Desapropriação em obras de Infraestrutura: Uma reflexão sobre a política de reassentamentos

A implantação de obras de infraestrutura exige, em praticamente todos os casos, a desapropriação de um grande volume de áreas e, consequentemente, o desalojamento de um contingente significativo de pessoas e atividades.
 
O Brasil tem passado por importantes mudanças na forma de contratação de seus projetos públicos de infraestrutura. Temos deixado para trás a velha forma de contratação de obras públicas pela fenecente lei 8.666/93 e adotamos, cada vez mais, as figuras da concessão comum e, agora, das Parcerias Público Privadas para a implantação de grandes projetos.
 
Nesse cenário, as necessárias desapropriações e desocupações carecem de nova reflexão. Se antes eram realizadas diretamente pela Administração Pública agora tem sido comum a previsão, especialmente nos contratos de PPP, da transferência para a iniciativa privada da execução dos atos da desapropriação e de alguns riscos a ela relacionados, tais como a variação dos preços dos imóveis, o risco dos atrasos no cronograma de obras e a obrigação de remoção e reassentamento de ocupantes irregulares dos imóveis.
 
Essa assunção de obrigações pelo setor privado impacta, diretamente, o custo dos projetos para o Poder Público na medida em que todos os riscos não gerenciáveis pelo privado acabam sendo precificados na proposta apresentada para o setor público: “there is no free lunch”.
 
Para além disso, os investimentos necessários para as desapropriações e desocupações não costumam ser financiáveis pelos agentes financiadores exigindo aporte de capital próprio pelos acionistas das concessionárias. Igualmente, as incertezas decorrentes encarecem o custo de capital do acionista, demandando um maior retorno do projeto.
 
Dentre esses riscos está a obrigação de remoção e reassentamento das pessoas que ocupam irregularmente as áreas necessárias para a implantação dos projetos.
 
Essas pessoas estão em situação distinta daquelas que detém a propriedade regular dos imóveis desapropriados e que, pela legislação, devem receber indenização prévia e justa pelo bem adquirido forçadamente.
 
Aqui, estamos tratando das pessoas que são impactadas pela implantação do projeto por razões outras que não a perda da propriedade em si como, por exemplo, as pessoas que possuem apenas a posse dos imóveis ou, embora detenham a propriedade, residem em imóveis tão degradados que o valor da indenização não será capaz de custear a aquisição de nova moradia ou, ainda, o fato de que certas obras aceleram a mudança de perfil em uma mesma região, alterando sua vocação ou encarecendo seu custo, tornando difícil aos proprietários desapropriados comprarem imóveis semelhantes no mesmo bairro ou recolocarem seus negócios na mesma região.
 
Para essas situações o Decreto-Lei nº 3365/41, até mesmo pelo contexto histórico em que foi concebido, não apresenta soluções.
 
Por isso, e premidos pelas exigências dos bancos e organismos financiadores em seus contratos de financiamento, sobretudo os internacionais, os entes públicos estão instituindo programas que disciplinem especialmente as hipóteses de reassentamento de famílias removidas em razão de implantação de obras públicas.
 
São exemplos a Lei 7.597/98, publicada pelo Município de Belo Horizonte, o Decreto nº 43.415/2012 editado pelo Estado do Rio de Janeiro e, mais recentemente e a Portaria 317/2013 baixada pelo Ministério das Cidades e que trata dos deslocamentos involuntários de famílias de seu local de moradia ou de exercício de suas atividades econômicas, provocados pela execução de programa e ações, sob a gestão do Ministério, inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
 
Esses programas, em linhas gerais, disciplinam as ações sociais que devem ser observadas para atendimento das famílias atingidas por uma obra pública tais como o pagamento de aluguel social, a obrigação de imediato reassentamento em outro imóvel, a garantia de vagas em escola para as crianças e adolescentes atingidos.
 
Algumas dessas legislações preveem, ainda, a participação dos assentados no processo de definição de realocação e assentamento e as medidas que busquem soluções de acesso à moradia digna e aos meios de reprodução econômicos, culturais e sociais, de forma a restaurar, ou melhorar, as condições sociais, de vida e de renda das famílias afetadas.
 
Não obstante a importância de política pública que se sensibilize à proteção de populações vulneráveis é preciso ter cuidado para que a execução dessas políticas alcance, de fato, as famílias atingidas pelos projetos de governo e seja executada de modo consciente pelo Poder Público para que não haja o chamado “fura-fila” nos cadastros públicos para a obtenção de moradia popular.
Também é necessário considerar a exequibilidade dessas políticas em projetos de infraestrutura de forma a atender as famílias afetadas, mas garantindo a viabilidade do projeto que se pretenda implantar.
 
A existência, por si só, de uma legislação avançada sobre o tema não tem o condão de alterar a realidade. Não bastará prever uma série de obrigações e depois transferi-las ao setor privado sem um criterioso exame prévio.
 
Isso levaria ou a uma contratação muito cara e, possivelmente, inviável ou a uma “fuga” do mercado ou, ainda pior, poderia levar à contratação do concessionário que oferecer proposta menor porque detém menos informações e estudos sobre o real valor dos custos das desapropriações e desocupações necessárias ao projeto.
 
É fundamental que a Administração Pública, no momento da modelagem de seus projetos, cerque-se de cautela, calcada em estudos técnicos para a tomada de decisão de transferir ou não os custos e riscos das desapropriações e desocupações para o setor privado de modo que o valor da contratação passe por uma avaliação de custo/benefício que garantirá, também, a atratividade do projeto junto ao mercado.
A verdade é que o grau de detalhamento, atualidade de seu conteúdo e aprofundamento dos estudos técnicos prévios, realizados pelo Poder Público e disponibilizados ao privado é o que fará efetivamente diferença no sucesso da execução das políticas de reassentamento e em uma acertada decisão de transferência dessa obrigação ao setor privado para a implantação de projetos de infraestrutura sem um gasto desmesurado.
 
Assim, quanto mais conhecimento, domínio e planejamento o Poder Público tiver sobre o projeto que pretenda implantar, mais consciente serão suas decisões.
 
Inês Coimbra de Almeida Prado é mestre em direito administrativo pela PUC/SP, procuradora do Estado de São Paulo e membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI.
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador