Código Florestal deve ser revisto para pequenos

O principal argumento dos reformistas do Código Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771/65) é que a legislação tem prejudicado os produtores brasileiros por considerar apenas os preceitos ambientais em detrimento das questões sociais. Estima-se que 90% dos agricultores e pecuaristas transgridem de alguma forma a lei, o que significa 5 milhões de pessoas.

Ivanosca Rocha Miranda, coordenadora de Meio Ambiente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA), defende que a lei federal deve rever a obrigatoriedade dos pequenos proprietários e agricultores familiares de preservar parte de suas terras, constituindo as reservas legais (RL), mais as áreas de proteção permanente (APP).

A coordenadora coloca como exemplo a produção agrícola da região Nordeste, que na sua maioria é formada por pequenos produtores. Nesse caso, manter 20% da propriedade como reserva legal, além das APP, restringe significativamente as áreas de produção. “Acho que, apesar de ser importante a questão da diversidade biológica, há de se pensar também na questão social”, completa.

Ivanosca sugere que as APP devem ser somadas às RL, no caso dos pequenos agricultores. E reforça que os grandes produtores devem manter a conservação de RL e de APP de modo complementar. As áreas de preservação permanente não devem ser ocupadas por garantirem a biodiversidade biológica.

As APP são espaços com vegetação nativa, essenciais para conter processos de erosão ao longo de rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em geral, nascentes, topos de morros nas montanhas, serras, encostas e restingas. Pela lei, proprietários de áreas classificadas como APP não podem alterá-las.

Já as reservas legais (RL) são estabelecidas em toda e qualquer propriedade rural. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) avalia que a RL garante a conservação e reabilitação dos processos ecológicos e conservação da biodiversidade. A cobertura vegetal seria responsável por benefícios econômicos indiretos como amenização de cheias e da erosão, regulação do clima local, controle de pragas e proteção dos rios.

A lei determina que proprietários em áreas de Mata Atlântica mantenham 20% da cobertura vegetal original – se estiverem desmatadas, o dono do terreno terá que replantar os 20%. Proprietários no Cerrado devem proteger 35% do bioma, e na Amazônia, o índice mínimo de preservação é de 80%.

A seguir, leia a entrevista:

Agência Dinheiro Vivo Você concorda que o país precisa fazer mudanças no atual Código Florestal Brasileiro?

Ivanosca Miranda – Concordo, porque desde 1965 ele sofreu algumas alterações através de medidas provisórias que não foram procedidas com mudanças reais no código florestal. Sobretudo, considerando as peculiaridades regionais, porque ele é muito abrangente e não tem muito configurado a situação regional, principalmente na região Nordeste.

ADVMas, por exemplo, em relação às áreas de preservação permanente, dependendo dos biomas, o código destaca, por exemplo, que na Amazônia é necessária proteção de 80%, já para a Mata Atlântica 20% e Cerrado 35%. Essa não seria uma forma de atender as peculiaridades de cada bioma?

IM – Não. Essa relação de percentual de reserva legal, não. A questão que a gente observa é com relação às áreas de preservação permanente, principalmente porque aqui no Nordeste a característica é de pequenas propriedades rurais. Concordamos com mudanças no sentido de incluir nas reservas legais as áreas de preservação permanente. Ou seja, que a somatória de 20% de preservação de uma propriedade inclua áreas de preservação permanente e reserva legal. Isso apenas para as pequenas propriedades rurais, não para as grandes.

ADVEntão vocês defendem a inclusão das APPs no computo das reservas legais? Mas no caso, doutora, alguns ambientalistas afirmam que, em termos de conservação biológica, essas áreas se complementam, porque seriam biologicamente distintas.

