Constitute: uma incursão do Google no mundo da política?

constitute

Ferramenta permite acessar 177 Constituições e compará-las, tema por tema. De que modo isso pode ser importante para debate público?

Por  Vinícius Vermiglio, no Amalgama

No último dia 23 de setembro, o blog oficial do Google anunciou o lançamento de uma nova ferramenta online: o projeto Constitute. A ferramenta permite acesso a 177 constituições e pretende auxiliar na redação de novos documentos similares a estes, já que todo ano aproximadamente 5 novas constituições são escritas e mais de vinte são revisadas.

O projeto Constitute possui uma interface clean, intuitiva e bastante eficiente. É possível fazer o download em PDF das constituições ou acessá-las no próprio site. Mas o grande destaque do projeto é o mecanismo de busca. Nele é possível cruzar dados por países, por continentes e até mesmo por datas. Na busca a pesquisa por tópicos é dividida em 11 categorias cada uma com seus respectivos submenus. E ainda para comparação ou para passagens que você desejar guardar, a ferramenta possui a opção de fixar o trecho desejado.

No caso da Constituição do Brasil, só é possível encontrar o documento vigente (escrito em 1988), mas o projeto indica que terá todas as constituições já escritas em todos os países. No acervo do site, a mais velha data de 1789, a Constituição pertencente aos Estados Unidos da América.

OK. Mas o que podemos fazer com isso tudo? Conversamos brevemente com o cientista político, assessor da Anistia Internacional Brasil, professor na Casa do Saber e colaborador do Amálgama, Maurício Santoro, a fim de entender melhor o projeto.

*

O que o acesso prático e nessa interface pode fazer pelas pessoas? Tanto para o cidadão comum, quando para jornalistas, cientistas políticos, professores…
Maurício: Todas as pessoas deveriam ter ao menos o conhecimento básico da Constituição de seu país. No caso de pessoas cujo trabalho ou ativismo requeira um nível maior de informação, é ainda mais importante o domínio do texto constitucional. É por ele que as pessoas têm a possibilidade inicial de saber onde começam e terminam as responsabilidades de cada nível de governo e o que é garantido aos cidadãos. É o ponto de partida para qualquer processo de cobrança e demandas ao Estado. Não adianta, por exemplo, pleitear ao governo federal o que é competência dos municípios, ou querer que o Legislativo faça o que é responsabilidade do Judiciário.

Por que o acesso prático a outras constituições pode ajudar na redação de outras constituições ainda por vir?
O método comparativo é uma das principais ferramentas de análise política desde a Antiguidade. Conhecer as constituições dos outros países é um instrumento importante para reformar nossa própria Carta Magna, identificando omissões ou aprendendo com as nações que encontraram maneiras mais eficazes de organizar seus próprios textos constitucionais.

O que uma constituição mal redigida pode fazer pelo seu país?
Constituição determina as normas políticas básicas de um país, como a forma de organização do Estado (poder central, estados, municípios), as relações entre os poderes etc. Uma constituição confusa criará zonas de indefinição que irão atrapalhar a administração governamental e as políticas públicas, aumentando o risco de conflitos políticos sérios. Provavelmente resultaria também na dificuldade de consolidar vários direitos.

O que faz uma Constituição ter mais ou menos força? Pressão popular, políticos íntegros…?
Os direitos sócio-econômicos estabelecidos na Constituição brasileira são um itinerário do rumo que o Brasil quer ser, e seu exercício se faz, evidentemente, nas possibilidades de recursos disponíveis à sociedade. Contudo, esse sempre é um campo de luta – por exemplo, o direito à saúde implica que o SUS deve bancar tratamentos experimentais para doenças raras? Nesse sentido, o texto constitucional é um importante marco para os movimentos sociais, as demandas políticas e os processos judiciais. A Constituição está viva, sua interpretação muda com o tempo e há transformações da sociedade, mesmo que o texto permaneça o mesmo – e o brasileiro muda com frequência, para o bem e para o mal.

Quais são os interesses do Google em ajudar a financiar um projeto assim?
O site é uma parceria do Google com várias universidades americanas e em sua declaração oficial eles anunciaram que a motivação foi o grande número de constituições criadas ou reformadas nos últimos 5 anos, e o desejo de ajudar as pessoas engajadas nessas mudanças. Também citam a importância desse conhecimento comparado para os cidadãos de democracias já estabelecidas. São propósitos interessantes e que ajudam a atrair mais visitantes ao Google, aprofundando ainda mais o papel de referência desse mecanismo de busca.

O Constitute Project é financiado pelo Google Ideas e as fundações voltadas para projetos de desenvolvimento tecnológico Indigo Trust e ICaoquadrado. O realizador do projeto é a Universidade do Texas, em Austin. Engenharia e web-design da Psycle e Miranker Lab.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador