Como os evangélicos descobriram que Marina é evangélica.

 

A esquerda não entende muito bem os evangélicos. Tanto ela quanto a igreja católica pensou por muito tempo que o crescimento destes se deu por conta de questões materiais.

Os evangélicos não entendem muito bem a esquerda. Ainda vêem a questão social pela ótica da guerra fria e entendem temas como família apenas pelo viés moral. 

Defender a família, seria, na visão destes líderes, falar contra os gays, contra os que traem, contra a programação da tv. Muito bem. Nada contra. O problema é que não conseguem compreender a discussão de temas como MORADIA, TRABALHO, EMPREGO, EDUCAÇÃO, COMO TEMAS QUE TOCAM À ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DA FAMÍLIA!!! COMO ALGUÉM PODE MANTER SUA FAMÍLIA SE NÃO TRABALHA, SE NÃO HÁ CASA, SE NÃO HÁ EDUCAÇÃO DE QUALIDADE DISPONÍVEL? Os pastores não entendem que esses temas destroem a família muito mais que qualquer suposta propaganda homossexual.

São vários os grupos evangélicos, a maioria com algum grau de dificuldade na relação com o estado laico. Os históricos assumem uma postura de separação, mas a cultura política forjada nas décadas de guerra fria e regime militar promoveram um distanciamento da esquerda e da questão social. Neste ponto, a atuação dos crentes tem se destacado no ‘auxílio individual para problemas individuais’. Os pentecostais e neopentecostais são muito pragmáticos. Perceberam desde cedo que seus líderes poderiam ser eleitos e reforçar o trabalho do próprio grupo religioso intermediando favores e relações com o Estado. 

Desde as últimas eleições a consolidação da disputa nacional entre o PT e o PSDB puseram o debate em torno de comportamentos em segundo plano. A eleição de Collor foi a última em que estes aspectos apareceram nos guias. As articulações racionais e discussões programáticas em torno das realizações do governo Lula e do governo FHC, da situação da economia, debates em torno de taxas de juros, de crescimento econômico, o papel do Estado no financimento de atividades econômicas, o BNDES, o Pré-sal, a Petrobrás, a compreensão de todos de que os temas da sucessão seriam eminentemente temas públicos, da ordem pública, deixou de lado, completamente de lado, a discussão de temas de ordem moral, que são muito caros a parcela significativa dos evangélicos, pelos motivos que já explicitamos acima.

Marina Silva também ignorou solenemente os evangélicos. Sua origem cultural e política se deu na esquerda, na luta sindical e ambiental em torno das questões da floresta amazônica e em proximidade com a Igreja Católica e a Teologia da Libertação. Isso por si já daria a ela uma compreensão muito racional da separação entre Igreja e Estado e da fé como manifestação de ordem privada, diferente da política, campo de ação do comportamento público. Sua conversão ao evangelho deu-se depois de bastante adulta e de já ter toda a sua experiência política pessoal definida e encaminhada, já possuía uma jornada trilhada que a fez uma militante política de um partido de esquerda.

Caso contrário, houvesse ela passado cedo na vida pela experiência da conversão, não teria se envolvido com a luta sindical ou ambientalista, principalmente pertencendo a Assembléia de Deus, onde a atuação partidária tem sido uma missão dos homens. Marina começou sua campanha, portanto, como ambientalista disposta a ampliar o debate do desenvolvimento sustentável, fazendo-o uma questão nacional através da vitrine de sua candidatura. Seu primeiro programa parecia um documentário da BBC ou da National Geographic sobre a crise ambiental. Monotemática e maçante. </span>Não era o que o país queria discutir. E ficou assim até o meio da campanha. Nada de misturar a questão religiosa, que aliás, lhe traz problemas no partido ao qual se filiou. ENFIM, UMA ‘AL GORE’ TUPINIQUIM.

Os evangélicos estavam mais ou menos órfãos na eleição, desde que Garotinho, seu último ‘salvador da pátria’ foi pego em sonoros casos de corrupção e teve seus sonhos presidenciais abortados. Ignorados pelos candidatos, sem um dos seus na disputa, parecia que caminhariam para tomar sua decisão com base na racionalidade proposta pelos principais candidatos. ALIÁS, COMO DEVERIA SER UMA CAMPANHA NUM ESTADO LAICO, ONDE SE GOVERNA PARA TODA A SOCIEDADE, NÃO APENAS PARA UM SETOR. Assim, esperava-se discutir economia, meio ambiente, saúde, educação, trabalho. Quem fez mais, quem fez menos, quem não fez, quem propunha melhor para cada área, que resposta dar ao plebiscito em curso, que julgaria os 8 anos do governo Lula. 