IM – Concordo que, em termos de conservação biológica, a complementação é importante. A questão é que a região Nordeste é formada de pequenos proprietários rurais e agricultura familiar. Então, nas pequenas áreas de terras, quando você tem 20% de reserva legal mais as APPs, a área de uso fica acaba ficando muito restrita. Acho que, apesar de ser importante a questão da diversidade biológica, há de se pesar também na questão social. Nas grandes áreas [grande propriedades] não concordo que as áreas de preservação permanente sejam utilizadas para agricultura em geral.

ADVAlguns reformistas concordam que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) deve se tornar um conselho apenas consultivo, ou seja, perder seu poder deliberativo.

IM – Não concordo com essa mudança. Acho que o Conama tem que ser consultivo e deliberativo.

ADVQuais que seriam as principais dificuldades do pequeno agricultor em relação ao Código Florestal Brasileiro, atualmente?

IM – É a questão da Reserva Legal. Porque aqui [Nordeste], nas nossas propriedades rurais, a grande maioria, 95%, não são devidamente escrituradas. São propriedades de herdeiros… Então existe uma dificuldade muito grande de regularizar essas áreas. A regularização fundiária é um problema nacional, e é um problema no nordeste.

A questão da restituição florestal também é um problema sério no Nordeste. Porque nós temos um período de estiagem muito grande. Então a gente só pode fazer a restituição no período de chuvas. E [em relação à precipitação de chuvas] o inverno é extremamente inconstante.

ADVComo você disse, o Nordeste tem dificuldade com relação à disponibilidade de água para produção. Você concorda que deve haver alterações nos trechos próximos aos recursos hídricos em que o produtor não deve explorar muito o terreno justamente para ajudar na conservação dos recursos hídricos?

IM – As áreas de preservação permanente não podem ser ocupadas. Não concordo com a proposta de mudança do código que discute a ocupação de áreas de preservação permanente para cultura, tanto na região Nordeste, quanto na região Sul ou Sudeste. As áreas de preservação permanente funcionam como remanescentes dos recursos ecossistêmicos, como garantia da biodiversidade biológica.

ADVNão sei se chegou a ter notícias de um estudo divulgado, no ano passado, apontando que é possível que o Brasil dobre sua área agricultável aproveitando as áreas já exploradas pela pecuária. Isso seria feito por meio da integração lavoura e pastagem, com os agriculturas e pecuaristas trabalhando em parceria.

IM – Isso é possível, sim. Apesar da nossa área de pecuária ser muito incipiente, falando em nível de Rio Grande do Norte. Mas em outros estados do Nordeste a gente tem estudos em áreas de pastagem. Se utilizássemos essas áreas para agricultura, não precisaríamos usar as áreas de preservação permanente nem desmatar mais. Então essa é uma proposta que vem para beneficiar os aspectos ecológicos e preservar a vegetação remanescente.

ADVO que faltaria, então, para que essa integração lavoura-pastagem fosse incentivada?

IM – Falta um plano governamental estratégico. Primeiro, de cada estado delimitar essas áreas e efetivamente verificar as que estão sendo utilizadas e aquelas não estão sendo mais. A partir de um planejamento, você faz a gestão junto aos governos estaduais. Aí é onde acho que entra o papel do Conama, que poderia estabelecer diretrizes.

O Conama deveria estabelecer as regras de conservação de acordo com as peculiaridades regionais, porque o código é muito abrangente. [Isso porque], essa questão que você está colocando [uso de terrenos desmatados pela pecuária], no Rio Grande do Norte é muito incipiente. Já nos outros estados no Nordeste a quantidade de propriedades rurais que foram utilizadas pela pecuária é imensa.

ADVQuais seriam as principais preocupações que a sociedade deve levar em consideração ao acompanhar as mudanças previstas no código a ambiental brasileiro? Ou você acha que é muito cedo para falar disso? Acredita que o código possa ser aprovado ainda esse ano?

IM – Acho que é muito cedo ainda para falar sobre essa questão. Muita coisa precisar ser discutida e debatida. Nesse ano acredito que não será regulamentado um novo código.

Para escutar a entrevista na íntegra, clique aqui.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador