Criminalização e asfixia da Universidade Pública, por Rogerio Dultra

em O Cafezinho

Criminalização e asfixia da Universidade Pública

por Rogerio Dultra

Começa a se desenhar com mais clareza o modelo Temer de intervenção nas Instituições Públicas de Ensino, especialmente na Universidade brasileira. A história das intervenções nas instituições de ensino federais é conhecida. Pode-se falar, inclusive, de três “ondas” interventivas nos últimos 40 anos.

A primeira delas, sob a ditadura empresarial-militar, inicia-se de forma organizada e burocratizada com a institucionalização das ASI’s (Assessorias de Segurança de Informação), controladas pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão de inteligência do regime.

As ASI’s foram instaladas nas Universidades a partir de 1969 e tinham como funções controlar, denunciar e prevenir atividades contrárias ao regime. Faziam isto infiltrando agentes, controlando a admissão, exonerando, perseguindo ou mesmo matando alunos, professores e funcionários (caso exemplar foi a perseguição e desaparecimento do aluno da Faculdade de Direito da UFF Fernando Santa Cruz, com a colaboração da ASI). Além disso, as ASI’s monitoravam atividades culturais, acadêmicas, associativas, sindicais e políticas nas Universidades.

A ditadura tinha um projeto claro de privatização das Universidades que só foi barrado graças à articulação e mobilização política do corpo universitário, em especial do movimento estudantil. De um lado a estratégia era precarizar as condições de ensino e, de outro forçar a privatização – em especial, a cobrança de taxas e mensalidades.

Este projeto privatizante soçobrou com o movimento pela abertura política, gerido por uma articulação entre lideranças políticas, sindicatos e a própria Universidade.

Uma segunda onda de intervenção se deu sob os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, em meados dos anos 1990. Ali o objetivo era estrangular o financiamento público das Universidades, sucateá-las e evitar seu crescimento ou mesmo manutenção – não havia sequer verba de custeio básico, ou autorização para concursos públicos: professores e funcionários aposentados não eram substituídos, por exemplo, e boa parte da atividade de ensino era realizada por professores temporários, os substitutos, ou por alunos da pós-graduação.

Paralelamente ao sucateamento do ensino público federal, viu-se uma expansão vertiginosa de cursos universitários privados, estimulados pela facilitação e flexibilização extrema da legislação regulatória.

Paulo Renato, o Ministro da Educação de FHC, comandou um processo frenético de autorizações de cursos universitários, a maioria deles sem a mínima condição acadêmica de operação. Havia até o comércio de aluguel de bibliotecas e laboratórios de informática para que os cursos fossem aprovados pelo MEC.

Durante os governos Lula e Dilma houve uma retomada do crescimento do financiamento público do ensino superior e a criação de novas unidades, mas o projeto de privatização do ensino não deixou de prosperar, com o financiamento público para o preenchimento de vagas nas instituições privadas, por exemplo. Mas ali não se tratou propriamente de uma intervenção no sentido do desmonte das instituições, como nos períodos anteriores. As Universidades e as IFE’s em geral viveram um período de investimentos e crecimento.

Hoje assistimos a terceira onda de intervenção no ensino público. Como as duas ondas anteriores, esta também tem como objetivo central a privatização e o sucateamento. Faz isto também com corte de verbas, como no governo FHC.

A novidade desta terceira onda, a onda de intervenção do regime Temer, é que ela está se configurando não somente pela asfixia financeira (como, paradigmaticamente, já está acontecendo com a UERJ, no Rio de Janeirio), mas a partir da criminalização do corpo universitário como um todo.

A estratégia é utilizar-se do discurso do combate à corrupção para perseguir e neutralizar as lideranças acadêmicas, causar medo, e mesmo  terror, no corpo universitário e fazer passar as reformas privatizantes sem que seja possível se articular reação dentro das instituições.

A “condução coercitiva” do Reitor da UFSC em setembro – que gerou o seu suicídio – e a nova investida repressiva contra o reitor e a vice-reitora da UFMG são a ponta mais visível de um iceberg que tem crescido nos últimos meses. Um conjunto não articulado de processos judiciais, investigações criminais e intervenções está tomando corpo nas Universidades e Instituições de Ensino públicas.

Este movimento, inspirado e autorizado pelas práticas ilegais inauguradas pela “Operação Lava-Jato” se realiza a largos passos pelas instâncias repressivas de sempre, com a Polícia Federal, a CGU, o TCU e o Ministério Público Federal à frente, comandados, como lembra Luiz Nassif, pelo Ministro do STF e ex-garantista Luiz Roberto Barroso.

