Defensoria Pública contesta fake news de Barroso, por Luis Nassif

Barroso fomenta o mito da elitização, mas a presunção de inocência tem viés racial, diz Pedro Carriello.

Se você é um Ministro da Suprema Corte, e desenvolve um discurso que compromete sua reputação junto ao meio jurídico, mas aumenta a popularidade junto ao público leigo, qual é o seu objetivo? A lógica diria que é usar a Justiça de palanque para seguir carreira política.

Ontem o Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu a demonstração definitiva de qual é o público que visa com seus discursos.

Um dos seus argumentos recorrentes, a favor da prisão após julgamento em 2ª instância, é que a medida só beneficiaria meia dúzia de ricos, que dispõem de advogados. Sustentou que os pobres, que só tem a Defensoria Pública para defende-los, não serão afetados.

Da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Pedro Carriello contesta os números de Barroso.

Seu principal sofisma é só trabalhar com a ideia da absolvição. “Com habeas corpus, a Defensoria tem conseguido diminuição de pena, mudança de regime e algumas nulidades processuais que acabam acarretando significativas melhoras ou absolvição de forma indireta, anulando o processo”, explica ele.

Mais que isso, o ponto central é que os tribunais de 2ª instância, em geral, não seguem o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF. Cabe à Defensoria utilizar habeas corpus ou interpor recursos para demonstrar aos tribunais estaduais a interpretação dos tribunais superiores. “Quem cria o emaranhado de recursos são os juízes de segunda instância”, explica ele.

Barroso fomenta o mito da elitização, mas a presunção de inocência tem viés racial, diz Carriello. E as decisões do Supremo têm impacto forte na ponta, na polícia. “O ataque ao direito fundamental da presunção de inocência, acaba por se irradiar na ponta, com a PM no morro relativizando também. Hoje mães do Rio torcem para que seus filhos sejam presos, porque a alternativa é serem mortos. Hoje preto é presunção de que é culpado caminhando pela periferia”.

Trata-se de uma questão racial, que se comprova nas audiências de custódia, em que se prendem mais os pretos e soltam menos os pretos.

As estatísticas corretas

Em artigo publicado no site do Grupo Prerrogativas, Pedro Carrielo e Rodrigo Pacheco desmontam a tese da elitização do Judiciário. As defensorias têm conseguido cinvo vezes mais sucesso do que a banca privada.

De acordo com o levantamento, dos 27.779 recursos da Defensoria, em 12,28% houve diminuição da pena e em 8,44%, a alteração do regime prisional.  Juntando todos os benefícios, absolvição, substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos e prescrição, chega-se a 1.155 pessoas, ou 4,16% dos casos, que teriam sido presas injustamente até a decisão do STJ.

Dados da Defensoria Pública de São Paulo mostra resultados ainda mais expressivos. Estudos de Davi Eduardo Depiné Flho e Rafael Muneratti mostram que, somando concessões totais ou parciais, no STJ o índice de algum êxito ficou entre 45% em 2015 a 75% em 2010. Em dez anos, ficou em 54,5%.

A Defensoria analisou 770 decisões de mérito concedidas pelo STJ em 2016.

  • 5 decisões concederam substituição de penas privativa de liberdade por restritivas de direitos,
  • 11 decisões afastaram o argumento da hediondez do crime para fixação do regime fechado e permitiram a alteração do regime,
  • 4 decisões diminuíram a pena aplicada em razão da ausência de fundamentação idônea para o aumento aplicado,
  • 19 decisões compensaram a atenuante da confissão com a agravante da reincidência implicando em diminuição de pena,
  • 44 decisões alteraram pena e/ou regime em casos de condenações por tráfico de entorpecentes e
  • 4 decisões absolveram o paciente em razão da aplicação do princípio da insignificância.

Número expressivo de liminares – 117 – foram concedidas para alteração de regime inicial de cumprimento de pena com base nas súmulas 440/STJ e 718 e 719/STF.

Em recursos especiais e agravos, foram analisadas 591 decisões editadas entre fevereiro e abril de 2015. O total foi de 44 % de algum sucesso.

