Bomba-relógio: Redes sociais, crise econômica e reforma trabalhista, por Graziella Ferreira Alves

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Redes sociais, crise econômica e reforma trabalhista: um cenário de bomba-relógio

E também algumas maneiras para desativá-la!

Por Graziella Ferreira Alves*

* Mestre em Direito Público pela UFU. Advogada militante na comarca de Uberlândia/MG e docente em cursos de graduação e pós-graduação em Direito

É inegável o sucesso que as redes sociais fizeram na sociedade atual! Quem está fora delas está fora do mundo. Instagram, Facebook, Youtube e outras redes predominam como forma tecnológica de interação entre seres humanos e também fazem mais: vendem produtos e serviços.

Segundo pesquisa global realizada em 2018[1], o Brasil é o quarto maior usuário do Facebook no mundo (cento e trinta milhões de brasileiros), segundo maior usuário do Instagram (sessenta milhões de brasileiros, atrás apenas dos Estados Unidos) e sexto lugar no Twiter (mais de dez milhões de usuários). É, inegavelmente, um fenômeno!

Todo esse engajamento reforça a tese de Zigmunt Bauman de que hoje todos somos, ao mesmo tempo, consumidores e mercadoria[2]. Dessa teoria é possível concluir que não seremos bons consumidores se não formos, antes, bons produtos expostos em prateleiras denominadas redes sociais.

A todo o tempo, pessoas demonstram e compartilham com sua rede de seguidores como são bens sucedidas na aquisição de bens materiais, na realização de viagens exóticas e na experimentação de alimentos belíssimos e deliciosos. Nesse ímpeto de exposição das maravilhas da vida, surgem massivas e poderosas metodologias de incentivo ao consumo como meio de se atingir sucesso e felicidade na vida.

A pressão para o consumo não é um fenômeno novo, longe disso. A animação “Story of Stuff” (A História das Coisas), que tem mais de uma década, retrata bem como o indivíduo trabalhava em vários empregos para comprar coisas motivado pela opressiva publicidade televisiva[3].

Mas, se antes o tempo de exposição à televisão ocorria de modo mais intenso apenas nos momentos de descanso da pessoa, agora se impõe a todo e qualquer momento, já que o celular, como principal veículo de exposição das redes (e também de publicidade nelas veiculada), está praticamente acoplado ao corpo de muitos seres humanos hiperconectados.

Nesse cenário, é possível perceber que dois contratos existenciais são fortemente impactados pelo mundo como a sociedade está se relacionando nesses ambientes virtuais: o contrato de consumo e o contrato de trabalho.

Se, por um lado, as pessoas estão a todo momento sendo bombardeadas com mensagens publicitárias e sendo incentivadas ao consumo excessivo como forma de realização pessoal, por outro estão se frustrando, porque na maioria das vezes o trabalho que desempenham não consegue prover seus desejos.

E os mecanismos de comunicação publicitária, de marketing e de persuasão utilizados por blogueirosinstagramers e outros influenciadores digitais estão cada vez mais sofisticados e subliminares.

São técnicas como unboxing (em que pessoas ficam desembrulhando produtos recebidos de fornecedores), review (em que o influenciador digital dá sua opinião sobre um produto ou serviço) e o ranking (em que o usuário da rede social faz sua avaliação escalonada de produtos e serviços, dizendo aos seguidores qual é o melhor), muitas vezes patrocinadas pelos fornecedores descritos nas mensagens, sem que o consumidor seja informado de que se trata de uma comunicação publicitária.

Essas condutas, na imensa maioria das vezes, violam o direito básico do consumidor de não ser exposto a métodos comerciais coercitivos ou desleais (art. IV, do CDC), para que possa exercer o ato de consumo de forma livre e esclarecida (art. II, do CDC).

Ao contrário do previsto na legislação consumerista, que exige que toda publicidade deve ser veiculada de forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal (art. 36), poucas vezes o usuário das redes sociais é informado ou percebe que está diante de uma publicidade, em razão de toda camuflagem realizada por blogueiros, instagramers youtubers.

Fato mais grave é quando toda essa mensagem subliminar é canalizada ao público infantil, mas esse tema será aprofundado em outra oportunidade. Por hora, o que se pretende é analisar como esse forte incentivo ao consumo, promovido pelas redes sociais, é recebido por cidadãos brasileiros que, atualmente, vivenciam grave crise econômico-político-social, com redução de postos de trabalho de um lado e reforma trabalhista de outro.

