Descredibilidade no STF pode ser notada tarde demais, por Thomaz Pereira

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto-montagem: VioMundo
 
Jornal GGN – A atuação individual de ministros da Suprema Corte desvirtua o respaldo coletivo da máxima instância do Judiciário, que por sua característica de autonomia e pelo fortalecimento da Instituição, carrega um respeito histórico. É nesse contexto que declarações, opiniões e posturas alheias a julgamentos manifestados em palestras, entrevistas ou outros espaços públicos não colaboram para a credibilidade da Justiça.
 
A opinião é do professor da FGV Direito Rio e doutorando em direito pela Universidade de Yale (EUA), Thomaz Pereira. “Ao atuarem individualmente, os ministros se beneficiam sozinhos da autoridade coletiva do tribunal -e a erodem”, escreveu, em artigo na Folha.
 
Segundo o professor, as consequências deste desgaste vão além do baixo índice de confiança da população na Justiça brasileira (que é medido por levantamento da FGV): “A tragédia do Supremo Tribunal é que ele corre o risco de descobrir que desperdiçou sua autoridade apenas no momento em que suas determinações deixem de serem seguidas.”
 
Por Thomaz Pereira
 
A tragédia no STF
 
Na Folha de S. Paulo

Na Economia, a noção de “tragédia dos comuns” designa o risco de esgotamento de um bem coletivo em razão do uso egoísta por membros da coletividade.

Sendo os benefícios pessoais, e os custos diluídos no grupo, cada indivíduo tem incentivo para usar o recurso ao máximo -e à exaustão.

O conceito explica a atual situação do Supremo Tribunal Federal. A sua autoridade é um recurso escasso, da qual depende o respeito por suas decisões. É também um recurso coletivo, que cada ministro tem usado conforme seus próprios interesses.

Ao atuarem individualmente, os ministros se beneficiam sozinhos da autoridade coletiva do tribunal -e a erodem.

A autoridade da corte é por eles consumida em pronunciamentos políticos na imprensa, em liminares heterodoxas, em pedidos de vista que impedem o julgamento de processos e em participações em julgamentos em que deveriam se declarar suspeitos.

Os economistas sugerem duas soluções para a “tragédia dos comuns”: regulação ou cooperação. Nenhuma delas parece funcionar no caso do STF.

Não falta regulação. Tanto a lei como o regimento interno do tribunal disciplinam o comportamento dos ministros, sem sucesso.

A lei proíbe que deem opinião sobre decisões judiciais ou processos pendentes de julgamento, mas isso não os tem impedido de se manifestarem corriqueiramente na imprensa.

Liminares muitas vezes são concedidas mesmo sem apoio na jurisprudência do STF, ou mesmo quando proibidas por lei específica. E, quando concedidas de forma controversa, nem sempre são prontamente submetidas ao plenário.

Pedidos de vista interrompem julgamentos por meses, ou mesmo anos, ignorando o prazo regimental. Arguições de impedimento são arquivadas sem serem levadas ao plenário, tornando cada ministro o único juiz de sua própria suspeição.

Na ausência de instituição capaz de impor o cumprimento das regras existentes, só resta a cooperação como limite mútuo entre os ministros. No entanto, estes não se coordenam para limitar seus colegas. Permitem que cada um aja sem receio do colegiado.

Ficam, assim, desenhadas as condições para o esgotamento individual da autoridade coletiva do Supremo.

A preocupação não é teórica. A corte já experimenta reações a decisões individuais de seus magistrados. Quando uma liminar determinou o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado Federal, o tribunal foi surpreendido pela resistência dos senadores, indicando que só obedeceriam ao colegiado.

Quando outra liminar determinou o retorno à Câmara dos Deputados do projeto das dez medidas contra a corrupção, um “acordo” teve de ser feito depois que Rodrigo Maia (DEM-RJ) sugeriu que o melhor caminho seria esperar uma decisão do plenário.

Aos poucos o tribunal é forçado a perceber na prática a escassez da sua autoridade, esbanjada irresponsavelmente.

Sobre o tema, ministros e seus defensores poderiam mencionar pesquisas que indicam maior confiança da população no Judiciário do que no Legislativo ou no Executivo. Não chega a ser motivo de comemoração, porém. Todos os três Poderes têm níveis de confiança baixos.

Em 2017, o Índice de Confiança na Justiça Brasileira, medido pela FGV Direito SP, foi de apenas 24%. Não só muito baixo como 5 pontos abaixo do índice de 2016.

A tragédia do Supremo Tribunal é que ele corre o risco de descobrir que desperdiçou sua autoridade apenas no momento em que suas determinações deixem de serem seguidas. Se isso vier a ocorrer, tragicamente, será tarde demais.

THOMAZ PEREIRA, 35, professor da FGV Direito Rio, é mestre e doutorando em direito pela Universidade Yale (EUA)

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. cenoura

    fugindo do assunto, mas nem tanto:

    não ví, em qualquer blog, comentário sobre o discurso alucinado do cenoura na Assembleia Geral da ONU.

    e olhem que, nele, somos explicitamente ameaçados de extinção.

  2. Certamente, este quadro,

    Certamente, este quadro, apontado pelo Prof. Thomaz Pereira, tem enorme influência sobre os acontecimentos da semana, em que um militar de alta patente, fardado, ameaçou o país em nome da corporação. Há uma grande lacuna de poder no país e o os militares já perceberam isto. É uma pena que estejamos caminhando tão rapidamente para uma situação desesperadora, pois nada seria pior para o país (em qualquer aspecto que se possa imaginar) do que uma nova ditadura militar.

  3. Quando baixa o espírito do

    Quando baixa o espírito do individualismo, do uso de poderes públicos para fins pessoais, do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, do estabelecimento e da afirmação das desigualdades, do “estado mínimo” (ou pelo menos menor do que as firmas individuais e privadas)… enfim, quando baixa o espírito do neoliberalismo numa sociedade, vira essa porcaria mesmo. Não se pode corromper o caráter público e coletivo do estado. Tá pensando que neoliberalismo é algo relacionado apenas à Economia, é?

    Abutres e urubus – estrangeiros e nacionais – passam a rapinar o corpo adoecido que é um estado tomado pela apologia ao indivíduo. Mas estados não são como pessoas. Estados não morrem porque são o conjunto de cidadãos que, estes sim, vão morrendo e nascendo. É possível pensar em uma pessoa sem estado mas não faz sentido imaginar um estado sem pessoas nem um estado de somente um indivíduo. Estados são coletividades e por isso, públicos.

    Discordo do Thomaz Pereira quanto ao “tarde demais”. O Brasil não vai morrer. Mas continuaremos adoecidos enquanto não afastarmos da administração pública o espírito privatista. E isso vai desde o guarda que faz “bico” até o presidente que recebe empresário escondido, na garagem do palácio. Passando por geddéis, aécios, cunhas, dallagnóis, moros etc. Basta a gente parar de eleger – nas urnas e na vida – lustrosos com cara de bem sucedidos empresários para cargo público.

    ***

    Em tempo: ora, se um guarda ganha mais nos bicos, por que se mantém no cargo público? Fácil: é que é o cargo público que lhe dá acesso aos bicos. Assim como Dallagnol e Moro jamais teriam acesso à glória, fama, dinheiro, oportunidades, troféus e medalhas se não fosse por seus cargos públicos. O funcionário da prefeitura ganha pouco no cargo de fiscal de rua mas se não fosse fiscal de rua não ganharia muito achacando camelôs. O juiz só é convidado para convescotes em hotéis 5 estrelas no litoral sul da Bahia porque é juiz. E assim vai…

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