Delação não basta: Juiz rejeita denúncia da Lava Jato contra Palocci e Mantega

Além da falta de provas, as defesas dos acusados argumentaram que o caso deveria ser analisado em Brasília, e não em Curitiba

Por Fernanda Valente

Do Conjur

Elementos reunidos durante as investigações, como depoimentos, mensagens e anotações contábeis não oficiais de réus delatores, não servem de indícios da prática de crimes suficientes à abertura de ação penal. Com esse entendimento, o juiz Marcus Vinicius, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, rejeitou denúncia do Ministério Público Federal contra os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega por corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro.

A acusação é de que eles receberam propina para atuar na aprovação das Medidas Provisórias 470 e 472 para beneficiar o grupo Odebrecht. A denúncia tem como base a delação de Marcelo Odebrecht.

A decisão é desta terça-feira (22/12). Nela, o juiz considera que mensagens trocadas entre os réus, planilhas de controle financeiro elaboradas e alimentadas com dados fornecidos por eles equivalem às declarações que prestaram na delação, “porquanto inoficiosas e produzidas unilateralmente”.

De acordo com o julgador, a narrativa da denúncia “transita no limite tênue da inépcia”, porque não descreve, objetivamente, todas as circunstâncias dos fatos ilícitos, conforme prevê o artigo 41 do Código de Processo Penal.

Segundo o juiz, os procuradores imputaram aos denunciados “condutas atípicas e desprovidas de elementos mínimos que lhe deem verossimelhança”. Um exemplo citado é a narração da suposta corrupção passiva de Palocci. Para o juiz, neste ponto, a denúncia é ampla e genérica, além de não ter suporte probatório, “não sendo capaz de delimitar os contornos do fato típico”. A acusação não especifica tempo, local, valores ou modo de agir dos denunciados.

Denúncia
Também foi apresentada denúncia contra os ex-representantes da Odebrecht Marcelo Odebrecht, Maurício Ferro, Bernardo Gradin, Fernando Migliaccio, Hilberto Silva e Newton de Souza e os publicitários Mônica Santana, João Santana e André Santana.

A investigação apontou que Marcelo Odebrecht, com o auxílio de Maurício Ferro, Bernardo Gradin e Newton de Souza, ofereceu promessas indevidas aos ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci e Guido Mantega, com o objetivo de influenciá-los na edição da medida provisória.

A promessa de propina aceita por Guido Mantega teria o valor de R$ 50 milhões, quantia que permaneceu à sua disposição em conta específica mantida pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, sob o comando de Fernando Migliaccio e Hilberto da Silva. Este montante somente seria usado mediante a autorização de Guido Mantega, sendo que parcela desse valor teria sido entregue aos publicitários Mônica Santana e João Santana, além de André Santana, para serem usados na campanha eleitoral de 2014.

As supostas solicitação, promessa e pagamento de propina aos agentes públicos teriam viabilizado a edição das duas medidas provisórias, que permitiram à Braskem a compensação de prejuízo com débitos tributários decorrentes do aproveitamento indevido de crédito ficto de IPI, cujo reconhecimento havia sido negado anteriormente por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Na decisão desta terça, o juiz Marcus Vinicius também extinguiu a punibilidade de Mantega pelo crime de corrupção passiva. E rejeitou a denúncia contra Maurício Ferro, Bernardo Gradin, Hilberto Mascarenhas, Newton de Souza, André Santana e Olívio Rodrigues.

Vaivém por competência
A denúncia foi apresentada em 2018, tendo inclusive determinação de prisão de Guido Mantega (que foi para domiciliar) e de Maurício Ferro (que foi solto por decisão de setembro de 2019, do juiz federal de Curitiba, Luiz Antonio Bonat).

De lá para cá houve muita discussão acerca da competência para a análise da demanda. As defesas dos acusados argumentaram que o caso deveria ser analisado em Brasília, e não em Curitiba.

No Supremo Tribunal Federal, o pedido foi levado pela defesa de Mantega e acolhido pelo ministro Gilmar Mendes, que mandou o caso para apreciação pela Justiça Federal do Distrito Federal. O ministro argumentou que os precedentes da corte apontam que a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba limita-se a fraudes e desvios de dinheiro na Petrobras.

“A competência não pode ser definida a partir de um critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independente das peculiaridades de cada situação”, disse à época.

Depois, o advogado Fábio Tofic Simantob, que representa Mantega, pediu para que os autos fossem distribuídos a 12ª Vara Federal do DF e não a 10ª, que fica sob comando do juiz Vallisney de Souza Oliveira. O criminalista alegou que o chamado “quadrilhão do PT” foi julgado por ele, de forma que existem fatos coincidentes. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região concordou.

Decisão técnica
Fábio Tofic Simantob diz que a decisão foi técnica e “mostra como delações produzidas em escala industrial somada à competência artificial de Curitiba foram capazes de gerar acusações infundadas e tecnicamente imprestáveis”.

Atuam na defesa de Palocci os advogados Tracy Reinaldet, Matteus Macedo e Giovanni Diniz. “De modo lapidar, Marcus Vinícius reconhece a ausência de justa causa da denúncia contra Antônio Palocci. A análise técnica do juízo é louvável e evitará que uma ação penal sem lastro probatório mínimo seja iniciada em desfavor do ex-ministro”, afirmam.

“Houve uma reparação, após um transcurso longo, um juízo comprometido com decisões racionais e lógicas entendeu por rejeitar a denúncia em desfavor de Newton de Souza. O cotejo analítico dos fatos não poderia resultar em outra decisão”, afirma o advogado Thiago Turbay, que atuou na defesa de Newton de Souza. Atuaram em conjunto os escritórios Boaventura Turbay Advogados e Pavan, Lapertina, Silveira Advogados.

Maurício Ferro é representado pelo advogado Gustavo Badaró.

Redação

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