Nos últimos cinco anos, os brasileiros têm vivenciado um aprofundamento da crise econômica: crescimento praticamente inexistente do PIB, desemprego alarmante, retração da indústria e do comércio, aumento da dívida pública e redução do poder aquisitivo da população[4].

Tornando esse contexto mais complexo, em meados de 2017 ingressou no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 13.467, apelidada de Reforma Trabalhista, que não cumpriu, até o momento, o prometido aumento dos postos de trabalho[5].

Em verdade, após o advento da Lei 13.467 o que se viu foi uma drástica redução do número de demandas trabalhistas[6], o que não necessariamente representa um efeito benéfico: em verdade, pode representar o temor do trabalhador de buscar judicialmente seus direitos. Isso porque o atual artigo 791-A, § 4º, da CLT reza:

Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Veja-se que os créditos do trabalhador reconhecidos num processo (ou os créditos reconhecidos em outra ação) podem ser utilizados para o pagamento de honorários de sucumbência, mesmo que ele seja beneficiário da justiça gratuita! É algo inédito no país, cuja constitucionalidade está sendo discutida na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5766, já tendo sido proferido voto do ministro Luís Roberto Barroso, in verbis:

1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários. 2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; e (ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias. 3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI 5766, 2018).

Diversas notícias de trabalhadores condenados se espalharam pela mídia[7], contribuindo para limitação do acesso à justiça pelo trabalhador brasileiro, que agora se vê sem trabalho e/ou sem dinheiro, pela crise, e com mais tempo disponível (seja pelo desemprego, seja pela novidade do trabalho intermitente) para ser bombardeado, pelas redes sociais, como ele é infeliz por não fazer viagens maravilhosas, por não possuir aquele aparelho tecnológico (que é praticamente igual ao lançado no ano anterior), por não fazer refeições preparadas por deuses em locais paradisíacos.

Todo esse cenário contribui para um acirramento nas tensões sociais, especialmente em ano eleitoral: os nervos estão à flor da pele e o brasileiro está cada vez mais desesperado e desamparado. E fica a pergunta: quem poderá desarmar essa bomba? Minha sugestão mais prática e imediata: todos nós, cada um puxando seu fio desencapado, através dos seguintes passos:

  1. Nos conscientizar que, em 99,999% dos casos, aquilo que é retratado nas redes sociais não representam a realidade e, por isso, ninguém deve se sentir inferiorizado por não ter vida análoga àquelas ali retratadas;
  2. Atentar para as publicidades subliminares diuturnamente veiculadas em vídeos, blogs, stories e canais análogos das redes sociais;
  3. Denunciar fornecedores que se utilizam dessas mensagens subliminares, de modo manifestamente contrário direito do consumidor previsto no art. 36 do CDC;
  4. Aprofundar o conhecimento sobre consumo responsável e sobre a obsolescência de produtos (percebida e programada), para que se possa desestimular a aquisição de produtos de fornecedores que, reiteradamente, se utilizam dessa prática;
  5. Estudar, ainda que de forma autodidata, sobre administração das finanças pessoais, gestão de endividamento e planejamento financeiro, para que as contas do cidadão saiam definitivamente do “vermelho”;
  6. Buscar conhecimento, com especialistas na área, sobre os reais impactos da reforma trabalhista (seja trabalhador ou empregador);
  7. Implementar outras formas de realização humana que não tenham relação com o consumo materialista.

Várias outras medidas podem ser buscadas para que o indivíduo não se sinta infeliz por não ter a vida retratada nas redes sociais. Em cenários de dificuldade, tal qual esse que agora enfrentamos, formas criativas e menos consumistas de realização da felicidade humana devem ser continuamente buscadas, sob pena de não conseguirmos dominar a violência, de um lado, e os distúrbios psicológicos (depressão, ansiedade…), de outro.

Estejamos sempre cientes de que muitas “vidas” retratadas nas redes sociais não passam de publicidade camuflada, cuja função é uma só: vender!

 


[1] O brasileiro com maior número de seguidores, o jogador de futebol Neymar, fica em 11º lugar no ranking mundial com mais de 91 milhões de seguidores à época da pesquisa. Disponível em: https://bit.ly/2vQAV3I. Acesso em 13 set. 2018.

[2] BAUMAN, Zygmunt. A Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

[3] THE STORY OF STUFF. Produzido por Annie Leonard. Dezembro de 2007. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9GorqroigqM Acesso em 28 ago 2018.

[4] TREVIZAN, Karina. Brasil enfrenta pior crise já registrada poucos anos após um boom econômico: há apenas seis anos, em 2010, Brasil teve o maior crescimento do seu PIB em 20 anos, de 7,5%; em 2016, registrou a segunda retração anual consecutiva, de 3,6% Portal G1. 2017. Disponível em https://glo.bo/2Klx1TE. Acesso em 28 ago 2018.

[5] Ronaldo Nogueira, quando ministro do Trabalho, chegou a sustentar que a reforma trabalhista traria dois milhões de emprego em dois anos. (MARTELLO, 2017).

[6] Apuramos, em outro artigo, a redução em aproximadamente 50% (cinquenta por cento) no número de ajuizamento de ações na comarca de Uberlândia, dado semelhante ao verificado no país, em geral. (ALVES, 2018).

[7] O portal de notícias jurídicas Migalhas, noticiou em 02 de março de 2018: “Reclamante é condenado a pagar mais de R$ 700 mil de sucumbência” (MIGALHAS, 2018).


REFERÊNCIAS

ALVES, Graziella Ferreira. Breves comentários sobre números relativos aos impactos iniciais da reforma trabalhista na comarca de Uberlândia/MG. Disponível em https://bit.ly/2p5CaWE. Acesso em 13 set. 2018.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Carlos Alberto Medeiros trad. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BRASIL, DECRETO-LEI N.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 19 jan. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 5766. 2018. Disponível em https://bit.ly/2L80n8y. Acesso em 13 set. 2018.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

KEMP, Simon. Social media use jumps in Q1 despite privacy fears. Disponível em https://bit.ly/2vQAV3I. Acesso em 28 ago 2018.

MARTELLO, Alexandro. Reforma trabalhista vai gerar 2 milhões de empregos em dois anos, diz ministro. Portal G1, Brasília, 17/07/2017. Disponível em https://glo.bo/2r6G9mb. Acesso em 13 set. 2018.

MIGALHAS. Reclamante é condenado a pagar mais de R$ 700 mil de sucumbência. 2018. Disponível em https://bit.ly/2Ogr9ww. Acesso em 13 set. 2018.

THE STORY OF STUFF. Produzido por Annie Leonard. Dezembro de 2007. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9GorqroigqM. Acesso em 28 ago. 2018.

TREVIZAN, Karina. Brasil enfrenta pior crise já registrada poucos anos após um boom econômico: há apenas seis anos, em 2010, Brasil teve o maior crescimento do seu PIB em 20 anos, de 7,5%; em 2016, registrou a segunda retração anual consecutiva, de 3,6% Portal G1. 2017. Disponível em https://glo.bo/2Klx1TE. Acesso em 28 ago 2018.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Dificilmente a conscientização funcionará

    O capitalismo, mais que um regime econômico, é uma cultura. E nesta cultura as pessoas estão subordinadas ao capital/dinheiro e não o contrário. O consumismo é o complemento necessário ao produdivismo exagerado do capitalismo.

    E é necessário produzir sempre mais, justamente porque as margens de lucro dimenuem constantamente, por conta do crescimento da produtividade provocado pela introdução de novas tecnologias e máquinas na produção. PAra mais produção é necessário mais consumo.

    O problema é que a produção precisa cada vez menos de mão de obra, então há um n[umero crescente de desempregados e subempregados, que são pessoas supérfluas ao sistema e que não podem consumir o que se produz. São pessoas frustradas, amedontradas e raivosas, que alimentam as atuais ondas de neofascismo, fundamentalismo religioso, racismo e xenofobia, que assolam o capitalismo pós-moderno de hoje.

    O dilema é sério. Se o consumo diminuir (tronar-se responsável) o sistema vem abaixo mais depressa ainda. Mas para aumentá-lo, somente com bolhas de crédito, como a das hipotecas americanas, pois os empregos não pagam o suficiente para sustentar o modo de vida consumista (ideal do homo economicus) da vasta mioria da população.

    O capitalismo (e seus adentros políticos e filosóficos: democracia, iluminismo e modernidade) está numa sinuca de bico como nunca esteve, provavelmente em sua crise final, que pode durar décadas.

  2. Meu maior desejo é comprar uma Ferrari

    Mas outro dia minha bike perdeu o freio e eu, desembestado, caí.

    Me senti mais inferior ainda não só por não poder comprar minha Ferrari e por andar de bike, mas porque caí.

    Rifocina nas escoriações.

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