Capitalismo e Comunismo prisioneiros em um loop temporal em “Excursion”

O filme indie britânico “Excursion” (2019) junta-se a essa abordagem política da viagem no tempo, com um roteiro ousado e complexo

Capitalismo e Comunismo prisioneiros em um loop temporal em “Excursion”

Por Wilson Ferreira

A lista de filmes que exploram paradoxos da viagem no tempo é extensa e até parece que todas as possibilidades já foram exploradas. Mas as conexões entre as causas e efeito de fatos políticos históricos associados a paradoxos temporais é um campo ainda pouco abordado. Séries como “The Man in the High Castle”, sobre realidades alternativas, nazismo e Segunda Guerra Mundial, é um dos poucos exemplos. O filme indie britânico “Excursion” (2019) junta-se a essa abordagem política da viagem no tempo, com um roteiro ousado e complexo, explorando dois paradoxos tempo-espaço famosos: o paradoxo do avô e do loop de informação. Um homem no presente é despertado pela sua versão mais jovem vinda do passado: um militante do Partido Comunista da extinta União Soviética de 1987. Sua missão era viajar no tempo para testemunhar como o comunismo iria prosperar no futuro. Ao ver que nada disso ocorreu e o Capitalismo triunfou, acredita que houve algum erro: um loop entre 1987 e 2019 que deve ser revertido a todo custo. Para que aquela linha do tempo não interceda na linha de 1987 na qual supostamente o Comunismo venceria. Filme sugerido pelo nosso leitor Dudu Guerreiro.

Das especulações sobre os inúmeros paradoxos possíveis em uma viagem no tempo, as mais famosas são o “paradoxo do avô” e o “paradoxo dos loops de informação”.

O primeiro é o mais famoso e imortalizado no filme De Volta Para o Futuro (1985). O adolescente Marty McFly embarca em uma máquina do tempo e volta para o ano de 1955. O jovem acaba conhecendo a garota que, no futuro seria sua mãe. O problema é que ela se apaixona por ele, e não por aquele que seria o seu pai. Ameaçado de desaparecer, Marty tenta convencer sua mãe namorar pelo seu futuro pai.

É uma variação do paradoxo do avô: a inconsistência que pode vir a surgir no tecido temporal se o viajante matar aquele que seria o seu avô antes dele conhecer sua esposa. Dessa maneira, a existência do pai, da mãe e do próprio viajante tornam-se impossíveis.

Por sua vez, o “paradoxo dos loops de informação” ocorre quando uma certa informação do futuro é enviada ao passado, de maneira que esta torna-se a causa inicial da informação tal como existia no futuro.

O filme indie britânico Excursion (2019), de Martin Grof, habilmente combina esses dois paradoxos e vai além: insere a viagem no tempo em um plot político envolvendo a Guerra Fria entre capitalismo e a antiga União Soviética.

Dos filmes em torno do tema da viagem no tempo, o plot político é ainda pouco explorado. Como, por exemplo, na série Amazon Studios The Man in The High Castle( 2015-) na qual em uma realidade alternativa onde os nazis ganharam a guerra e invadiram os EUA, a descoberta de outros mundos paralelos nos quais os nazis perderam (como na nossa História), pode alterar tanto o passado quanto o futuro.

O plot político acaba apenas entrando com distopias em torno de governos totalitários. Muito poucos filmes abordam movimentos políticos concretos e históricos.

Ao contrário, Excursion faz uma interessante abordagem unindo a União Soviética de 1987 com a Londres de 2019 no qual o socialismo e o comunismo foram derrotados por um capitalismo triunfante e high tech. Mas um acidental loop espaço-tempo acaba acidentalmente unindo esses dois momentos na História, criando uma insólita Guerra Fria pelo controle da linha do tempo.

E se essa informação sobre o futuro (a derrota do socialismo) for levada para a antiga União Soviética? E se o mensageiro dessa informação for você mesmo, vindo do passado, e, em dos loops, mata-lo acidentalmente? O que será de você no presente (ou futuro)? 

Excursion torna-se um verdadeiro quebra-cabeças, misturando os paradoxos do avô com o do loop de informação.

O Filme

Tom (Johnny Mindin), um bem-sucedido advogado londrino na casa dos 50 anos, é despertado no meio da noite em seu amplo apartamento, com vistas para o Rio Tâmisa. Há um homem estranho no seu quarto, que ele acerta com um tiro, matando-o. Mas a cena se repete, como em loop, até que este homem misterioso consiga subjugar Tom e amarrá-lo.

Para sua surpresa, esse homem tem o seu próprio rosto: é a sua própria versão trinta anos mais jovem, chamado Tomas (Richard Canal). Tomas veio da União Soviética de 1987. Nesse passado alternativo, ele é um jovem e devotado membro do Partido Comunista.

Como futuro soldado e leal militante, Tomas foi escolhido pelo governo soviético para ser uma cobaia na experiência de uma máquina do tempo. Mas não é apenas um experimento científico – acabou se tornando um esforço de propaganda: enviar Tomás para o futuro para testemunhar como o socialismo está prosperando. 

Porém, tudo o que vê é a versão capitalista dele mesmo rindo na sua cara para depois mostrar os acontecimentos dos últimos anos que determinaram a ruína do comunismo soviético. Para Tomas, fica muito claro que houve um grande erro e que ele tem que fazer tudo o que puder para salvar o comunismo do seu destino.

Mas ocorre um estranho efeito colateral nessa viagem do tempo: um loop tempo-espaço unindo aquele futuro com o passado de 1987 no qual vivia a versão socialista de Tom. Um loop produzido por espécie de paradoxo do avô – Tom matou minutos atrás uma das versões de Tomas que apareceu no seu quarto.

Em meio a essa confusão formada, eis que toca a campainha do apartamento, para abrirem a porta e surgir Alexandra (Sophie Wilson). Uma agente do governo soviético, enviada com estranhos equipamentos para consertar os loops que se formam nas viagens no tempo. E reconstituir a linha do tempo de 1987 que, acreditam, levaram o socialismo ao triunfo.

Isso leva a um intrincado e interessante roteiro com constantes saltos no tempo nos quais os protagonistas tentam entender o que está acontecendo, antes que seja tarde.

 

Redação

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