De Vargas a Cristiane Brasil: o que aconteceu com o PTB?

Fundado sob a liderança de Getúlio Vargas, partido que já teve Leonel Brizola em seus quadros defende hoje “trabalhismo” só no nome
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Jornal GGN – De “trabalhismo” o PTB atual só mantém o nome, é o que ponderam estudiosos da história política no Brasil, entrevistados pela BBC. O partido ganhou notoriedade recente após a deputada federal pela sigla, Cristiane Brasil, indicada para ocupar o Ministério do Trabalho, ter sido barrada na justiça por uma liminar, sob a alegação de falta de moralidade assumir o cargo alguém que sofreu dois processos na justiça do Trabalho.
 
Para completar, o pai da deputada e líder do PTB, Roberto Jefferson, em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, defendeu a extinção da Justiça do Trabalho classificando-a de “excrescência brasileira” e “babá de luxo”. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi fundado por Getúlio Vargas, o presidente brasileiro que criou as principais políticas em defesa do trabalhador. A Justiça do Trabalho, inclusive, foi instalada no Brasil em 1941, durante o Estado Novo. Acompanhe a reportagem a seguir. 
 
BBC
 
De Getúlio Vargas a Cristiane Brasil, como o PTB passou do trabalhismo histórico aos ataques à Justiça do Trabalho
 
Mariana Alvim
 
Há oito décadas, Getúlio Vargas liderava a consolidação do trabalhismo por meio de instituições simbólicas desta corrente ideológica como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho, além do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 1945.
 
Mas o princípio de 2018 vem mostrando como, com o passar do tempo, o mesmo PTB se descolou de suas origens ideológicas. Em meados de janeiro, o presidente atual da sigla, Roberto Jefferson, defendeu ao jornal Folha de S. Paulo a extinção da Justiça do Trabalho, formada durante o Estado Novo. Jefferson classificou-a como uma “excrescência brasileira” e uma “babá de luxo”.
 
Enquanto isso, sua filha, a deputada federal pelo PTB Cristiane Brasil, fez referências à Justiça do Trabalho em um vídeo publicado nesta segunda-feira. Nele, ao lado de quatro amigos em um barco, a parlamentar se defende das acusações abertas por dois ex-funcionários na Justiça do Trabalho, onde foi condenada. Em meio a embates judiciais e políticos, as denúncias trabalhistas contra Cristiane Brasil vêm impedindo que ela assuma o Ministério do Trabalho, cargo ao qual foi indicada pelo presidente Michel Temer no início do mês.
 
“Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata. O negócio é o seguinte: ‘Quem é que tem direito?’. Ainda mais na Justiça do Trabalho. Eu, juro pra vocês, eu juro pra vocês, que eu não achava que eu tinha nada para dever para essas duas pessoas que entraram (com processos)”, diz a deputada no vídeo.
 
Para estudiosos da história política brasileira consultados pela BBC Brasil, os episódios recentes, além do posicionamento do partido em pautas como a reforma trabalhista, mostram que, do “trabalhismo”, o PTB atual só mantém o nome.
 
“Da minha perspectiva, o PTB não existe mais. Existe a sigla, mas não o seu sentido original. O partido deu recentemente provas inequívocas do seu descompromisso com essa tradição política”, diz a historiadora Angela de Castro Gomes, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Os mais importantes líderes do PTB estariam se revolvendo no túmulo ao olharem para o partido atualmente”.
 
Em nota, a assessoria de imprensa do partido atual afirmou que a sigla “mais do que nunca” defende os direitos dos trabalhadores na política.
 
“O PTB luta pelos trabalhadores sem voz e que pagam a conta da deformação das relações de trabalho”, diz a nota. “O PTB foi e é um partido reformista e de vanguarda, está à frente de seu tempo, entende as aspirações da classe trabalhadora, da classe média urbana e do mundo rural”.
 
Para entender os caminhos do partido, é preciso voltar para alguns dos momentos mais importantes da política brasileira, como o Estado Novo, a ditadura militar e a redemocratização.
 
