Celso de Mello entre o casuísmo e o Estado de Direito

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Já disse em outra oportunidade que Celso de Mello foi transformado num verdadeiro sacrificador dos petistas:
http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/2013/09/celso-de-mello-e-o-sacrificio-ritual.html

Ao proferir seu voto hoje ele ficará entre duas opções bastante distintas. Ele pode acelerar a implantação do Estado de Direito, permitindo aos odiados réus petistas terem direito a um recurso que todos os outros réus tiveram, têm e terão se não forem petistas. Pode também nos fazer voltar ao tempo em que dominava a “tradição personalista” herdade da cultura Portuguesa e Espanhola, sobre a qual Francisco Weffort escreveu as seguintes palavras:

“Marcando nítidas diferenças com a cultura dos países que se formaram além-Pirineus, os hispânicos valorizavam as pessoas dando menor importância ‘à verdade das coisas, fundada em uma lógica impessoal’. Não é difícil reconhecer nessa valorização da pessoa a gênese do ‘homem cordial’ dos escritos de Sérgio Buarque de Holanda sobre as origens do Brasil. Encontra-se aí a raiz fundamental da subvalorização das normal e das leis, típica da cultura brasileira e hispano-americana em geral. Daí também que os jesuítas discípulos do espanhol Inácio de Loyola, tenham inventado o casuísmo que, como as subculturas do ‘jeitinho brasileiro” (ou do ‘arreglo’ argentino), do golpismo, do caudilhismo (e dos ‘pronunciamentos’), é tão frequente até os dias atuais na política ibero-americana. Baseado não em princípios gerais mas em interesses e circunstâncias particulares, o casuísmo foi visto pelo francês Blaise Pascal, católico jansenista e anti-jesuíta, como um sinal de imoralidade.” (ESPADA, COBIÇA E FÉ – As origens do Brasil, Editora Civilização Brasileira, 2012, p. 70).


A “tradição personalista” e o casuísmo explicam porque a imoralidade tem sido a regra no STF. Há bem pouco tempo o Ministro Gilmar Mendes concedeu dois HCs ao banqueiro criminoso Daniel Dantas, um deles com evidente supressão de instância acarretando firme reprovação dos especialistas em Direito (http://www.conjur.com.br/2008-jul-15/soltura_dantas_tipico_supressao_instancia). Depois, o então Presidente do STF passou a perseguir de maneira sistemática e cruel o Delegado da PF que realizou a operação que resultou na prisão do banqueiro e o Juiz da Justiça Federal em São Paulo que havia determinado a prisão dele. 

O casuísmo destas “ações afirmativas” de Gilmar Mendes em favor de seu réu-protegido no passado em tudo se equivalem ao seu casuísmo vingativo neste momento. Ontem ele exigiu a rejeição dos Embargos Infringentes por Celso de Mello, dizendo que o STF não pode ser uma pizzaria (http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-09-17/stf-nao-e-tribunal-para-ficar-assando-pizza-diz-gilmar-mendes-sobre-mensalao.html ). A ausência de ética de Gilmar Mendes é tamanha que ele veio a público tentar impor seu ponto de vista como se ele mesmo não fosse o maior pizzaiolo tucano da história daquele Tribunal.

Celso de Mello pode hoje endossar o casuísmo gilmariano ou fortalecer o Estado de Direito dando um basta à “tradição personalista”, segundo o qual alguns réus (os mais iguais) são intocáveis apesar da Lei e outros (os réus menos iguais) podem ser linchados ilegalmente pelo Poder Judiciário porque assim deseja a imprensa. Qualquer que seja, o voto dele hoje será um divisor de águas, pois ou avançaremos para a validade de normas gerais abstratas aplicáveis a todos os réus igualmente ou permaneceremos eternamente presos à nefasta tradição da aplicação das regras jurídicas com base no casuísmo luso-espanhol herdado dos tempos da Colônia.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. O Julgamento ao vivo

    “O que mais importa nesse julgamento sobre a admissibilidade dos embargos infringentes é o compromisso moral dessa Corte Suprema com o respeito às diretrizes do devido processo legal. Ninguém pode ser privado, ainda que se revele antagônico o sentimento da coletividade, do dever da proteção dos réus, de qualquer réu”, afirmou o ministro.

    O processo penal institui instrumento garantidor e não pode constituir uma reação instintiva e arbitrária”, continuou o decano. Celso de Mello sinaliza que vai aceitar os embargos infringentes.

    “Nada se perde quando se respeitam e se cumprem as leis e a Constituição da República. Tudo se tem a perder quando a Constituição e as leis são transgredidas por quaisquer dos poderes do Estado”, diz o ministro.

    Celso de Mello cita juristas contrários e favoráveis aos embargos infringentes: “É verdade que esse é um recurso cuja existência tem merecido uma série de críticas.”15p1

  2. Ainda o voto do decano

    Segundo Celso de Mello, o próprio projeto de lei do novo Código de Processo Penal contempla a previsão dos embargos infringentes.

    Ele ressalta que nos regimentos internos do STF, a partir de 1909 – incluindo o de 1940, 1970 e 1980 (atual), constam os embargos infringentes.

    “(No voto de agosto de 2012) referi-me à previsão regimental (dos embargos infringentes) nos processos penais originários”, afirmou o decano da Corte. Para ele, subsistem no STF os embargos infringentes previstos no regimento interno.15p5

  3. Mais do voto

    Celso de Mello argumenta: “Não podemos afirmar incondicionalmente que a lei se superpões ao regimento interno, nem que o regimento interno se superpõe à lei.

    “Celso de Mello lê o argumento usado para se rejeitar a proposta da Presidência da República que pretendia abolir os embargos infringentes: “A possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime no STF constitui importante canal, seja para reafirmação seja para modificação do entendimento sobre temas constitucionais”.15p3

  4. Os embargos infringentes são aceitos

    “Entendo, portanto, subsistente com força de lei, com eficácia de lei o inciso I, do artigo 333, do nosso regimento interno”, afirma Celso de Mello. Esse artigo é o que prevê a interposição de embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal.

    Para Celso de Mello, quatro votos divergentes “são significativos num processo”. Diz o artigo 333, inciso I, do STF: “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente ação penal”.16h00

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