Brasil não deve abandonar acordos bilaterais

Aproximação com eixo Sul-Sul, sim, mas sem deixar de lado acordos com mercados mais aquecidos

A aproximação comercial com os países do chamado eixo Sul-Sul (África, Oriente Médio, América Latina e Caribe) não foi acompanhada de esforços para aprimorar ou criar acordos bilaterais com Estados Unidos, União Européia e alguns países Latino-Americanos, segundo a professora Maria Cecília Forjaz, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (NUPPS).

O resultado é a constante perda de espaço dos produtos brasileiros em mercados com capacidade de consumo superior a de países pobres e em desenvolvimento. “Expandir as nossas relações comerciais com o mundo é uma postura correta. Mas deve ser feita sem perder o foco nos mercados ricos ou, simplesmente, mais aquecidos”, avalia.

Existem parcerias que são vantajosas como a aproximação da Embrapa de países da África e Caribe para produção de etanol. “Por outro lado, a abertura de uma nova Embaixada do Brasil no Benim, em termos concretos de interesse econômico, não traz vantagens”, completa a pesquisadora.

Silvio Abreu Campos, responsável pelo setor de comércio exterior da Fecomercio de Minas Gerais, aprova a aproximação do Brasil aos países em desenvolvimento do Sul, e lembra que em dez anos o comércio com nações do continente africano quadruplicaram.

“O mercado de países do eixo Sul-Sul não tem tantas barreiras como os tradicionais europeus e norte-americanos. Também investimos agora porque no longo prazo essas nações tendem a melhorar o poder de consumo” conclui. A China, por exemplo, já investe massivamente na exploração de recursos naturais, instalação de linhas de transmissão elétrica e construção de estradas, isso porque a infra-estrutura em muitas nações do mundo em desenvolvimento é quase nula, dando espaço para que empresas com Know how – como as de construção civil e até mesmo petroleiras – iniciem seus canteiros de obras.

Abreu Campos concorda que o Brasil perdeu muito tempo tentando fazer acordos multilaterais, principalmente ligados ao Mercosul. Enquanto o país se esforçava numa só frente, os Estados Unidos fechavam Tratados de Livre Comércio (TCL) com praticamente todos os países da América Latina e Caribe, com exceção daqueles do Mercosul, fazendo a ALCA a seu modo.

“É fato que os acordos multilaterais não andam, por outro lado, existem cerca de 400 acordos bilaterais homologados na OMC [Organização Mundial do Comércio]”, explica.

O porta-voz do Itamaraty, Guilherme Patriota, afirma que a aproximação do Brasil com os países do eixo Sul-Sul compõe parte do projeto nacional de diplomacia e comércio exterior dos últimos oito anos de governo federal em que, na maioria dos casos, o intuito inicial não é favorecer a balança comercial brasileira, mas as relações internacionais.

Além disso, a recente crise financeira mundial contribuiu para o surgimento de novos atores de peso nas decisões político-econômicas de âmbito global, a exemplo dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), resultando no revigoramento do multilateralismo, ou seja, abertura de novos mercados e acordos regionais. Portanto, entende que há uma grande expectativa quanto ao aumento de tratados multilaterais e bilaterais nos próximos anos.

Abreu Campos também é otimista quanto ao crescimento das exportações brasileiras para outras regiões do mundo, mas diz que o país ainda tem que amadurecer em matéria de comércio exterior, bem como superar gargalos sócio-econômicos internos.

“O Brasil fez acordos inexpressivos no comércio exterior, um exemplo é o que fez com a Índia: negociamos cerca de 450 itens de medicamentos, num universo de 13 mil produtos. Ou seja, poderíamos ter negociado muito mais”.

O executivo resume em quatro as ações necessárias para eliminar os gargalos de exportações:

– Desonerar a indústria a partir da realização da reforma tributária;
– Melhorar a infra-estrutura dando importância para o transporte multimodal – “nenhum governo olhou para o transporte hidroviário”, reclama;
– Continuar e aumentar os investimentos na qualificação de mão-de-obra. “Sabemos que hoje temos déficit não apenas de engenheiros, mas de pedreiros especializados na construção civil”, explica;
– Por último, o país deve incentivar a inovação de conhecimento nos setor de serviços, considerado hoje “a grande força motriz da economia mundial”.

Abreu Castro acrescenta que apenas 2% da receita de 90% do empresariado brasileiro (micro, pequenos e médios) vem de exportações. A proporção poderia ser significativamente maior a partir de medidas como formação de consórcios, incentivo às cadeias de produção desses empresários, e a promoção da cultura de exportação, quase nula nas MPEs brasileiras.