Era Vargas
 
Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas assume a Presidência do país. Em 1937, instaura autoritariamente o Estado Novo, que até 1945 vai ser marcado por políticas como a unicidade sindical, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a criação da Justiça e do Ministério do Trabalho – este particularmente fundamental para a projeção do trabalhismo e posterior fundação do PTB, em 1945.
 
João Trajano de Lima Sento-Sé, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), indica que o partido, embora em sua origem tenha sido o “primeiro grande partido de massas do Brasil”, continha ambivalências que foram exacerbadas nas décadas recentes.
 
“Por um lado, sem sombra de dúvidas, o PTB foi o partido que melhor conseguiu encarnar, de 1945 a 1964, as questões dos trabalhadores e sindicalistas a ele filiados. Ele foi a grande sigla de atuação político-partidária da esquerda neste período”, afirma Sento-Sé. “Mas o PTB não era um partido exclusivamente de trabalhadores. Havia segmentos residuais conservadores, ligados às classes médias urbanas e que formavam uma certa burocracia partidária”.
 
Com o suicídio de Vargas em 1954, o partido se vê diante de um esforço de renovação e competições internas – mas, ao longo da década seguinte, conquista significativos ganhos eleitorais. O petebista João Goulart, que assume a presidência em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros (à época, presidente e vice eram eleitos em pleitos separados), dá continuidade ao projeto trabalhista herdado de Vargas.
 
Mas, com o golpe militar de 1964, o PTB passa a ser o principal alvo, entre os partidos, da repressão. Em 1965, a sigla, entre outras, é dissolvida pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2).
 
Redemocratização
 
Em meio à abertura política na transição entra as décadas de 1970 e 1980, o PTB se torna alvo de uma disputa judicial por sua titularidade. Competem pela sigla grupos liderados por Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio), de um lado, e Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pela Guanabara, que representava a ala mais à esquerda do partido.
 
Em 1980, por decisão da Justiça Eleitoral, o PTB fica com Ivete Vargas. Brizola, então, funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
 
Segundo Sento-Sé, enquanto Brizola era identificado pelos trabalhistas históricos como o herdeiro legítimo ao PTB, Ivete Vargas era tributária dos setores mais conservadores do partido – tendo trânsito, inclusive, entre os militares.
 
“O processo de redemocratização foi controlado pelas elites vinculadas aos militares de forma que o poder não escapasse destas mãos. O trabalhismo era o grande fantasma e tinha um nome singular que assustava especialmente: o de Brizola”, diz o cientista político. “Os setores conservadores influenciaram decisivamente na vitória judicial de Ivete Vargas. É historiograficamente aceito que a decisão judicial teve clara influência dos militares”.
 
De acordo com Sento-Sé, tal “renascimento” do PTB logo o batiza como um partido conservador – e a herança de Vargas e do trabalhismo acaba sendo associada ao PDT de Brizola.
 
“Quem ganha a competição pelo legado histórico e pela relevância política é o PDT. Isso mostra que a sigla é importante, mas mais ainda é o que ela vai encarnar e defender”, aponta Castro Gomes.
 
Ressignificando a história
 
Comunicados oficiais e recentes no site do PTB, porém, defendem um alinhamento entre a atuação atual do partido e suas origens históricas.
 
Alguns deles, por exemplo, fazem referência ao passado do trabalhismo na defesa da reforma trabalhista – uma das principais pautas do governo Temer, aprovada no Congresso e sancionada em 2017.
 
“O PTB tem a identidade de raízes, de pregação doutrinada, nos primados trabalhistas de Getúlio Vargas. Cremos nesse sindicalismo, no movimento do trabalhador e na inspiração judaico-cristã. Somos cristãos e cremos nesse tipo de organização e na busca da conquista por meio do diálogo. Nós não somos socialistas. O PTB foi construído para ser um partido trabalhista, diferente daquele que prega a ditadura do proletário”, diz Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, em um comunicado de março de 2017. Continue lendo…
 
Redação

7 Comentários

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  1. Partido Trabalhista Brasileiro?

    Os porta-vozes do PTB podem escrever mil comunicados dizendo que o PTB esta ligado ao trabalhador que so a imagem de um Roberto Jefferson com uma Cristiane Brasil é suficiente para demonstrar a quem serve o PTB desde que o retiraram de Brizola.

