Desmatamento aumenta população do inseto vetor da doença de Chagas, no Pará

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A enfermidade é também relacionada à extrema pobreza e ao consumo de açaí. Foto da comunidade de Abaeté no Paraí (Foto: Morgana Pinto Amaral)

do Amazônia Real

Desmatamento aumenta população do inseto vetor da doença de Chagas, no Pará

Catarina Barbosa

Belém (PA) – A médica Dilma Souza, da Universidade Federal do Pará (UFPA), diz que o desmatamento na Floresta Amazônica está aumentando a população de barbeiros (Triatoma infestans), o inseto transmissor da doença de Chagas, no estado. Ela explica a relação entre o desmatamento e a enfermidade, dizendo que “o homem se envolveu nessa cadeia de transmissão, a partir dos desmatamentos que ocorrem de forma desordenada, e que são frequentes na Amazônia. A situação vem alterando o cenário epidemiológico da doença, favorecendo, inclusive, o crescimento da população vetorial”, diz a médica e pesquisadora da Faculdade de Medicina (Famed).

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos últimos quatro anos, as taxas do desmatamento no Pará estão em alta (veja o infográfico). Em 2018 o aumento foi 16,7% em relação ao período de agosto a julho do ano passado.

De janeiro a novembro de 2018 foram registrados 223 casos de doença de Chagas, conforme os dados divulgados pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) no ano passado. Um homem de 80 anos morreu no mês de agosto em decorrência de complicações por conta da doença. Ele era morador do município de Acará, no nordeste do estado.

Dilma Souza é uma das autoras do “Manual de recomendações para diagnóstico – tratamento e seguimento ambulatorial de portadores de doença de Chagas”, tendo como co-autora a médica Maria Costa Monteiro. Dilma afirma que “Agora é importante dizer que o desmatamento soma a uma série de outros fatores. Como, por exemplo, os poucos investimentos em políticas públicas e a falta de higienização do alimento consumido evitaria que uma pessoa adoecesse, por exemplo”.

O outro fator do crescimento da doença no Pará, segundo a pesquisadora, é a migração das populações da zona rural para a urbana. Segundo ela, “A pessoa adoece ou traz o animal infectado pelo trypanosoma cruzi para a zona urbana. Para se alimentar, o inseto barbeiro procura mamíferos de sangue quente para se alimentar, entre eles, o homem. Quando não há contaminação direta, ele contamina outro mamífero – que abriga e transmite o parasita. Essas também são formas de trazer a doença para o centro urbano”, explica a especialista.

Em 2006, o Brasil recebeu o certificado internacional de interrupção da transmissão da doença. No Pará o primeiro caso de morte da enfermidade aconteceu, no bairro de Canudos, em Belém, em 1968. No estado a doença avança, principalmente, em áreas de extrema pobreza, onde há produção do açaí.

Os sintomas da doença de Chagas são: febre, mal-estar, inchaço nos olhos, vermelhidão no local da picada do inseto, fadiga, irritação sobre a pele, dores no corpo, dor de cabeça, náusea, diarreia, vômito, surgimento de nódulos e aumento do tamanho do fígado e do baço.

A contaminação do açaí

No Pará, a transmissão da doença de Chagas ocorre mais comumente quando a pessoa ingere um alimento que foi contaminado pelo protozoário Trypanosoma Cruzi. Isso pode acontecer tanto pela trituração do barbeiro juntamente com as frutas de palmeiras como açaí ou da bacaba. Contudo, as fezes do inseto também contaminam os alimentos.

A médica Dilma explica que “o protozoário vive no estômago do barbeiro, que é o único vetor da doença. Como o inseto se alimenta de sangue, ele procura animais de sangue quente e um deles é o homem, mas também podem ser aves e pequenos roedores. A doença também não transmite de mamífero para mamífero”.

Na região Norte, várias doenças endêmicas apresentam sintomas semelhantes à doença de Chagas aguda, como a malária, a febre tifoide, o calazar e a dengue, embora a última tenha períodos de febre menos prolongados. “Só o exame é capaz de dizer se é doença de Chagas, mas temos observado que os pacientes têm aparecido, além da febre persistente, o rosto inchado”, pontua a médica.

Surto na ilha do Marajó

O último surto confirmado de doença de Chagas, pelo IEC, foi registrado na localidade de Jupatitiba, em Curralinho, na ilha do Marajó, em outubro deste ano. Na ocasião, cinco pessoas da mesma família, que ingeriram açaí contaminado, adoeceram e estão em tratamento. Elas têm idades que variam de 15 a 75 anos e foram diagnosticadas entre os dias 4 e 8 de outubro. Entre as pacientes há uma jovem com 15 anos, que estava grávida de nove meses.

A pesquisadora Ana Yecê das Neves Pinto, que trabalha no Instituto Evandro Chagas (IEC) e também é chefe do Setor de Atendimento Médico Unificado (SOAMU), explica como a jovem foi tratada. “Ela teve que ser submetida a um tratamento específico e como o bebê já estava formado, ela recebeu a medicação sem maiores complicações. O bebê, uma menina, nasceu em 3 de novembro de parto cesáreo e passa bem. Os exames parasitológico e sorológico da criança foram negativos. A mãe teve alta e já voltou para o município de origem”, explica a pesquisadora.

Considera-se surto da doença quando duas ou mais pessoas da mesma família ou localidade adoecem, após consumir o alimento contaminado. No caso da família de Curralinho, houve ingestão de açaí por todas as pessoas da família e elas foram infectadas.

“Os surtos ocorrem a partir de agosto, devido ao verão amazônico, que faz com que o inseto se movimente, passando, então, a ser uma forma de contaminação mais comum para a população”, explica a pesquisadora.

Ana Yecê explica que o IEC faz o acompanhamento da doença, por meio de estudos epidemiológicos, que consistem em descrições, onde são listados os dados do quadro clínico do paciente. “Fazemos isso porque a doença de Chagas é relativamente nova entre nós. Classicamente, ela existe há mais de 100 anos, mas na região ela é relativamente recente, ou seja, 20 anos”, afirma.

Dentre as variações observadas nos últimos anos, somente o número de casos aumentou. A pesquisadora alerta que a população pode se prevenir cobrindo frestas de portas e janelas, para que o barbeiro não entre em casa. Além disso, deve limpar o ambiente adequadamente e manipular bem o alimento que ingere cru, como as frutas, não devendo roer o caroço de açaí. “As pessoas têm esse hábito, mas não é indicado, porque o caroço pode ter as fezes do parasita”, alerta Ana Yecê.

Capacitação ajuda no diagnóstico

A pesquisadora do IEC, Ana Yecê explica que o aumento no número de registro de pacientes com a doença de Chagas, em 2018, se deve ao fato dos profissionais serem capacitados para fazer o diagnóstico precoce da enfermidade. “Antes, o diagnóstico era tardio. As pessoas chegavam com mais de um mês contaminadas pela doença. Agora, elas vêm com uma semana, iniciam o tratamento e ficam bem, sem quaisquer complicações”, afirma.

O tratamento da doença é feito com uma medicação ofertada pelo Ministério da Saúde: falta colocar o nome do medicamento. O remédio é distribuído para os estados e municípios, por meio da Coordenação Estadual de Chagas da Secretaria Estadual de Saúde.

“O IEC recebe casos suspeitos ou o município faz o diagnóstico, que é relativamente simples, por meio do exame gota-espessa: uma das formas de detectar a doença. Hoje, a maioria dos municípios está capacitado para realizar o exame. Se ele não conseguir, pode encaminhar o paciente com quadro febril para o Evandro Chagas, ou até mesmo para a vigilância do município de Belém”, detalha a pesquisadora.

Segurança na exportação

A pesquisadora do IEC, Ana Yecê das Neves Pinto, explica que “é possível que uma pessoa em São Paulo contraia a doença de Chagas se ingerir um alimento contaminado. Contudo, isso depende da carga parasitária (o quanto o alimento está contaminado) e da resposta imune imediata própria da pessoa que o ingeriu (capacidade do indivíduo eliminar o parasita sem que este lhe cause doença), Mas isso pode acontecer com qualquer parasita, ou mais comumente com bactérias, caso o alimento não tenha sido submetido aos processos que garantem sua total ou parcial esterilidade e higiene, incluindo a sua conservação”.

O Governo do Pará diz que desde 2011 atua em parceria com órgãos municipais para executar o Plano Estadual de Qualidade do Açaí. Foi quando surgiu o selo “Açaí do Bom”, que certifica estabelecimentos que aplicam todos os processos adequados na produção do açaí, garantindo, assim, a sua qualidade. O plano foi integrado às instituições públicas, privadas e à Associação de Vendedores Artesanais de Açaí de Belém (Avabel).  

Atualmente, o processo do branqueamento do açaí é uma prática obrigatória para a limpeza do açaí no Pará. No processo, o fruto é colocado durante 10 segundos mergulhado em água com temperatura de 80°C. De acordo com pesquisas desenvolvidas pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), o aparelho branqueador garante que a temperatura mate tanto o Trypanosoma cruzi, que morre aos 54°C, como também a salmonella e elimine a presença de coliformes fecais.

O branqueamento do açaí também favorece mais segurança para a exportação do açaí, que pode ser conservado por mais tempo congelado, uma vez que houve redução das enzimas que poderiam prejudicar o alimento. Segundo a Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), o estado detém a maior produção nacional do açaí, o que corresponde a 98,3%. O dado mais recente que eles têm é de 2015, quando a receita com a produção agrícola foi de R$ 1,8 bilhão para a economia paraense. As Regiões de Integração do Tocantins e Marajós são as maiores produtoras do açaí, com destaque para os municípios de Igarapé-Miri, Abaetetuba, Bujaru, Cametá e Portel.

No que diz respeito ao mercado internacional, somente no primeiro semestre de 2018, a receita com a exportação do açaí foi de 13,4 milhões de reais, o que corresponde a (US$ 3.530.872), sendo os países que mais compraram o produto foram: Japão, Estados Unidos e Austrália. No mercado nacional, Rio de Janeiro e São Paulo consomem cerca de 650 toneladas/mês de polpa de açaí, e mais de 1.000 toneladas/mês na forma de mix com o guaraná e granola.

Gotas de hipoclorito

Segundo a médica Dilma Souza, uma medida simples que evitaria que as pessoas se contaminassem seria tratar o açaí antes de ser disponibilizado para o consumo. Ela recomenda que se limpe o açaí tirando os gravetos, folhetos e depois colocando-o de molho por 20 a 30 minutos, com três a cinco gotas de hipoclorito de sódio. Depois, é só jogar água a 80 graus (fervendo) e em seguida água fria. “Assim, elimina-se a chance de ter doença de Chagas. Não é 100% garantido, mas a probabilidade [de contaminação] é bem menor e o ideal é que as pessoas fizessem isso com todas as frutas [de palmeiras]”, finaliza.

 

 

Lourdes Nassif

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