Cúpula da Otan e desdobramentos da Reunião do G7, por Joaquim Pinto de Andrade

Após o encontro do G7, os líderes dos países mais ricos se encontraram em Madrid, em reunião da cúpula da OTAN "em busca da paz"

Otan

Cúpula da Otan e desdobramentos da Reunião do G7

por Joaquim Pinto de Andrade

Logo após a cúpula do G7 entre 26 – 28 de junho de 2022, nos Alpes da Baviera, na Alemanha, os líderes dos países mais ricos do mundo – Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos – se encontraram, em Madrid, em 29 de junho, com os líderes dos demais países europeus integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Na pauta, examinar os limites da crise econômica provocada pela guerra, e a contribuição dos mais ricos “em buscar a paz”, enfrentando os novos desafios impostos pelo conflito no leste europeu; o alargamento das fronteiras dos países da Otan com a Rússia, com a entrada da Finlândia e da Suécia como novos membros; a estratégia de defesa e segurança do grupo, dentre outros.

A guerra na Ucrânia, com as sanções impostas à Rússia, com os obstáculos ao comércio dos produtos russos e ucranianos – milho, trigo, petróleo e gás, fertilizantes — e com o fechamento dos portos, no mar do Norte, tem tido um elevado custo. A crise de alimentos, de grãos, de combustíveis, de suprimento de muitos insumos, matérias primas e produtos intermediários estão no cerne do processo inflacionário e da recessão da economia global. A fome volta a afligir parte considerável da população mundial. Eventos climáticos extremos se sucedem, enquanto medidas voltadas para o combate ao aquecimento global têm sido negligenciadas.

A incorporação da Finlândia com 1.300 km de fronteira terrestre com a Rússia, fará com que a Otan mais do que dobre seus limites territoriais com o País. Assim sendo, a Rússia terá fronteira com seis integrantes da aliança militar: Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia e Noruega. “Ao lado de nossos aliados vamos garantir que a Otan esteja preparada para enfrentar ameaças procedentes de todas as direções em todos os domínios, na terra, no mar e no ar” disse o presidente dos Estados Unidos , Joe Biden. O argumento é de que Putin quebrou a paz na Europa e atacou os princípios da ordem baseada em regras, o que justifica os Estados Unidos e os aliados fortalecerem sua posição.

No encerramento da cúpula foi anunciado um aumento considerável e significativo no orçamento da Otan. A intenção de expansão da organização com a inclusão da Finlândia e da Suécia e a guerra implicam mais gastos em armas e segurança. O presidente norte-americano  comunicou uma ajuda adicional à Ucrânia de US$ 800 milhões, em armas. O Reino Unido de Boris Johnson fornecerá mais 1 bilhão de libras. (1) A Noruega anunciou o envio de três baterias de lança-foguetes de longo alcance MLRS. E os ministros da Defesa da Holanda e da Alemanha se comprometeram com a entrega de mais seis obuses. (2)

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A Otan comunicou que por questão de segurança, vai aumentar de 40 mil para 300 mil o número de tropas de prontidão na Europa e  a presença militar americana será ampliada na Espanha, Polônia, Romênia, nos Estados Bálticos, no Reino Unido, na Alemanha e na Itália. Joe Biden aproveitou a reunião para enfatizar que a Rússia e  também a China, representam desafios sistemáticos para os Estados Unidos e a Europa. Justo num momento em que a atividade industrial chinesa expandiu, em junho, no ritmo mais forte em 13 meses, impulsionada por forte retomada da produção, com a suspensão dos lockdowns decorrentes de sua politica de Covid-19 zero, o que levou as fábricas a intensificarem seu ritmo de trabalho para atender à demanda reprimida do próprio País e do mundo. Por conta do `avanço da China’, pela primeira vez os líderes do Japão, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia participaram da cúpula como convidados. (3)

Stoltenberg, secretário-geral da Otan, norueguês, afirmou que embora não considere a China como uma adversária, admite que “temos que levar em consideração as consequências para nossa segurança quando vemos que a China investe muito em poder militar moderno, mísseis de longo alcance ou armas nucleares, e também tenta controlar infraestruturas estratégicas, como, por exemplo, o 5G” – a rede de telefonia de última geração.

Quatro pontos chamam atenção no pós-cúpula da Otan, em junho desse ano: (i) a  questão do direito internacional; (ii) a China, importante locomotiva da economia mundial, ser tratada como uma ameaça aos países ricos; (iii) o aumento da indústria bélica num mundo que precisa de bens básicos como comida, melhores condições de saúde, investimentos em infraestrutura, saneamento etc e iv) o afastamento do caminho do desenvolvimento sustentável porque os sinais que emergem da reunião é de pouca preocupação com o Planeta ameaçado pelo aquecimento global.

Com relação ao primeiro ponto, a questão do Direito internacional, vale lembrar que essa instituição surgiu na Idade Média, juntamente com a formação dos Estados  ganhando maior relevância após a consolidação dos Estados europeus e a expansão ultramarina.

