Como foi “O Debate do Século” – Capitalismo versus marxismo, por Roberto Regensteiner

Entre as réplicas e tréplicas que se sucedem Zizek cativa a audiência e ao adversário com suas piadas, argumentos e a postura

Capitalismo versus marxismo – o  “Debate” de um século que se inicia

por Roberto Regensteiner

Foram três horas de youtube mas “FELICIDADE, capitalismo versus marxismo” – o autodenominado “Debate do Século” ocorrido em 19/4/19 é uma boa história.

https://www.youtube.com/watch?v=78BFFq_8XvM

CONTENDORES: De um lado, esculhambado em tons cinzas e com trejeitos característicos, o mundialmente famoso (nos meios intelectuais) Slavoj Zizek, um esloveno que fala inglês compreensível para leigos, político prático que concorreu à presidência na Eslovênia, prolífico autor de 36 livros, velho conhecido do Brasil e vice-versa, professor-visitante de muitos lugares, enfim um baita currículo, enfrentaria pelo marxismo contra o capitalismo representado por um Sr. Nunca Antes Ouvi Falar de nome Jordan Peterson.

O anúncio “Jordan Peterson vs. Slavoj Žižek: FINALLY, The Debate”, foi feito em fevereiro no site Dialektica. “HAPPINESS: Marxism VS. Capitalism”, seria o tema. Aqui no Brasil vi-o anunciado, entre outros, aqui no GGN em 16/4 com o seguinte lead: o psicanalista Christian Dunker comenta o confronto intelectual mais esperado desde o embate entre gregos e alemães no “futebol dos filósofos” de Monthy Python[1].

Conforme os usos e costumes anglo-saxões os “arrangements” se transformaram em Projeto de Negócios. E, uma vez que o tema tinha sido definido, os combatentes escolhidos, acertados data, hora e local, passou-se à etapa seguinte da operação: divulgação e venda dos ingressos.

A plateia lotou. Como disse mediador, um doutor da Universidade de Toronto: ” é raro ver o maior teatro do Canadá ser ocupado para um debate intelectual”. Suas breves palavras de abertura foram um convite para o “real thinking about hard questions” e para a busca da verdade baseada em evidências. Apresenta as regras e os contendores.

Quem começa é Mr. Peterson que após comemorar o fato que o valor dos ingressos tenha superado níveis de uma partida de futebol desandou a criticar o Communist Manifestô. Ao longo de seus 30 minutos moveu-se pelo palco, em torno de seu púlpito e em meio a raciocínios convolutos e inexatos tentou desqualificar o histórico texto. Nem o reacionário Coutinho na Ilustríssima (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/04/entre-zizek-e-peterson-nao-ha-vencedor-ou-vencido-nem-combate.shtml) quis perder tempo comentando o conteúdo disto.

Peterson termina aplaudido por parte do público que é de Toronto onde ele leciona atualmente. Ironia histórica é que num debate em 2019, o texto de Marx e Engels, publicado em 1848 e que começa com “O fantasma do comunismo assombra a Europa” reemerja desta maneira e neste contexto. O ineditismo do evento já foi, de per se, um sintoma interessante.

A análise da expressão corporal dos contendores, ambos com imersões profundas nas correntes psicológicas constituídas nos últimos 120 anos, foi um show à parte.  Peterson, um dândi de terno e gravata, cabelo arrumado com gel, barba cuidadosamente delineada, deambulando no palco com expressões e olhares peculiares, manifestava o cacoete de, repetidamente, tocar na aliança de casamento.

Quanto ao conteúdo explicito do embate intelectual e da troca de ideias foi um debate civilizado. Desde antes, o fato mais notável é o Marxismo sendo chamado ao centro de um ringue imaginário para enfrentar (nada mais, nada menos) o Capitalismo, um formidável sistema econômico, outrora reconhecido como revolucionário, inclusive  pelo próprio Marx.

Depois do ataque intelectual do capitalismo ao marxismo, a palavra é passada a Zizek cuja aparência encurvada, cabelos desalinhados e roupa casual contrasta com a de seu oponente. Senta-se frente ao seu púlpito e passa a ler com sotaque e trejeitos peculiares o texto que escreveu para o debate.

Começa apontando que Peterson e ele são marginais da Academia e atacados por ela. Menciona uma rusga de que foi objeto. E entra no prato principal do seu discurso em que se propõe a abordar os três elementos do título que explicita como: “Happiness, Comunism and Capitalism”.

Ao longo de seus 30 minutos desfia nomes, citações, exemplos, costurando um discurso denso em que comparecem o Dalai Lama, a China, o Estado, o Mercado, Trump e Sanders e outros elementos num esforço filosófico, político e psicanalítico de interpretação. Foge das simplificações. O texto dialoga com a plateia que vez e outra ri ou aplaude. Difícil acompanhar o raciocínio sem replay e sem conhecer certas polêmicas e jargões que fazem parte da “conversa interna” do mundo acadêmico e dos fatos políticos que se dão no hemisfério norte. Estabelece uma analogia entre as mentiras hitleristas quanto aos judeus como bode expiatório dos conflitos do povo alemão e a atual atribuição ao marxismo deste  papel.

Concede que o capitalismo venceu e pergunta: Há antagonismos que desafiam esta supremacia ? Responde que sim e desenvolve argumentos. Critica os prejuízos que o capitalismo provoca no meio-ambiente (diz que os comunistas fizeram ainda pior). Ainda mais iconoclastica e ironicamente sugere reinterpretar a famosa tese de Marx de que “até agora os filósofos tentaram interpretar o mundo e que doravante se trataria de transformá-lo” dizendo que talvez devêssemos dar um passo atrás e interpretar o mundo.

Assinala questões como a “produção de refugiados” que saem da península arábica e do norte da África e que o Capitalismo Global, de Bill Gates e George Soros, no melhor dos casos consegue oferecer apenas um tratamento para os sintomas. Mudanças são necessárias. O mercado capitalista precisa ser regulado pelo estado. E antes que a grita dos neoliberais contra o Estado se faça ouvir aponta o fato de que a realidade contemporânea, dita “neoliberal”, registra na verdade, uma massiva presença do estado na economia e na sociedade,  só que de modo errado.

Conclui dizendo que não aceita otimismo barato e que as luzes que se vem no fim do túnel são provavelmente o trem vindo em sentido contrário. É longamente aplaudido. Reage pedagogicamente interrompendo os aplausos e admoestando a plateia: “Não tomem isto como competição barata…” e convida todos para se juntarem a ele e ao oponente a fim de confrontar com o pensamento os sérios problemas da realidade.

Entre as réplicas e tréplicas que se sucedem Zizek cativa a audiência e ao adversário com suas piadas, argumentos e a postura. Vence o debate por vários pontos de vantagem ao colocar no centro a discussão das mazelas do capitalismo contemporâneo sem poupar críticas ao stalinismo e à China contemporânea e ao tentar enfrentar com rigor as difíceis questões do momento atual.


[1] Quem não conhece poderá rir bastante assistindo

Redação

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