DILMA: GOVERNAR COM O POVO OU PARA QUEM QUER O DESTINO DE ZELAYA?

(Ou: para entender o “STF bolivariano” de Gilmar Mendes…)

 

Por volta de 20,15 hs da noite de domingo último quem assistia a Globo News já vislumbrava que Dilma estava reeleita lendo as expressões faciais desoladas dos comentaristas.

Não muitos minutos após a confirmação matemática da vitória o tema STF emergiu. Lembrou-se que Dilma deverá nomear até 2018 cinco ministros do STF.

O que explica que temas tão candentes de macroeconomia, como política de juros, salários, inflação, crescimento, empregos, etc., não tenham sido os primeiros a vir à mente do jornalista? O que explica que um assunto que sempre foi distante das preocupações do eleitor, em tal momento pelo menos, em que se apurava o resultado de uma eleição presidencial, emergisse imediatamente na emissora que é um dos polos – talvez o mais relevante – do conservadorismo cuja derrota havia sido então anunciada?

Lembrar de alguns fatos não muito longínquos pode nos ajudar a entender isto.

O golpe contra Lugo no Paraguai somente foi possível com a eficaz cumplicidade do Judiciário. O jurista Pedro Estevam Serrano lembrou na ocasião, tendo tido a paciência de deter-se sobre a Constituição do Paraguai, que um infrator de trânsito teria mais recursos de defesa do que o concedido ao presidente privado de seu mandato.

O presidente Zelaya, de Honduras, foi preso por ordem judicial e em seguida embarcado em um avião para a Costa Rica.

Aqui houve a violação de regras triviais de Direito Penal e Processo Penal para condenar políticos na Ação Penal 470 (“mensalão). Muitos de nós, juristas comprometidos, não com alguma militância partidária, mas com os cânones iluministas do bom Direito, denunciamos isto incansavelmente (e até o extremamente conservador Ives Gandra o fez).

Vimos a sessão do STF, transmitida pela televisão para todo o país, em que o ministro Joaquim Barbosa dirigia sorrisos e palavras de escárnio a um colega que propunha uma pena que redundaria em prescrição. E então ficamos sabendo que as normas do Código Penal relativas à dosimetria da pena estavam sendo descumpridas pelo relator Barbosa para que a pena de prisão fosse aplicada a políticos de projeção nacional. E assim foi, na véspera de um 15 de novembro, em um estapafúrdio espetáculo midiático.

A conclusão é que a direita deu-se conta de que pode perder eleições, mas ainda assim conservar parte do poder pela utilização de um dos instrumentos mais importantes do aparelho do Estado, o Judiciário, e por meio dele dar golpes que antes eram dados pela força das armas. Não vivemos mais o tempo dos golpes militares. Este é o tempo dos golpes constitucionais.

Uma leitura política – mas também psicológica – daquele comentário na Globo News a respeito do STF, minutos após a confirmação da reeleição de Dilma, seria a de um consolo, para si e/ou para os frustrados eleitores de Aécio: “calma, não é assim tão grave, ainda temos o STF”.

Considerando algumas das nomeações para a mais alta Corte do país feitas nos últimos 12 anos, o alívio do pessoal da Globo e a nossa preocupação procedem. Nisto, os últimos governos ganharam a eleição mas não levaram o aparelho do Estado em sua integralidade, como era da regra do jogo. Parece haver uma grande preocupação com o “bom mocismo” para não assustar as vetustas estruturas de poder e garantir a “governabilidade”. A julgar pelo passado bem recente, é o velho tiro no pé.

Ao tentar mostrar-se “confiável” para garantir o mandato conquistado nas urnas, concedem-se instrumentos para golpistas e comete-se o erro que pode ser trágico para a democracia neste momento: abrir mão do poder real em benefício dos que jamais se conformarão com a derrota e farão de tudo para ganhar o “terceiro turno”.

Tem-se dito que será um grande problema para Dilma o clima de radicalização que a eleição gerou. E seguem-se os cansativos discursos de “conciliação” e “união nacional”. Esta é uma sociedade de classes, desigual, injusta. É a chamada visão ideológica da sociedade que explica essa ladainha conciliatória, que é ideológica no sentido marxista da palavra, de aparência que encobre ou deforma a apreensão da realidade. Não há “união nacional” nem “conciliação” entre os que sugam 40% do orçamento da União na condição de rentistas e a população que mal sobrevive com a bolsa família e precisa de investimentos sociais e de políticas públicas.

Após a apuração um amigo, conservador que respeito e admiro pelas qualidades intelectuais e de caráter, me dizia (lembrando ser leitor de Burke) que eu estava comemorando uma vitória de Pirro por causa do clima de radicalização e das dificuldades que se avizinham em vista disso. Eu respondi a ele (lembrando ser leitor daquele que Burke considerava seu maior inimigo filosófico, Rousseau) aproximadamente o seguinte: é bom que as tensões aflorem e que não haja mais a histórica prática nacional de conciliação que, ao fim e ao cabo, sempre deixa de lado os excluídos.

Vejo que não estou sozinho nisso ao ler na edição da Folha de São Paulo de quinta-feira, 30 de outubro, o que pensa o filósofo Marcos Nobre: “a eleição acirrou a luta de classes. Estamos num momento em que a democracia brasileira tem que se decidir se vai se aprofundar ou se vai continuar patinando. As instituições até agora funcionaram para bloquear a diminuição da desigualdade no país. É a ideia de que todo mundo tem que andar em bloco para que todos fiquem mais ou menos onde estão”. Respondendo a uma pergunta sobre o ódio nas eleições, Nobre diz que “não devemos recuar de medo, dizendo que isso é muito perigoso. É preciso ver esse ódio como manifestação de uma sociedade que quer aprofundar sua democracia”.

A presidenta Dilma bem que poderia fazer uma placa e colocar em seu gabinete esta advertência de Atílio Boron, em um artigo postado na segunda-feira após a eleição: “uma das lições mais ilustrativas [sobre os últimos doze anos de governos do PT]  é a ratificação da verdade contida nos ensinamentos de Maquiavel quando dizia que por mais que se façam concessões aos ricos e poderosos jamais deixarão eles de pensar que o governante é um intruso que ilegitimamente se imiscui em seus negócios e no desfrute de seus bens. São, dizia o florentino, “insaciáveis, eternamente inconformistas e sempre propensos à conspiração e à sedição”.

Assim, ao tomar decisões transcendentes para o país, seja uma nomeação de ministro do STF, seja uma decisão de política econômica, a presidenta lembrará quem a elegeu e lembrará quem quer para ela o destino de Zelaya, aquele presidente que foi preso por ordem judicial, posto em um avião e deportado. E que decida para quem governa, afinal.

Que tenhamos medo apenas do medo.

(Publicado originalmente no site Justificando)

Redação

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