Assim, boa parte da discussão sobre a guerra entre a Rússia e Ucrânia se baseia no direito internacional defendido pelos Estados Unidos e pela Europa e que a eles beneficia. Podemos questionar a existência de um direito internacional, que deva ser aceito por todos os países. Até que ponto há uma imposição dos valores dos países da OTAN sobre o que é certo e o que é errado a nível internacional? A legitimidade da maioria das sanções econômicas baseia-se nos princípios do Direito Internacional que se consolidou entre a I e a II guerras mundiais, acordada pelos países vencedores. Ou seja, a ordem jurídica internacional, como hoje se apresenta, com suas regras e valores foi concebido pelos países hoje considerados ricos, para favorecê-los, sem qualquer preocupação com os países pobres. Não tiveram voz nessa arquitetura qualquer dos atuais gigantes emergentes.

 O segundo aspecto que devemos questionar é até que ponto a ameaça da locomotiva chinesa’ à liderança dos Estados Unidos e, em certa medida, aos países ricos da Europa, tem afetado o comportamento da Otan. O inimigo não é apenas a Rússia, mas, também, a China. É a ameaça do `comunismo’, motivo para uma nova Guerra Fria no século XXI. Só que China e Rússia não são a pequena `Cuba’.

Importa lembrar a importância da China na recuperação da economia mundial sendo responsável pelas cadeias globais de componentes de alta tecnologia que afetam boa parte das manufaturas, sem falar da sua importância na produção de componentes da cadeia sanitária. Neste sentido o seu crescimento de 8,1% no ano de 2021 teve um impacto para frente na maioria das economias desenvolvidas e em desenvolvimento. No ano de 2022 ocorreu uma redução no crescimento no primeiro trimestre para 4% mas deverá chegar nos 5,5% anual. Isto significa que a China não é um jogador qualquer no cenário global.

A expansão da produção de armamentos é o terceiro ponto que se destaca nessa ultima cúpula. A invasão da Ucrânia é um perfeito álibi para a indústria da guerra nos Estados Unidos e, em particular, justifica o fortalecimento bélico da OTAN. A nova Guerra Fria envolve armamento e artefatos nucleares, mas, também, e, principalmente, competição por novas tecnologias. Podemos imaginar uma espécie de cabo de guerra onde os ricos ocidentais de um lado tentam conter os ricos asiáticos de outro.

Enquanto se gasta bilhões de dólares com a indústria de guerra, o mundo que começa a sair da maior crise sanitária dos últimos anos sofre uma onda de desequilíbrio econômico com elevadas taxas de inflação dos países ricos tanto nos Estados Unidos(8%) como na Inglaterra e no restante da Europa. Uma provável recessão aproxima-se aumentando os efeitos da epidemia da covid 19 que deixou um rastro de pobreza e fome na América Latina e na África.

O mundo está interligado. A crise de produção provocada pela crise sanitária de um lado, e as políticas anticíclicas de outro, acabaram por provocar uma inflação pouco conhecida pelas economias ricas. A guerra justificou o aumento de gastos (militares) e com isto contribuiu também para alimentar a inflação.

Finalmente, como quinta preocupação vem a pergunta: como está a política de redução do aquecimento global com a guerra da Ucrânia? No curto prazo muito mal, o aparato da guerra é um forte indutor de emissões de combustíveis fósseis. Além do mais, o aumento de gastos militares tira recursos de outras pautas, em particular para uma economia de baixo carbono. Neste sentido, o mundo está indo de mal a pior e parece até que o plano de sustentabilidade defendido em Glasgow teria sido adiado ainda mais com o inverno chegando. Por outro lado, a dependência da Europa do petróleo e gás produzido pela Rússia é insuportável e expõe o mundo à chantagem da guerra e aos elevados preços dos combustíveis. Isto significa que o projeto de transição para energia limpa, para o desenvolvimento sustentável continua na pauta econômica, social  e ambiental global, mas será adiado por alguns anos.

Notas:

Joaquim Pinto de Andrade é formado em economia na UFRGS, com mestrado na EPGE FGV e doutorado em economia na Universidade de Harvard. Pós Doutorado em Stanford e Harvard. Atualmente é professor emérito da Universidade de Brasilia.

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Redação

1 Comentário

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  1. O que me preocupa além dos aspectos acima citados, que são relevantes; é o impacto desta crise mundial sobre a Democracia no mundo. Num estado de caos econômico e recessão, as nações costumam agir com a adoção de políticas mais duras no âmbito social e econômico; e comumente há retração da prática democrática em muitos países, que passam a optar por regimes autocráticos. Receio que poderá haver um aumento de saídas autoritárias no mundo, que podem retrair a sustentação de políticas democráticas e de Direitos Humanos. Isto pode ser um grande complicador para a Humanidade.

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