Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Caminhoneiros, falta de interlocutores e reforma trabalhista, por Gilberto Maringoni

 
Caminhoneiros, falta de interlocutores e reforma trabalhista
 
por Gilberto Maringoni
 
Escrevi no meio de um artigo que os caminhoneiros formam a categoria dos sonhos dos apoiadores da reforma trabalhista. Quero detalhar um pouco essa questão.
 
O setor se constitui num aperitivo do Brasil pós reforma pelo fato, em primeiro lugar, de os caminhoneiros não se constituírem em exatamente uma categoria, com vínculos e contratos de trabalho uniformes.
 
Há uma variedade de modalidades de trabalho entre o contingente de mais de um milhão de homens e mulheres que parou o país por dez dias. Há autônomos, microempreendedores, terceirizados, intermitentes e empresários de médio e grande porte. E não há uma entidade unificada a falar por eles.
 
Por isso se torna tão difícil estabelecer um acordo único com esse contingente. O interesse convergente que apresentam é o preço dos combustíveis e dos serviços e materiais para manutenção de seus veículos. O vínculo trabalhista – contrato, salário, direitos etc. – não é fator de coesão. Daí vale o paralelo com a reforma trabalhista.

 
RECUEMOS NO TEMPO. Quando o primeiro governo Vargas começou a construir as leis trabalhistas – cujo marco inicial foi a constituição do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (26.11.1930) – um de seus pilares básicos era uma estrutura sindical vertical, definida por ramo de atividade e com unicidade em cada um deles. Ou seja, não deveria haver mais de um sindicato por categoria em cada base territorial. A articulação da estrutura seria piramidal e vertical, com federações e confederações também unificadas.
 
As regras de proteção ao trabalho – jornada de 8 horas, salário mínimo, férias, registro profissional, regulamentação de profissões etc. – e a estrutura sindical visavam não apenas atender demandas trabalhistas que vinham do final do século XIX, mas também dar previsibilidade e segurança ao capital nas negociações com os trabalhadores. Por isso, o Ministério não era apenas do Trabalho, mas também “da Indústria e Comércio”.
 
A partir das leis sancionadas entre 1930-43 e, mais concretamente a partir da CLT, os patrões sabiam que a negociação capital/trabalho estava institucionalizada, deveria se feita com cada entidade de categoria e dessas seriam cobrados eventuais descumprimentos dos acordos.
 
A SUPREMACIA DO LEGISLADO sobre o negociado não apenas dava margens de segurança aos trabalhadores, como imprimia racionalidade a essas disputas. É uma estrutura corporativa. Vivia-se em meio a um processo de industrialização acelerado, migração campo/cidade e recrutamento em massa de força de trabalho para a indústria, que requeria uma disciplina laboral inexistente até então. As leis trabalhistas vieram para criar essa disciplina. Durante quase 70 anos, as disputas se deram ao redor desse marco legal, com vitórias e derrotas para os trabalhadores.
 
Quando a reforma trabalhista não apenas torpedeia direitos, mas detona a estrutura sindical, via fim do imposto, abre-se literalmente um panorama de negociação selvagem, no qual ninguém responde por coisa alguma, num sentido extremo.
 
A “categoria” dos caminhoneiros – com sua complexa composição interna, como já falado – é uma antevisão do panorama que poderá se estender a todos os outros ramos de atividade laboral: fragmentação, multiplicidade de vínculos em um mesmo ramo, remunerações e condições desiguais etc.
 
NÃO É DE SE ESPANTAR que o governo tenha enfrentado dificuldades sérias em negociar estabelecer acordos com representantes que não representavam muita coisa, nos últimos dias em Brasília.
 
Estendendo-se esse panorama para todo o mundo do trabalho teremos um cenário complicado. Sem direitos claros e sem representação institucionalizada, algumas categorias que já contam com tradição organizativa podem manter conquistas passadas. Outras, com menor histórico nesse quesito, terão dificuldades.
 
O patronato comemora isso como vantagem, sem ver que uma greve que mobilize um grande contingente de trabalhadores pode se tornar inadministrável e inegociável pela ausência de interlocutores com legitimidade para fazê-lo. O mais sério é que essa falta será cada vez mais notada dos dois lados do balcão.
 
É por isso que a reforma trabalhista é a mais perversa delas. Por trazer embutida uma nova relação – caótica – entre as classes sociais. E por ensejar um novo projeto de país, mais desorganizado, menos democrático e mais pobre.
 
Gilberto Maringoni – Professor do Bacharelado em Relações Internacionais (BRI). Membro corpo docente da Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal do ABC (UFABC)

 

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

1 Comentário

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  1. A fragmentação pode ser comemorada pelo patronato

    O Alexandre Frota se dispôs a intermediar acordos entre Caminhoneiros e Governo Golpista, podendo fazer o mesmo entre Patrões e Empregados.

     

    “(…)

    Veja, Meu bem, gasolina vai subir de preço
    E eu não quero nunca mais seu endereço
    Ou é o começo do fim ou é o fim

    Eu vou partir
    Pra cidade garantida, proibida
    Arranjar meio de vida, Margarida
    Pra você gostar de mim

    Essas feridas da vida, Margarida
    Essas feridas da vida, amarga vida
    Pra você gostar…”

    Vital Farias, Veja, Margarida

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