Porque os acordos multilaterais não decolam

As dificuldades de firmar acordos multilaterais não são exclusividade do governo brasileiro, “são dificuldades sistêmicas. Tem haver, por exemplo, com os fracassos da OMC. Ao longo dos anos, os países ricos conseguiram uma grande liberalização dos preços de produtos industrializados. Em contrapartida, os mesmos resistem à liberalização de preços aos produtos agrícolas”, completa Maria Cecília.

O protecionismo de alguns países , contra a concorrência estrangeira – através de elevadas taxas de importação e concessão de subsídios – prejudicou as propostas de formação de acordos multilaterais e favoreceu a multiplicação de acordos bilaterais.

“O insucesso das negociações multilaterais foi muito desvantajoso para o Brasil porque os países ricos, principalmente Estados Unidos, tem tido uma estratégia de incentivar acordos bilaterais dos quais não participamos e ficamos isolados”, afirma a pesquisadora.

Maria Cecília completa que o maior concorrente do Brasil na África é a China, “que vem investindo pesadamente no continente: rodovias, portos, centrais elétricas e sistemas de telecomunicações, além de comprar petróleo e gás em Angola, Quênia e Nigéria”.

Com relação à Ásia, as exportações brasileiras são concentradas em commodities minerais e agropecuárias, já as importações, em produtos industrializados. Tanto de um lado quanto do outro, persiste a forte resistência de abertura de setores menos competitivos – para a agricultura asiática no Brasil, ou produtos industrializados brasileiros na Ásia.

Relações comerciais nos últimos três anos

De 2007 para 2006, o comércio entre Brasil e países africanos cresceu 39,7% para a compra de produtos daquele continente. Já as exportações brasileiras para países africanos aumentaram 11%. Em 2008, a corrente de comércio entre os dois destinos continuou a crescer: as compras brasileiras aumentaram 38,9%, e as compras africanas 18,6%. Em 2009, devido à crise financeira mundial, as trocas comerciais foram reduzidas: houve decréscimo de 46,3% das importações brasileiras, e queda de 14,5% das compras de produtos brasileiros naquele continente.

A relação comercial entre Brasil e Oriente Médio nos últimos três anos foi favorável à balança brasileira. De 2007 para 2006, o crescimento das importações de produtos daquela região foi de apenas 1,3%. Enquanto as vendas de produtos brasileiros aumentaram 11% no mesmo período. Em 2008, as importações de produtos do Oriente Médio cresceram 94,4%, já as exportações brasileiras para a região cresceram 25,9%. No último ano, a desaceleração da economia mundial resultou na queda das importações de 49,6%, e nas exportações de 6,2%.

Para Maria Cecília, a ampliação do comércio exterior brasileiro nos últimos anos e, o consequente bom desempenho da balança comercial, não estão relacionados à estratégia Sul-Sul, mas ao desempenho da economia mundial – até antes da crise financeira – e, mais recentemente, aumento das trocas comerciais entre nações em desenvolvimento mais fortes como Índia, China e Rússia, que junto com o Brasil formam os chamados BRICS.

A queda no superávit dos dois últimos anos está diretamente ligada à desaceleração do mercado econômico mundial, mais intensa entre o final de 2008 e início de 2009. Nesse mesmo período a China passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil, posição ocupada antes pelos Estados Unidos.

Em 2009, o crescimento da venda de produtos à China, em relação a 2008, foi de 23,1%, alcançando US$ 20,1 bilhões. Já as vendas para os Estados Unidos no ano decresceram 43,1%, em relação a 2008 (US$ 15,7 bilhões). As exportações para Argentina, a terceira nação que mais compra do Brasil, também fecharam 2009 com queda de 27,7%, em relação a 2008.

Os principais países fornecedores do Brasil são, nesta ordem, Estados unidos, China e Argentina. Em 2009, compramos US$ 20,1 bilhões em produtos norte-americanos – decréscimo de 21,8%, em relação ao ano anterior. Da China, compramos US$ 15,9 bilhões em produtos, o que representou um decréscimo de 43,1%, em relação a 2008. Também diminuímos as compras de produtos argentinos: foram gastos em 2009 US$ 12,7 bilhões com aquele país, ou 27,4% a menos que em 2008.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), houve retração de compra e venda em todos os principais mercados que se relacionam com o Brasil, entre 2008 e 2009. Salvo a Ásia, onde as vendas aumentaram 5,3% em relação a 2008, colocando a região como a primeira compradora de produtos brasileiros em 2009.

Redação

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