Cabeça por olho e olho por dente

As mortes de pelo menos 90 pessoas nos presídios no norte do Brasil me fazem procurar uma tarefa incomum: como deveria ser uma argumentação, para que alguém não pareça defensor de bandidos, pilantras e picaretas da pior espécie. Não tenho formação no ramo do direito, mas vou me aventurar nessa tarefa.

De um lado, alguns ignorantes acham que se deve resolver com sangue todas as pendências. Não se tratam de pessoas comuns, mas ocupantes, inclusive altos cargos na república [1]. Somente se pode chegar a esse tipo de conclusão com simplificações grosseiras da realidade, que implicam em aceitar que todos os crimes são iguais ou que todos que estão na cadeia são criminosos de altíssima periculosidade. Será possível que alguém acredite que todos os crimes devam ser tratados da mesma maneira?

Alguns argumentam que são argumentos retrógrados, sem dizer, especificamente a partir de quando a humanidade parou de pensar dessa maneira. Eu diria que essa gente quer nos fazer voltar aos idos de 1772 a.C. Quando foi compilado o código de Hamurabi, ou a lei do Talião, que estabelecia grosso modo, “olho por olho e dente por dente” [2] . O código, que na verdade era bem mais complexo que o jargão que acabou se popularizando, estabelecia, tão somente, que a sociedade tratasse das penas para os crimes estabelecidos de maneira uniforme e não deixando a critério de cada um decidir qual a pena a ser aplicada.

O nosso sistema prisional é um caso que pode ser analisado nesse sentido. Segundo dados que não pude confirmar um terço (por volta de 33%) da população carcerária são presos provisórios [3]. Ou seja, o estado não decidiu especificamente qual é o seu crime e, portanto, não é possível saber qual a sua pena. Mesmo assim, são mantidos presos, mesmo com tipificação precária.

A outra simplificação grosseira é achar que todos os crimes são iguais. Segundo dados mantidos pelo Ministério da Justiça, 76% dos presos podem ser elencados em quatro tipos de crime: 28% por tráfico; 25% por roubo; 13% por furto e 10% por homicídio (queria saber se a corrupção, escolhida como o maior problema do Brasil, não aparece no top 5) [4]. Ou seja, caso fôssemos utilizar o jargão da Lei do Talião e, supondo ainda que a pena capital se desse para aqueles que também mataram outros seres humanos, somente se poderia aplicar a decapitação em 10% dos casos. Para os outros haveria de se aplicar penas mais brandas. Não se trata de defender a extinção da punição para os crimes, mas tratá-los de maneira razoável.

Por fim, gostaria de lembrar que ainda temos vários políticos sendo julgados e a serem condenados. Gostaria de saber se os deputados e outros representantes populares manterão essa mesma sede de sangue caso haja condenações nesses casos.

[1] http://www.folhape.com.br/politica/politica/blog-da-folha/2017/01/08/BLG,1586,7,509,POLITICA,2419-DEPUTADO-DEFENDE-SECRETARIO-QUE-PREGOU-UMA-CHACINA-POR-SEMANA.aspx

[2] na verdade me parece que a interpretação mais correta é “um olho por um olho e um dente por um dente”, dá a ideia de justiça e não os dois olhos e uma perna por um olho e a boca inteira por um dente.

[3] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38492779

[4] http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/03/politica/1483466339_899512.html

Redação

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