Desmascarando o aumento salarial e a MP 568

O Diário Oficial de hoje trouxe a medida provisória 568, que foi anunciada pelo Planalto como “Governo concede aumento salarial a 1 milhão de servidores”. O texto da MP ao longo das 55 páginas traz uma séria de mudanças aparentemente inócuas no texto das leis de dezenas de carreiras do serviço público federal, uma mudança no Regime Jurídico Único da lei 8112 e várias tabelas de remuneração.

Por trás dessa MP “benigna” esconde-se na verdade o texto do famigerado PL 2203/2010, que ganhou infâmia ao longo de sua tramitação no congresso ao tentar acabar com o adicional de  insalubridade previsto na lei 8112.

Seção XXIV

Dos Adicionais de Insalubridade e de Periculosidade

Art. 86. A Lei nº 8.112, de 1990 passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres, perigosos ou em

contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas, ou com risco de vida, fazem jus a um

adicional, conforme os valores abaixo:

I – grau de exposição mínimo de insalubridade: R$ 100,00;

II – grau de exposição médio de insalubridade: R$ 180,00;

III – grau de exposição máximo de insalubridade: R$ 260,00; e

IV – periculosidade: R$ 180,00.

…………………………………………………………………………………..” (NR)


Compare-se o texto da MP com o original da lei 8112:

Art. 68.  Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo.

        § 1o  O servidor que fizer jus aos adicionais de insalubridade e de periculosidade deverá optar por um deles.

        § 2o  O direito ao adicional de insalubridade ou periculosidade cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão.

E percebe-se o efeito da MP: transformar os adicionais de insalubridade e periculosidade, hoje pagos como percentagem do vencimento básico, em valores fixos e sem previsão de reajuste. Se considerarmos que o maior grupo atingido pela medida, profissionais de saúde nas áreas de enfermagem e medicina tem vencimentos básicos entre 1500 e  5500 reais, percebe-se que a MP reduz a remuneração efetiva dos profissionais em até 9%.

O caratér maquiavélico da medida transparece no artigo seguinte da MP:

Art. 87. Caso o disposto nesta seção acarrete redução do valor global da remuneração total de servidor ativo que, na data de entrada em vigor desta Lei, vinha recebendo adicional de insalubridade ou de periculosidade, a diferença será paga a título de vantagem pessoal nominalmente identificada de, conforme o caso, adicional de insalubridade ou de periculosidade, de natureza provisória, que será gradativamente absorvida por ocasião do desenvolvimento no cargo por progressão ou promoção ordinária ou extraordinária, da reorganização ou da reestruturação dos cargos ou das remunerações previstas nesta Lei, da concessão de reajuste ou vantagem de qualquer natureza, sem prejuízo da supressão imediata na hipótese do art. 68, § 2º, da Lei no8.112, de 1990.


Como a CF proíbe a redução nominal dos proventos, a MP ao tornar o adicional de insalubridade em valor fixo em lugar de percentagem dos vencimentos acaba anulando os efeitos financeiros dos futuros aumentos salariais, progressões, promoções e reajustes. O propagandeado aumento salarial na verdade tenta bloquear e anular aumentos nominais de remuneração de categorias que recebem insalubridade e periculosidade.

Atençào também deve ser dada as dezenas de páginas com as modificações “inócuas” dos textos das leis das carreiras envolvidas. Praticamente nenhuma carreira que hoje recebe gratificação de desempenho escapou das “novas redações”. Como exemplo cito a carreira de Perito Médico Previdenciário:

REDAÇÃO ANTIGA:

Art. 38.  Fica instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade de Perícia Médica Previdenciária – GDAPMP, devida aos titulares dos cargos de provimento efetivo da Carreira de Perito Médico Previdenciário e da Carreira de Supervisor Médico-Pericial, em função do desempenho individual do servidor e do alcance de metas de desempenho institucional.

NOVA REDAÇÃO:

 

“Art. 38. Fica instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade de Perícia Médica Previdenciária – GDAPMP, devida aos titulares dos cargos de provimento efetivo da Carreira de Perito Médico Previdenciário e da Carreira de Supervisor Médico-Pericial, quando em efetivo exercício nas atividades inerentes às atribuições do respectivo cargo no Ministério da Previdência Social ou no INSS, em função do desempenho individual do servidor e do alcance de metas de desempenho institucional.

 

Mudanças similares ocorreram nas demais carreiras atingidas pela MP, quer tenham recebido aumento, quer não. O acréscimo do texto “…em efetivo exercício…” é mais um capítulo na guerra judicial travada entre servidores e governo desde a criação dos penduricalhos do contracheque. O governo insiste em recolher contribuição previdenciária sobre as gratificações, mas se recusa a inseri-las no cálculo da aposentadoria, inclusive dos servidores que entraram no serviço público antes de 2003 e fazem jus a integralidade. Após sucessivas derrotas no tribunais, os quais vinham salomonicamente aplicando o príncipio “recolheu contribuição previdenciária sobre uma parcela na ativa, esta parcela deve ser incluída no cálculo da aposentadoria”, o governo adota nova estratégia modificando sutilmente a lei. Naturalmente o destino desta tentativa é nova derrota judicial, mas se a MP 568 não for derrubada no Congresso os aposentavéis terão que retornar aos tribunais, mesmo naquelas carreiras que já conquistaram judicialmente a incorporação das gratificações a aposentadoria.

Finalmente a MP é propagandeada como “novo aumento dos servidores” quando na verdade é apenas o texto do PL 2203/2010, que continha os acordos salariais negociados ao longo de 2010 para as categorias “beneficiadas”. Alguns desse acordos previam aumentos já a partir de março de 2012, mas o PL 2203 empacou no congresso desde 2010, graças as dificuldades de convencer os parlamentares a endossar um plano tão controverso. A MP “salvadora” está sendo vendida a imprensa como necessidade para fazer entrar em efeitos os aumentos dos servidores da universidades federais, mas se isso fosse toda a verdade, a Presidenta Dilma poderia simplesmente ter criado uma MP contendo apenas e especificamente os aumentos salariais, sem necessidade de tentar forçar via Medida Provisória matérias polêmicas em debate no Congresso há 20 meses. 

A MP 568:

-é mais uma batalha na guerra Constitucional pela incorporação das gratificações as aposentadorias

-acaba na prática com os adicionais de periculosidade e insalubridade

-traveste de aumento salarial as impopulares medidas acima

Sua assinatura antes do Dia das Mães diz muito sobre o amor da Presidenta a seus filhos servidores.

Redação

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