A onda de intervenção no ensino público do regime Temer está obviamente alinhada com a criminalização da política e esvaziamento do poder legislativo, projeto tão usual em regimes autoritários. Conta com o apoio entusiasmado do principal beneficiário político deste processo, o próprio Judiciário.

Até mesmo um dos maiores intelectuais brasileiros, que historicamente defendeu a agenda de ativismo e judicialização, o professor Luiz Werneck Vianna aponta, para os seus leitores de extração conservadora do Estadão, os perigos iminentes da ditadura do judiciário.

Neste meio tempo, a inteligência do país começa a caminhar lenta, mas decisivamente, para trás das grades.

 

Rogerio Dultra

6 Comentários

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  1. Exatamente……..

    o que penso…….dito de forma clara e concisa, este paragrafo resume as intenções dessa corja:

    A estratégia é utilizar-se do discurso do combate à corrupção para perseguir e neutralizar as lideranças acadêmicas, causar medo, e mesmo  terror, no corpo universitário e fazer passar as reformas privatizantes sem que seja possível se articular reação dentro das instituições.

  2. O fim das procuradorias das

    O fim das procuradorias das universidades federais e a consequente perda de autonomia jurídica de se defender das ações e atos de governos eventuais é um ponto de inflexão importante nesse processo. Isso ocorreu com a criação, em 1998, da AGU e a incorporação das então procuradorias das ifes a este novo órgão. Apesar do art. 206 da CF88 garantir a autonomia das universidades e ser expresso nesse sentido. 

  3. Se continuarmos de braços

    Se continuarmos de braços cruzados, deitados eternamente em brerço esplêndido, como sempre temos feito, continuaremos fatalmente dominados e a seguir neutralizados pelo Poder mais nocivo do Brasil (que há muitos anos vem sendo denunciando como maior expoente da degradação do País: o Poder Judiciário putrefato que deixamos crescer).

    Há muitos culpados, sim! Mas o maior deles é o povo. Nós todos mesmos, porque estamos deixando creescer esse cancro na formulação da nossa Estrutura Social.

    Primeiro deixamos que crescesse sem-controle. Depois, deixamo-lo sugar todo um aparato econômico indizível e, com isso, atribuir-se, sem qualquer direito, uma incrivelmente burra atribuição de deuses aos mais sórdidos donos da famigerada imundície do extrato social – os “Reis-da-Cocada-Preta” (mas que deveriam continuar sempre apenas juízes – pessoas comuns, como sempre foram em tempos idos). 

  4. excelente…

    que venham outros como este,

    o que pode fazer com que sigamos atentos às reiterações de padrões nazifascistas nas autoridades que tomaram parte e ou contribuíram para a tomada definitiva do poder pelo mercado………………………padrão Temer, MPF e PF

    fazem isso, tal e qual sempre fizeram, porque sabem muito bem que as universidades públicas ensinam, e muito bem, que não se deve tolerar o que eles fazem

    e como sigo atento às repetições de padrões nazifascistas, até já sei qual será a próxima universidade a ser invadida

     

  5. São Paulo é mais eficiente

    Alkmin foi mais eficiente na destruição da USP. Primeiro nomeou João Rodas, terceiro colocado na lista tríplice, para destruir em pouco tempo o saldo financeiro da Universidade, construindo prédios inúteis e contrários ao plano diretor da Universidade, concedendo aumentos e regalias aos funcionários e fazendo coisas tão prioritárias quanto a montagem de quatro escritórios internacionais da USP, um deles em Singapura (!). Com o cofre vazio, o reitor seghinte, Antonio Zago, tomou as medidas habituais dos tucanos: cortes, perdas de direitos, vários anos sem reajuste, precarização da carreira. O atual, seu antigo vice-reitor, completará a “obra”, talvez implantando a tão sonhada cobrança, aconselhada por consultoria contratada pelo ínclito Levy, que disse que as Universidades públicas são frequentadas pelos ricos. Só por comparação, na Inglaterra, famosa pela comercializaçao do ensino desde a era Tatcher, só paga a Universidade (e mesmo assim com empréstimo para pagar só quando empregado) é quem tem renda familiar mensal de cerca de 15.000 reais. Os dados são mantidos fechados, mas creio que só uns 20% dos alunos teriam renda familiar igual ou superior.  A democratização do ensino, de Lula e Dilma, será destruída na área federal, mas Alkmin orgulha-se de ser a locomotiva paulista puxando o trem da destruição.

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