De metáforas e escrita…

Por: Eliana Rezende

 

“Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

(Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948)

 

Sim, a palavra, tal como a roupa da lavadeira precisa ser trabalhada e limpa antes de ser exposta.

É trabalho duro, de ir e vir, encontrar sua sonoridade e ritmo tal como o tecido, que ao bater contra pedras vai deixando as nódoas e sujidades que carrega.

Só aí será exposta aos olhos de todos, tal como as roupas são quaradas e alvejadas para depois serem penduradas ao tempo, recebendo a luz do sol e a brisa do vento.

Escrever é oficio, e muitas vezes representa trabalho duro de ir e vir, de repetição de tarefas, de espera. Até que fique de fato pronto para “dizer” e não apenas reluzir. Como um ourives, manipula as palavras como quem trabalha com metais e pedras preciosas. As procura, lapida e finalmente as coloca meticulosamente uma a uma como adorno ao escrito.

As palavras para mim são poderosos instrumentos e merecem ser postas e dispostas com respeito àquele que oferece parte do seu tempo para as tomar e ler.

Da minha vida errante e oscilante distribuo ideias por meio de palavras no transcurso de deslocamentos. Vida cindida entre várias cidades, gentes, modos de ser, de estar… vidas múltiplas percepções errantes. De punho, ou em um jato de tinta, contam ânimos e prismas de minhas visões de mundo. São retalhos caleidoscópicos de tantas vidas que vivi, de ideias consumidas, partilhadas e compartilhadas.

Nas palavras encontramos as metáforas que ajudam a explicar o mundo ao qual pertencemos.

Nominar é, em última instância; “trazer à existência”. São com elas que expressamos ideias, sentimentos, projetos, sonhos, expectativas, reflexões, tecemos críticas e construímos pontes entre o sensível e o visível. Com elas construímos e partilhamos o saber e o conhecimento.

Construímos mundos.

Vejo o mundo nominado pelas palavras constituído a partir de tramas que se cruzam e entrecruzam por meio de relações. Relações que são antes de tudo, troca. Troca de experiências, de sentimentos, de vida! São as relações, em toda a sua complexidade, que oferecem as tensões, os conflitos, mas também as descobertas, as quebras de paradigmas e de preconceitos. Oferecem a resistência, mas também a superação. Oferecem o desafio dos limites e a alegria da transcendência.

Proporcionam a infinita possibilidade de expansão e alargamento do ser, em sua mais pura acepção.

A escrita desta forma, vem como a sinuosidade de um rio, saber entender esse fluxo e se movimentar entre elas, dá contornos às nossas emoções e a forma como olhamos e interpretamos o mundo. É neste sentido que se transforma em comunicação.

Portanto, é sábio nunca deixar que as palavras se percam na correnteza das ideias.

_______________

Posts relacionados:

Palavras vincadas

O papel e a tinta por Da Vinci

Em Tempos de Tintas Digitais: Escritos e Leitores – Parte I

Pensados a tinta e escritos à máquina

Chegamos ao fim da leitura?

Vendem-se palavras

*

Publicado originalmente no Blog Pensados a Tinta

Siga o blog também através de sua página no Facebook

 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. isso é o fio da meada, é questao de trabalho

    seria nao perder o fio da meada. mas nao compartilho que seja uma questao de sabedoria, porque quando voce se depara com um escrito de muitas páginas e muitos personagens, e aquele que escreve nao perde o fio da meada, e sustenta cda detalhe e segue os passos de cada pa´gina-personagem-ideias-personalidade etc, isso eh apenas uma facilidade de escrita que se tem, uam facilidade para trabalhar isso que eh uma historia e lembrar de tudo como se isso fosse algo sobre o qual nem se pensa, acontece, e voce nao se perde, nao perde o fio da meada. E o leitor, sim, deve ser sabio o suficiente para saber quando ele se perde nas ideias revoltosas de um escrito, e nao é capaz de chegar a, porque as ideias podem nao ser tao simples e podem nao querer terminar no papel e sim na cabeca de cada leitor, e apenas sabemos se entendemos, seja aquele que escreve, seja aquele que le, quando chegamos ao final e tudo fecha exatamente como uma roupa bem lavada que pode ser colocada na gaveta. quem escreve sabe quando chega a esse ponto, e quem le também.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador