Crise hídrica: preparem-se para a guerra!

Não é mais preciso fazer previsões para o Cantareira como as que elaborei em novembro (aqui). Os cenários sombrios de então, a cada dia, consubstanciam-se em uma trágica realidade que começa a ser, ainda que de forma enviesada, retratada diariamente na grande mídia.

A blindagem midiática está sendo rompida e as manchetes se avolumam. Analisando as últimas notícias, chega-se à conclusão que, finalmente, o governo do estado de São Paulo sentiu o golpe do desabastecimento iminente, e está começando a ficar desesperado. Se fosse outro o problema, poderíamos utilizar o dito popular: “quando a água bate na bunda, ou você aprende a nadar ou morre afogado”. Mas tentemos entender as entrelinhas de algumas notícias que tem sido divulgadas:

Por exemplo, no artigo e na entrevista do presidente da Sabesp ele faz um contorcionismo verbal sobre a questão do racionamento, mas o objetivo não é esclarecer a população, e sim, aplicar uma dupla vacina: a política e a jurídica. A política, por razões óbvias, visando minimizar o estrago do termo “racionamento” na imagem do seu “bigboss”. A jurídica, está dentro da estratégia de, no futuro, quando for necessário se defender de eventual intervenção federal, crime de responsabilidade, danos materiais/morais de usuários, improbidade (por contratos emergenciais) etc…, tentar jogar a culpa toda na ANA, pela não adoção de medidas mais drásticas, e em tempo hábil, para evitar o caos que se avizinha. O próprio governador já deixou implícita essa tática dias atrás, sugerindo que ele só retira a água que o poder outorgante, a ANA, libera: “Quando a Agência Nacional de Águas (ANA) determina que tem de reduzir a vazão do Cantareira de 33 metros cúbicos por segundo (m3/s) para 17 m3/s, é óbvio que já está em restrição.” Como a hermenêutica jurídica é elástica para alguns (mais do que para os outros), pode ser que funcione.

Mas o interessante é que, aparentemente, não existe plano A, B ou C para minimizar os efeitos do grave desabastecimento que ocorrerá dentro de alguns meses na grande São Paulo. Cada dia há informações as mais inverossímeis ou inócuas para solução de curto prazo do problema. Eis algumas das “soluções” que estão divulgando para o problema da água em São Paulo, mas sem nenhum embasamento ou detalhamento sério:

Manchete 01: Água da Billings socorrerá Alto Tietê:Segundo Alckmin, a Billings pode fornecer mais um m³ por segundo para o Sistema Guarapiranga e mais 4 m³ por segundo para o Sistema Alto Tietê.”, e a reportagem continua “Mas ele não deu prazos e nem os custos das obras necessárias”. Ora, isso foi feito na crise de água de 2000, quando a reversão do Taquacetuba (braço da Billings) foi finalizada e ajudou a Guarapiranga com 2 m3/s. Creio que a proposta é um deja vu da Sabesp. Por outro lado, no Plano Diretor de Recursos Hídricos da Macrometrópole Paulista existe o estudo de aproveitamento da água do Rio Pequeno (braço da Billings) para uma produção de 2 m3/s, mas não de 4 m3/s e muito menos que essa água seria transposta para o Sistema Alto Tiete, distante uns 15 km. Portanto, a solução informada por essa notícia entra no grupo das falácias.

Manchete 02: A pedido de Alckmin, Dilma acelera obra para transposição de águas em SP: “A previsão do governo de São Paulo é que a obra esteja concluída em setembro do próximo ano”. Pois bem, além desse acordo entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro prever a transposição de apenas 5,0 m3/s do Jaguari para o Atibainha, a obra ficará pronta apenas no fim de 2016 (na melhor das hipóteses). Mesmo se a transposição já estivesse disponível hoje, não adiantaria nada, pois o Jaguari está com apenas 15 bilhões de litros de água, suficientes para uns vinte dias de consumo do sistema Cantareira, nas vazões atuais. Portanto, a solução informada por essa notícia entra no grupo das ações inócuas no curto prazo.           

Enfim, são muitos os exemplos dessas notícias que apenas confundem o cidadão, gerando uma expectativa de que tudo será resolvido. Ledo engano. A água de São Paulo acabou! Hoje (24/01) o estoque de água nos 6 sistemas de abastecimento da grande São Paulo totaliza 260 bilhões de litros. Em 24/01/2014, há um ano atrás portanto, os reservatórios do sistema acumulavam 1.000 bilhões de litros, ou seja, quase quatro vezes mais. Não é preciso ser matemático para saber que a conta não vai fechar até o fim do ano. 

Onde acabará a água primeiro? No Cantareira ou no Alto Tietê? O Guarapiranga tem capacidade para atender caminhões pipas, aos milhares, para suprir demandas de hospitais, escolas, cadeias, etc.? Até quando? Há um plano de logística para facilitar a mobilidade dos pipas? A PM é que escoltará os caminhões para não terem sua água roubada? Já estão convocando tanques das demais regiões do Brasil? A lei do mercado é quem vai ditar o preço da água de fornecedores particulares ou haverá alguma regulação/tabelamento? Serão colocadas caixas d’água nas praças e rotatórias, como foi feito em Itú, para disponibilizar um mínimo de água para a população? Etc…, etc…, etc…

Enfim, essas informações é que deveriam estar sendo planejadas no âmbito de um complexo plano de contingência que, muito em breve, deveria ser claramente apresentado para a sociedade visando minimizar o caos e o futuro sofrimento da população. Será que esse plano está sendo elaborado e os responsáveis pelo setor estão enxergando a gravidade da situação e a dificuldade de superá-la? Nesta crônica, a cegueira acomete os paulistas. Nos responsáveis por deixar essa crise se transformar em uma futura catástrofe, a cegueira parece ser irreversível.

Redação

3 Comentários

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  1. Crise hídrica

    Olá, já comecei a escultar por aí que a crise hídrica se deve ao governo Federal e à inobservância da ANA.

     

    Gostaria de saber até que ponto a ANA poderá responder por isso e se é verdade que a gestão das águas se deve única e exclusivamente à Agência Reguladora.

  2. Crise hídrica

    Olá, já comecei a escultar por aí que a crise hídrica se deve ao governo Federal e à inobservância da ANA.

     

    Gostaria de saber até que ponto a ANA poderá responder por isso e se é verdade que a gestão das águas se deve única e exclusivamente à Agência Reguladora.

  3. Contato!

    Prezado, preciso do contato do Bill para conversar acerca de aspectos metodológicos das previsões realizadas na matéria “As chuvas de verão e o cenário para o Sistema Cantareira, por Bill”. Grata, Vanessa

     

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