Mas, subterraneamente, havia um caldo de cultura conservadora entre muitas lideranças que cultivam um sentimento anti-petista radical, difusamente expresso em um conjunto de reclamações de âmbito moral e em uma compreensão muito particular da sociedade, do estado laico, das liberdades individuais. Como já vimos, para estes setores não adianta nada se o governo está criando empregos, universidades, reduzindo a pobreza, enfim, porque para eles, nada disso tem nada a ver com a ‘família’.

Esses setores não distinguem o espaço público do privado e possuem opiniões contrárias à ampliação de direitos públicos de homossexuais, ainda lançam mão de termos como “comunismo”, acham até que Lula é um comunista!!!, acreditam que está em curso uma conspiração para restringir o direito de culto e de liberdade religiosa, que há uma investida do governo contra a família, reclamam contra a ‘lei da palmada’, defendem a liberdade de imprensa (quando se trata de falar mal do presidente), mas CONTRADITORIAMENTE, GOSTARIAM DE CERCEAR A MESMA IMPRENSA, quando reclamam que as grandes emissoras de televisão possuem uma programação que privilegia o ‘espiritismo’ e o ‘homossexualismo’, manifestam-se contra o aborto.

Ocorre que o triunfalismo aliado a essa cultura política conservadora consideram o mundo da política como o campo de ação de indivíduos, de heróis da fé que acabarão com a iniqüidade. A política não é percebida como ação coletiva, de partidos políticos consolidados, de programas políticos definidos, apesar de todos também reclamarem da inconsistência dos partidos brasileiros. Assim, o voto em Marina assumiu um interessante contexto de atraso político porque representou a volta do personalismo, da idéia do ‘salvador da pátria’ contra a proposta de escolher entre o PROJETO POLÍTICO REPRESENTADO PELO GOVERNO FHC/SERRA E O PROJETO POLÍTICO REPRESENTADO PELO GOVERNO LULA/DILMA.

NESSE ASPECTO É EVIDENTE O MESSIANISMO DE MARINA, QUANDO, CANDIDATA POR UM PARTIDO QUE NÃO CONSEGUIU SE COLIGAR COM NENHUM OUTRO, AFIRMAVA, SEM NENHUM CONSTRANGIMENTO QUE GOVERNARIA COM ‘OS MELHORES’ DO PSDB E DO PT! QUANTA INGENUIDADE E QUE PROJETO DESMOBILIZADOR DA IDÉIA DE POLÍTICA COMO AÇÃO COLETIVA. O último governante que o Brasil teve assim, terminou em impeachment.

Os boatos e mentiras começaram a surgir, espalhados por emails e blogs. Os evangélicos começaram a ouvi-los.Aí vem a internet e o potencial de comunicação e difusão de informação das redes sociais e alguns ‘pronunciamentos públicos’ de alguns pastores. 

O eleitorado evangélico descobriu, então [e só então], que Marina é da Assembléia de Deus. “Glórias!!! Estamos salvos!!! O Senhor nos ouviu!!! Não estamos mais destinados às mãos dos comunistas”, devem ter pensado muitos. 

A própria Marina nunca havia dirigido sua cruzada ambientalista-eleitoral a este setor, que aliás, tem uma relação igualmente delicada com o debate do meio ambiente. Aliás, CONTRADIÇÃO DAS CONTRADIÇÕES, GABEIRA NUNCA CAUSOU ESPÉCIE ENTRE OS PASTORES. 

Marina, passou, então, pragmaticamente, a alimentar esse grupo, descobrindo o potencial de votos que ele representa, apesar de, contraditoriamente, a própria Marina ir na contramão da ideologia conservadora destes setores. Foi uma aliança estranha, muito estranha. Afinal, ela defende a realização de plebiscitos para decidir a descriminação da droga, a ampliação dos casos de aborto, a legislação de união civil de homossexuais! Entre os expoentes do Partido Verde estão alguns dos mais ferrenhos militantes gays do país. Outra parte é formada por ambientalistas evolucionistas cujas idéias não muito bem vistas pelos evangélicos. Por fim, ao desprezar a vida e discussão partidária apenas reforçam o sebastianismo presente na cultura política brasileira desde o império.

Redação

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