No STF, foram 282 decisões em habeas corpus. Dessas, 32 32, ou 11% foram concessivas total ou parcialmente.

No STF, em 2016, das 282 decisões em habeas corpus,

  • 32 decisões concessivas de ordem, total ou parcial, ou 11%.
  • Concessões com base nas súmulas 718 e 719/STF foram 10.
  • Ainda, 4 decisões reconheceram a ocorrência de privilégio no crime de tráfico de drogas com impacto significativo na pena e regime fixado, e
  • 3 decisões diminuíram a pena aplicada ao paciente.

Em 2017, analisamos 10.040 decisões de mérito em habeas corpus impetrados no STJ. Dessas, 5.250 foram decisões concessivas total ou parcialmente da ordem, correspondente a 50,48%.

No STF, analisamos 494 decisões de mérito em habeas corpus impetrados em 2017. Dessas, 43 foram decisões concessivas total ou parcialmente da ordem, correspondente a 8,7% de algum sucesso.

Em 2018, analisamos 9.731 decisões de mérito em habeas corpus impetrados no STJ. Dessas, 6.068 foram concessivas da ordem total ou parcialmente, correspondente a 61,84%.

No STF, analisamos 262 decisões de mérito em habeas corpus impetrados em 2018. Dessas, 41 foram decisões concessivas total ou parcialmente, correspondente a 15,6% de algum sucesso. Em 60 impetrações foi pedida a aplicação das súmulas 718 e 719/STF, das quais 9 foram concedidas. No total foram 17 decisões alterando o regime inicial. Ainda, tivemos mais 3 concessões para alteração de regime inicial sem menção de súmulas, 2 decisões reconhecendo o privilégio no crime de tráfico de drogas, 2 decisões de redução da pena aplicada e 7 decisões reconhecendo a atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância e por ausência de lesão ao bem jurídico.

A maioria das decisões foi por habeas corpus, que não é afetado pela decisão de 2ª instância. Mas a quantidade de ações demonstra os problemas de se terminar na 2ª instância. Como dizem os autores, “não é porque se tem o remédio que se pode perpetuar a doença”. Mesmo no caso de HC, há um tempo mínimo entre a edição do acórdão em segundo grau e a concessão da ordem pelo STF.

 

Luis Nassif

12 Comentários

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  1. Nada de bom, legal, jurídico e constitucional podemos esperar desse ministreco, sempre e sempre, a favor do fascismo e da culpabilidade via punição: é da sua natureza-escorpião. Todos são culpados até que a rede globo, por exemplo, diga que não. trabalhador padrão da casa grande. chefete de senzala: capitão do mato.

  2. Para alguns juristas, Luis Roberto Barroso perdeu-se. Ja eu acho que ele se encontrou. Vai, Barroso, ser candidato no PSDB do Doria (mais limpinho) para dizer à ralé o quanto ela precisa de um iluminado, tal qual.

  3. Porque o Excelsior Ministro Luix Fux vai votar a favor da prisão penal de pessoas presumidamente inocentes?

    Ora, porque, segundo ele:

    “É preciso observar que, quando uma interpretação constitucional não encontra mais ressonância no meio social, (…), e se há algo inequívoco hoje, A SOCIEDADE NÃO ACEITA MAIS ESSA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DE UMA PESSOA CONDENADA QUE NÃO PÁRA DE RECORRER”.

    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246

    Em outras palavras: o Ministro Luiz Fux vai votar a favor da execução antecipada da pena privativa de liberdade (mas não a pena de multa nem das pena restritiva de direitos) não porque tal execução provisória seja constitucional, mas porque a sociedade só aceita a presunção de inocência de uma pessoa condenada que pára de recorrer.

    O Fux vai votar a favor do encarceramento de pessoas presumidamente inocentes não fundamentado na Constituição mas com base no suposto clamor popular.

    Oh, Heavens!

  4. O Ministro Roberto Barroso não pretende tornar mais suave a vida do pobre, ele quer tornar menos suave a vida do rico.

    Ontem, ao proferir seu voto no processo cujo objeto é a declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP, O Ministro Roberto fez as seguintes afirmações:

    “Aqui decidimos uma vez, depois a segunda, a terceira, estamos decidindo a quarta, e nada diz que no ano que vem alguém possa mudar de opinião, e a gente vai discutir de novo. A jurisprudência é um valor intrínseco em si. Precedente existe para ser respeitado”. – Barroso

    Porque o entendimento jurisprudencial que impedia a prisão penal antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória não foi respeitado?

    “O $upremo Tribunal Federal é o intérprete da Constituição Federal, mas não é o dono dela nem seu único intérprete. Após a condenação em segunda instância, não há mais dúvidas”. – Barroso

    E após a absolvição do réu pelas instâncias ordinárias, não há mais dúvidas sobre a inocência do réu? Se não há, qual seria a razão de se recorrer para as instâncias extraordinárias?

    “Eu trouxe os três casos para o plenário. E perdi os três. O garantismo nem sempre funciona quando o réu é pobre, no caso de insignificância, muito pobre. O sistema é duríssimo com os pobres e bem manso com os ricos”. – Barroso

    O erro é a superdureza do sistema para com os pobres ou sua mansidão para com os ricos?

    A solução é tornar o sistema menos duro para os pobres ou menos manso com os ricos?

  5. O problema todo não é jurídico, é político e tem nome: lula- e eles- todos eles, não se conformam de ver uma pessoa de origem humilde alcançar um êxito numa área que tradicionalmente é reservada a eles e que influi diretamente na vida da nação. A CF/88 em duas passagens afirma claramente que a prisão se dará apenas após o trânsito em julgado. E eles fazendo toda essa encenação para justificar o injustificável. Não à toa, tem um ditado que diz: “de bunda de criança e cabeça de juiz, toma cuidado porque nunca se sabe o quê e quando pode acontecer”.

  6. De acordo com o Ministro Roberto Barrão, as absolvições, após condenações em segunda instância, são irrisórias, ficando abaixo de 1%, tanto no STJ, quanto no STF. Portanto, “subordinar todo o sistema de Justiça a esses números irrisórios de absolvição não é razoável”.

    Antes um inocente preso do que um culpado livre. Os inocentes devem pagar pelos criminosos.

    “Há três espécies de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas”. – Benjamin Disraeli

  7. O que fazer com essa Libélula Desbrochada? Vida pessoal não vem ao caso,certo? Mas estamos tratando de uma figura pública que ocupa uma das mais importantes funções do Judiciário brasileiro.A quem esse pavão serve?A Globo? Também.Mas no fundo,as paixões arrebatadoras faz-nos cometer verdadeiras loucuras para não sermos abandonados por um amor de verão.O caso desse sujeito me remete a obra prima de Luchino Visconti,Morte em Veneza.A resposta está lá.

  8. Como esperar seriedade no país, se a instituição onde, até mais que os templos religiosos, não deveriam as falas serem baseadas nas inverdades? Como falar em combater fake news, com esta falta de seriedade?
    Com o mundo se insurgindo contra os excessos do/no estado, vamos economizar bastante já que os próprios agentes das instituições as mostram desnecessárias.

  9. Pode isso Arnaldo?… Não! A regra é clara!
    A constituição é inquestionável. Ficam certos Ministros fazendo firulas para modificar a lei.
    Ora, cabe a estes Funcionários Públicos, com enorme poder sobre a vida de outros cidadãos, capazes de tirar a liberdade, cumprir a lei e não fazer leis.
    Fazer Leis é prerrogativa dos Representantes do Povo legalmente eleitos. Se querem modificar isto que levem ao Legislativo.
    Funcionários Públicos que fazem suas leis abrem as portas para o Estado de Exceção. Leis fabricadas conforme os interesses do momento!!!!

  10. “Só tem a Defensoria Pública”. Visão extremamente preconceituosa. É como se os defensores não fossem competentes. Barroso, Fux, Toffoli erros crassos do PT que tratou com total descaso o STF, não deu a importância devida. Não por acaso Lula, INOCENTE, está numa prisão. Se depender da atual configuração do stf, Lula morre lá.

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