    1. PTB….

      O Partido continua o mesmo. Formado sob a genética da Ditadura e Autoritarismo Sanguinário. Destrui o maior período democrático que este país já teve, que havia produzido a queda de forma de governo medieval e implantado a vanguarda do liberalismo e republicanismo democrático. Não à toa é deste Governo Republicano o voto livre, facultativo, Santos Dumont, Carlos Chagas, Emilio Ribas, Oswaldo Cruz, Vital Brasil, os Modernistas…O Mundo lotava navios na esperança de tornar-se Brasileiro: Alemães, Japoneses, Suiços, Ucranianos, Poloneses, Italianos, Espanhóis, Norte-Americanos…Fugiam de seus países destruídos e miseráveis para viverem no país que mais crescia no planeta. Tudo destruido por Elites Esquerdopatas, que constituiram tal Governo em siglas como deste partido. Figuras menores e abjetas como Leonel Brizola, que deram apoio a um Ditador ao invés da plena democracia. E depois ainda dizem não compreender o Brasil de 1964, quero dizer de 2018?! Ou é a mesma coisa?! O Brasil é de muito fácil explicação.      

  2. Origens

    Quando da extinção dos antigos partidos – provocada pela derrota dos adeptos da ditadura  em Minas e no Rio – a deputada Ivete Vargas tentou ingressar na ARENA, mas foi vetada pelos militares, devido a sua fama pouco elogiável. (O deputado paulista Carvalho Sobrinho fez a seu respeito uma quadrinha terrível, que terminava afirmando que ela era deputada “sem o da e sem o de”). Anos mais tarde, os militares lhe deram a sigla PTB, reivindicada por Brizola, com o objetivo óbvio de transformar o antigo partido no que ele é hoje.

  3. GOLBERY TIRA DE BRIZOLA A

    GOLBERY TIRA DE BRIZOLA A SIGLA PTB

    Ivete Vargas, aliada do general, registra no TSE a legenda histórica

    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concede a legenda e a sigla do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ao grupo encabeçado pela ex-deputada Ivete Vargas, que havia feito o pedido de registro antes do ex-governador Leonel Brizola. A decisão é um golpe nos planos de Brizola, que pretendia retomar a sigla histórica depois de 15 anos de exílio. Ao saber da decisão do TSE, Brizola chorou e, num gesto teatral, escreveu as letras PTB em uma folha de papel para em seguida rasgá-la diante das câmeras.

    “Consumou-se o esbulho”, afirmou Brizola, acusando o general Golbery do Couto e Silva, mentor da “abertura”, de ter patrocinado a adversária. O PTB original foi criado por Getúlio Vargas em 1945 e era o partido do presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Pelo PTB, Brizola foi o deputado mais votado do Brasil em 1962 e pretendia disputar as eleições presidenciais de 1965, abortadas pelo golpe. Quinze anos depois, a legenda e o trabalhismo ainda tinham forte apelo eleitoral no Brasil.

    Brizola já trabalhava para refundar o PTB há bastante tempo. Em 1979, antes da anistia, organizou um encontro de lideranças socialistas em Lisboa com esse objetivo. Os textos aprovados nessa reunião defendiam um “Novo Trabalhismo”, que lutasse para construir “uma sociedade socialista e democrática”.

    Derrotado na disputa pela sigla do PTB, Brizola fundaria o Partido Democrático Trabalhista (PDT), com o ideário aprovado no encontro de Lisboa. O PDT terá forte presença no Rio Grande do Sul e no Rio, onde eram mais fortes a memória política do trabalhismo e a liderança de Brizola. O PDT iria disputar quadros tanto com o PMDB quanto com o PT.

    Sobrinha de Getúlio Vargas, a ex-deputada Ivete Vargas faria do novo PTB uma linha auxiliar de do PDS (ex-Arena), em troca de cargos no governo do general presidente João Baptista Figueiredo. Numa evidência de que o PTB de Ivete não era mesmo o sucessor histórico da legenda de Getúlio e Jango, o novo partido recebeu a filiação do ex-presidente Jânio Quadros, que havia sido eleito presidente em 1961 contra a coligação PSD-PTB. 

    Memorial da Democracia

     

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