, o artista plástico espanhol Luiz Bustamante, 30 anos, que mora há oito anos na região, olha para os lados assustado. “Essa pizzaria é a única coisa que sobrou. Tudo mudou. Aqui era uma vizinhança pobre. Mas pobre mesmo.” A gentrificação de Neukölln levou cafés e restaurantes sofisticados para o bairro, que, até o inicio dos anos 2000, era uma espécie de “gueto” de turcos e alguns estudantes.

Junto a isso, trouxe centenas de turistas e aumento nos aluguéis. “Eu pago 600 euros [R$ 2.118] por um apartamento de três quartos porque tenho um contrato antigo. Mas começaram a remodelar o meu prédio, estão reformando tudo para atrair pessoas com dinheiro. Meus vizinhos não são mais pessoas como eu”, diz Bustamante. Preocupado, ele começou a procurar um apartamento para viver com a namorada. “Tudo que acho custa mais de mil euros. Não vou ter como pagar. O que vai acontecer? Isso aqui vai virar Paris, onde as pessoas que moram há mais tempo são obrigados a morar fora da cidade? Isso é o que eles querem?”

Bustamante é mais uma vítima da gentrificação (saída de moradores das regiões centrais por causa do aumento do custo de vida) violenta que atinge Berlim há cerca de dez anos e que faz com que os moradores da cidade temam que a cidade,  famosa por sua cena artística, vire uma Nova York, com preços de moradias impraticáveis, ou uma Paris. Por isso, a capital alemã foi a primeira cidade do país a adotar uma lei aprovada ano passado pelo Parlamento: a do “freio” no preço dos aluguéis.

Desde o inicio do mês, em bairros com muita gentrificação, como os badalados Kreuzberg, Neukölln e Friedrichshain, os aluguéis não podem subir mais que 10% da média da região. A norma será adotada, também, por outras cidades, como Mainz, Colônia, Trier e Düsseldorf.

A lei de controle dos aluguéis é um pedido antigo de ativistas da cidade e é considerada um grande passo contra a gentrificação por moradores e especialistas. “Sempre lutamos e esperamos que isso acontecesse, finalmente”, diz Paula Riester,  porta-voz do Partido Verde para o distrito de Kreuzberg-Friedrichshain. “Claro que é importantíssimo protegerem os moradores. Essa lei é uma vitória”, diz o designer Dominique Hermann, de 38 anos, morador de Neukölln há dez anos. Mas também é vista com desconfiança. “A lei não se aplica a prédios novos e nem a prédios que foram recentemente reformados. É um passo importantíssimo, mas ela tem muitas exceções”, afirma Riester.

De acordo com a nova lei, assim, o artista Bustmante pode, sim, ter que procurar outro apartamento para morar.

 
Bairro de Friedrichshain | Foto: Flickr/La Citta Vita  

Fora, yuppies!

A gentrificação atinge principalmente as regiões “alternativas”: Kreuzberg, antigo bairro “underground” desde antes da queda do Muro e famoso pelos bares e baladas; Friedrichshain, vizinho de Kreuzberg e, antigamente, parte de Berlim Oriental, e Neukölln, reduto da imigração turca e árabe na cidade e que ficava nas margens da barreira entre as duas Alemanhas. O que os torna atraentes, além dos preços baratos, são os grafites, a cena artística e alternativa.

Berlim ainda é uma cidade muito barata para os padrões de uma grande metrópole. Mas os aluguéis dobraram nos últimos oito anos. No início dos anos 2000, era possível alugar um apartamento em bairros hoje considerados sofisticados, como Prenzlauer Berg, por cerca de 300 euros. Esses preços e a atmosfera criativa da cidade atraíram gente do mundo inteiro. Berlim virou a bola da vez.

“Aqui ainda é uma cidade barata. O que acontece? Muitos estrangeiros mudam, mas é gente com mais bala na agulha, disposto a pagar valores absurdos, que ninguém que mora aqui paga. Outro problema de Berlim é o desemprego de 10,8% e a enorme quantidade de empregos precários. O berlinense não consegue pagar aluguéis caros demais”, explica a jornalista e DJ Marie Leão, brasileira que mora em Berlim há 20 anos.

Quarto hipster por 890 euros

No site “Airbnb”, um quarto de 20 metros quadrados é alugado pelo valor de 890 euros (R$ 3.143) mensais. Segundo os locatários, ele fica em uma região hipster, em um apartamento “gay friendly”. Todo esse repertório moderno é usado para tentar alugar o quarto por esse preço, digamos, “ostensivo”.

Desde o ano passado, legalmente, para alugar um apartamento em Berlim para turistas, é preciso pedir autorização para a prefeitura e registrar. Mas isso não é cumprido pela maioria dos locatários: a foi criada para barrar o aumento dos preços dos aluguéis, mas não pegou. “Precisa haver mais fiscalização”, diz Riester.

Na mesma área em que um quarto é alugado por 890 euros, é possível alugar um apartamento vazio por 700 (R$ 2.472), com contas incluídas. É aí que nova a lei entra. Esses 700 euros não vão poder crescer mais descontroladamente.

Há dois anos em Berlim, o artista plástico Marcos Brias paga 600 euros (R$ 2.119) por um estúdio de 40 metros quadrados em Kreuzberg, em um prédio de moradia popular. “Para os alemães, esse é um valor caro, meus amigos pagam metade do que isso porque têm contrato antigo. E meu prédio é grande, muitos dos apartamentos são moradias populares. Um amigo queria mudar para cá, fomos na imobiliária do prédio e havia uma fila de mais de 20 pessoas.”

Como os moradores se “armam” contra a gentrificação? Alguns lutam por mais leis de controle, e outros acreditam que, se há um contrato antigo e barato na mão, deve tentar transferi-lo para um amigo, para que o inquilino não aumente muito o aluguel.

Alguns lutam de forma mais radical e artística. Em dezembro do ano passado, um dos grafites mais famosos de Berlim, em Kreuzberg, considerado um dos cartões postais da cidade, foi apagado por seus criadores em um ato contra a gentrificação.

“A gentrificação em Berlim está muito forte e sabemos que a arte de rua vira uma atração e motivo para aumentar os aluguéis. Não queremos colaborar com o cenário,” disse um dos criadores do mural, Luiz Henke, para o jornal The Guardian. O mural foi pintado simbolicamente de preto. 

Nas paredes dos prédios em obras para serem reformados nos bairros, é possível ler “Yuppie Haus” pichado. A frase, em alemão, significa “casa de yuppie”, mas, lida em voz alta, tem o som semelhante a “Yuppie Raus” – “fora, yuppie”.

Ódio aos turistas

Por muitos, os turistas são vistos como os inimigos “número um” da transformação da cidade. Mas Riester alerta que é preciso tomar cuidado com essa visão. “É maravilhoso que esses distritos recebam turistas, temos que incentivar o turismo, checar se os  hotéis estão em boas condições para recebê-los. E, ao mesmo tempo, proteger os antigos moradores, principalmente as pessoas mais velhas, que moram há 50 anos, por exemplo, em um mesmo endereço. Não podemos colocar a culpa nos turistas, Berlim é uma cidade pobre. É bom que os turistas venham para cá. Essa é uma das indústrias mais importantes da cidade.”.

E Berlim vai resistir à síndrome de Nova York?

Os moradores acreditam que sim. “Ninguém que mora aqui quer isso para a cidade. Nem o governo, porque o quê torna Berlim atraente para turistas é justamente ser uma cidade com muitos artistas. Então, eu tenho esperança, sim”, diz Bustamante. “Berlim é ainda muito provinciana, quase chinfrim. Em Berlim ninguém fica rico. Berlim só vira Paris ou Nova York se os empregos melhorarem, se os salários subirem. Mas nem assim. Berlim vai ficar mais cara, mas até chegar a Paris ou Nova York há um longo caminho. E é melhor, aliás, que a cidade tome um caminho que tenha mais a ver consigo própria.”

Redação

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