Com ‘liberdade’ para trabalhar sete dias por semana, pessoas se resumem a dados de planilha

Debate "Por Uma Economia para os 99%" alerta para onda de "empreendedorismo" que leva pessoas a assumir todos os custos e riscos do trabalho sem proteção

Foto: Reprodução/TVT

da Rede Brasil Atual 

Com ‘liberdade’ para trabalhar sete dias por semana, pessoas se resumem a dados de planilha

 

São Paulo – O tema  do debate era “Por uma economia para os 99%”. E e se houve alguma dificuldade para conceituar quem forma essa parcela da população, o diagnóstico coincidiu: maior presença do Estado para induzir investimentos e crescimento, em um país que vê se aprofundar a desigualdade, com a deterioração do mercado de trabalho.

A socióloga Ludmila Costhek Abílio, a economista Leda Paulani e o engenheiro Eduardo Moreira, também economista, falaram sobre riqueza, capitalismo, socialismo e o crescente fenômeno da individualização – social e do trabalho – ontem (17), penúltimo dia do seminário Democracia em Colapso?, promovido pelo Sesc São Paulo e pela editora Boitempo, com apoio de vários veículos, incluindo a RBA.

Logo no início, a escritora Juliana Borges, mediadora do debate, observou que economia não é apenas uma questão de números. Moreira reforçou: “Economia não é saber a taxa Selic. Não dá para separar economia e distribuição de renda”, disse o ex-sócio do Banco Pactual e criador da Brasil Plural e da Genial Investimentos. Para crescer, é preciso investimento, tanto público como privado. Mas a Emenda Constitucional 95, de “teto” de gastos, retirou a capacidade do Estado de investir, enquanto a iniciativa privada parece condicionar sua participação a algumas “exigências”.

Primeira: fazer a “reforma” trabalhista, o que aconteceu em 2017, para voltar a investir. Mas não era suficiente, então veio a segunda, que é a “reforma” da Previdência, que passou na Câmara e está prestes a ser aprovada em segundo turno no Senado. Também não bastará: depois deverão vir as mudanças tributária e administrativa. “Quando fizer tudo isso, ele (empresário) vai dizer que é preciso o Estado voltar a investir para induzir (o crescimento)”, afirma Moreira. “Eles definem a reforma que deve passar.”

Autora de estudos sobre o mundo do trabalho, Ludmila escreveu o livro Sem Maquiagem (Boitempo, 2014), que aborda a realidade das revendedoras de cosméticos – no caso, da Natura. Eram aproximadamente 200 mil quando ela começou a pesquisar, e hoje são em torno de 1,5 milhão. Professora na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas (SP), Ludmila também analisa outras novas formas de trabalho, como os motoboys. Com outros tipos de vínculo, sem proteção, em um país que vem se tornando fornecedor “da mão de obra mais rebaixada possível”, como define. Uma pessoa com “a liberdade” de trabalhar sete dias por semana.

“A uberização não começou com a empresa Uber e nem termina nela”, observa. Agora, o motoboy é um MEI (micro empresário individual) vinculado a um aplicativo, mas não é o único caso. Em certa medida, espelha uma tendência. “O cerne é nos transformar em trabalhadores just in time. O que é isso? É você ser reduzido a um fator de produção”, contata a pesquisadora. “Nada mais está garantido. É um contexto de total incerteza, em que ele passa a arcar com custos, riscos, e se auto-gerenciar.”

Além do “processo de rebaixamento do valor do trabalho”, há a intensificação da jornada, com aplicativos, celulares, redes sociais, conexão ininterupta. Às vezes, sem perceber. Ludmila identifica uma “perda de distinção entre o o que é tempo do trabalho e o que não é”.

Concentração de riqueza

Professora titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e ex-secretária municipal de Planejamento na capital paulista, Leda Paulani afirma que mesmo nossa democracia “limitada” está em xeque atualmente, com a renda cada vez mais concentrada e o fim das políticas de proteção, representadas pelo Estado do bem-estar social. “A economia capitalista, deixada a si mesma, sempre vai ser a do 1%”, diz Leda, apontando ainda a concentração de riqueza, “brutalmente maior que a da renda”.

Moreira fala em um círculo vicioso, em que os recursos que saem do imposto sobre consumo vão para as pessoas ricas, que não são tributadas e vão investir em títulos públicos, que pagam juros que vêm dos mais pobres. “É uma máquina que se auto-alimenta. E aí a gente perde o conceito de nação. Os verdadeiros vilões deste país não moram na periferia, não trabalham nas estatais. Estão a 500 metros daqui, na (avenida) Faria Lima.”

Os direitos vão se transformando em custos, acrescenta Ludmila, ao citar a “reforma” da Previdência e a passagem de um sistema baseado na solidariedade entre gerações para um que enfatiza a individualização, em que cada um deve poupar para garantir sua aposentadoria. O indivíduo “autossuficiente”, diz Leda.

Moreira conta que morou durante certo período em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Queria conhecer seu funcionamento, e ficou impressionando com a organização, inclusive do ponto de vista econômico, e a solidariedade entre seus integrantes.”Eu cheguei no MST achando que era um dos grandes problemas do Brasil e saí achando que é um das soluções”, afirma.

Como organizar os informais, cada vez em maior número?, pergunta Leda. Ela também questiona o regime tributário do país, em que a maior alíquota do Imposto de Renda, por exemplo, não passa de 27,5%. “Que número mágico é esse?” Os debatedores lembram que mesmo nos Estados Unidos a tributação chegou a passar de 90%. A economista observa que é preciso diferenciar a carga tributária bruta (em torno de 36% a 37% do Produto Interno Bruto) da líquida, após transferências (previdência, subsídios, juros), quando cai para algo em torno de 20%. E volta a discussão sobre o papel do Estado.

Eduardo Moreira: Concentração de riqueza transforma sobrevivência em relação de dependência

Leda Paulani: O capitalismo produz riqueza como nunca e miséria como sempre

Ludmila Costhek Abílio: “Endurecimento do neoliberalismo chama a esquerda a endurecer também”

Redação

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  1. Movimento Zeitgeist: Modelo de Economia Baseado em Recursos Humanos, Científicos e Tecnológicos.
    O que é o Movimento Zeitgeist?
    O Movimento Zeitgeist é um grupo explicitamente não-violento em defesa da sustentabilidade global, atualmente presente em mais de 1000 regionais – espalhadas por cerca de 70 países, ao redor do mundo.

    Cada uma destas regionais atua não apenas para difundir informações sobre as raízes de nossos problemas sociais atuais, como, também, para expressar soluções lógicas – baseadas nos métodos científicos que temos à nossa disposição para atualizar e corrigir o atual sistema social. O objetivo é a criação de uma sociedade global verdadeiramente pacífica, responsável e sustentável.

    Trabalhando através de projetos globais e regionais de educação e programas comunitários, temos como objetivo intermediário a obtenção de um movimento mundial, baseado em um valor de identificação comum que todos nós invariavelmente partilhamos, que diz respeito à nossa sobrevivência e à sustentabilidade.

    O Movimento Zeitgeist pressupõe que a pressão da educação e do ativismo que vêm sendo realizados mundo afora, em razão do atual sistema social fracassado, irá inibir e substituir as instituições estabelecidas – políticas, comerciais e nacionalistas – expondo e resolvendo os problemas inerentes às falhas do atual sistema. Entende-se que os meios tradicionais da política e do comércio, como forças para a mudança, não irão obter as metas necessárias para tornar o nosso sistema social sustentável e humano, já que nascem da mesma lógica falha que criou os problemas que se apresentam no mundo atual.

    A meta de transição, uma vez que tal presença e pressão globais forem obtidas, é a implementação de um modelo econômico que siga uma linha de pensamento verdadeiramente científica com relação aos fatores técnicos, que permita a predisposição humana, a saúde pública e a responsabilidade ambiental ao longo de gerações. Este modelo, conhecido como “Modelo de Economia Baseado em Recursos”, fundamentado nos conhecimentos e avanços da Ciência, baseia-se na Gestão de Recursos e nas Leis Naturais como o ponto de partida lógico para todas as decisões e processos. No entanto, a realização desta direção não é a de uma instituição, mas de uma linha de pensamento – a linha de pensamento de, objetivamente, aplicar o método científico em benefício social
    Saiba mais:
    https://movimentozeitgeist.com.br/
    Assista os vídeos:
    Zeitgeist Addendum – https://www.youtube.com/watch?v=EewGMBOB4Gg

    ZEITGEIST: MOVING FORWARD | OFFICIAL RELEASE | 2011 – https://www.youtube.com/watch?v=4Z9WVZddH9w

  2. E qual o problema em não ter garantia alguma?Empreender é isso,assumir riscos.Mas tem gente que é tão bunda mole e frouxo,que quer que o estado lhe de garantias.Trabalhar via CLT é algo tão bom,que conheço um monte de gente que prefere ser informal,é muito mais lucrativo,e não sou obrigada a dar parte do meu suado lucro para esse estado ladrão.Sim,quem vive do dinheiro alheio,é ladrão.Todos vocês que exigem saúde pública,educação pública,moradia de graça,são ladrões.Quem acha que tem o direito de viver as custas dos outros,não vale nada.

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