Ecos do Carnaval carioca de 2015

Números de um equívoco anunciado

Para o Carnaval de 2015, como é de conhecimento dos fãs, o júri da Liesa sofreu uma revitalização imensa. No meio da renovação, os quatro jurados de samba-enredo foram trocados para este ano. A decisão foi bastante polêmica, já que o julgamento do quesito em 2014 foi avaliado pela opinião geral como excelente. Uma dádiva, já que o samba-enredo é tido como o grande ingrediente do carnaval das escolas de samba e, para muitos, é o que deve ser julgado com mais critério.

Em 2015, havia um temor de uma banalização da nota dez e o nivelamento de bons sambas com obras ruins, e que o quesito se tornasse neutro na decisão da escola campeã. Dei uma checada no julgamento de samba-enredo de outros anos para fazer uma comparação e… notar (definitivamente) que a troca foi uma gafe – estou pensando na qualidade do espetáculo, logicamente…

Bom, peguei os últimos quatro carnavais, desde quando o modelo atual de julgamento começou, com quatro avaliadores por quesito, notas num universo de nove a dez, sendo a menor descartada, e quando, por coincidência, a qualidade do júri “guilhotinado” de samba-enredo começou a ser evidenciada.

Primeiro, o júri deste quesito nos últimos anos:

2012 – Célia Souto, Alice Serrano, Maria Amélia Martins, Marta Macedo

2013 – Bruno Rodrigues, Alice Serrano, Maria Amélia Martins, Marta Macedo

2014 – Alexandre Wanderley, Alice Serrano, Maria Amélia Martins, Marta Macedo

2015 – Felipe Barros, Eri Galvão, Ricardo Ottoboni, Clayton Fábio Oliveira

A primeira discrepância vem no número de escolas que gabaritaram o quesito com esta nova equipe. Numa safra julgada pela maioria como pior que as últimas três, e sem nenhuma obra digna de antologia, como em 2012 ou 2013, tivemos o maior número de notas 30 dentre os quatro carnavais. Em 2012, talvez, a melhor safra do século XXI, com direito às obras de Portela e Vila Isabel e outras várias consistentes, teve cinco notas 30. Em 2015, cujo melhor samba possivelmente não se encaixasse no top-5 de 2012, foram inexplicáveis seis gabaritadas!

Escolas com Nota 30

2012 – 5/13

2013 – 3/12

2014 – 3/12

2015 – 6/12

Se somarmos as notas descartadas não melhora. Em 2012, tivemos somente a premiação aos sambas aclamadíssimos de Portela e Vila Isabel. Um número menor do que o agraciado em 2015.

Escolas com nota 40 (contando as notas descartadas)

2012 – 2/13

2013 – 1/12

2014 – 1/12

2015 – 3/12

imperatriz2015Aqui, vale uma curiosidade. Desde 2012, ocorreram sete notas 40 em samba-enredo no Especial carioca. Quatro delas vieram da Portela. Se considerarmos que a escola não foi julgada em 2011, faz cinco anos que a Águia não vê uma nota diferente de 10 para seus sambas. Vale também dizer que a antiga equipe de julgadores também pisava no tomate, como Bruno Rodrigues fez ao dar 9,8 para a “Festa no Arráia” (Vila Isabel, 2013), impedindo a merecida nota 40.

A falta de rigor no julgamento sambístico de 2015 fica nítida ao se observar a chuva de notas dez em relação aos anos anteriores. Por exemplo, em 2013, quando havia um desnível imenso entre as duas melhores composições e o resto, a média foi de uma nota dez a cada cinco. Já 2015 teve mais da METADE de notas perfeitas nas avaliações.

Porcentagem de notas 10

2012 – 20/52 = 38,4%

2013 – 10/48 = 20,8%

2014 – 15/48 = 31,2%

2015 – 25/48 = 52,1%

A assepsia da nova equipe fica ainda mais clara na avaliação das notas menores de 9,7 distribuídas. No aclamado júri de 2014, numa safra em que os sambas fracos vieram em menor quantidade houve 12 canetadas intensas, oito a mais do que neste carnaval.

Porcentagem de notas 9,7 ou menores

2012 – 13/52 = 25%

2013 – 16/48 = 33,3%

2014 – 12/48 = 25%

2015 – 4/48 = 8,3%

A tempestade de notas dez e a punição leve às consideradas piores composições do ano, levaram a média de cada nota do quesito pular em quase um décimo em relação ao passado recente. Ou seja, os sambas-enredo de 2015 foram vistos pelo júri como próximos a perfeição, isso, em média.

Média de cada nota de cada jurado

2012 – 9,853

2013 – 9,825

2014 – 9,837

2015 – 9,925

Média das pontuações totais por escola (contando as notas descartadas)

2012 – 39,41

2013 – 39,30

2014 – 39,35

2015 – 39,70

O abrandamento das avaliações e a má utilização do universo disponível das notas foi sentido em todos os quesitos, mas o samba-enredo sofreu esse impacto de forma bem intensa. Pela primeira vez desde 2012, o quesito tido como mais importante do desfile das escolas de samba causou menos dano do que os restantes. E se levarmos em conta que, em 2012, a média das pontuações de samba e a dos outros quesitos é muito próxima, a perda de importância fica ainda mais latente.

Média das pontuações oficiais por escola em samba-enredo

2012 – 29,63

2013 – 29,58

2014 – 29,60

2015 – 29,87

Média das pontuações oficiais por escola nos outros quesitos

2012 – 29,61*

2013 – 29,67*

2014 – 29,69

2015 – 29,77**

*Não foram levadas em conta punições em obrigatoriedades

**Em 2015, foram nove, ao invés de dez quesitos, já que o Conjunto foi extinto

Ou seja, samba-enredo, que entre 2012 e 2014, custou cerca de QUATRO décimos por escola, neste ano, só penalizou as agremiações em UM décimo em média. Um samba considerado como digno de 30 pontos, só conseguia tirar 0,1 de um avaliado na média. Lembrando que seis das composições obtiveram a nota máxima. Enquanto em 2014, a diferença entre as melhores escolas no quesito e a pior foi de um ponto, agora foi de só quatro décimos, mesmo ganho que uma escola nota 30 obtinha de quem ficasse na média nos últimos três carnavais. No equilíbrio atual, fazia diferença ter um grande samba do que um regular ou pior. Até o ano passado.

Sem contar as incoerências vistas em 2015, com a Beija-Flor, tida pela maioria dos admiradores das escolas de samba como tendo um samba top-2 do ano, perdendo um décimo no meio do mundaréu de 30s. Do outro lado do prisma, composições questionáveis, como a do Salgueiro e da Grande Rio foram igualadas as elogiadas obras de Imperatriz e Portela. Aliás, o samba salgueirense de 2015 levou os mesmos 39,9 pontos (na soma geral) do que o do ano passado, que era elogiadíssimo e muito bem feito.

Já a Beija-Flor, avaliada como o pior samba de 2014, com 38,5 pontos no total, fez 39,8 pontos com o novo júri, o suficiente para apenas se juntar à Grande Rio como o sexto melhor deste carnaval, apesar dos elogios generalizados. Pontuação que daria um terceiro lugar no ranking do ano passado. O mais engraçado é imaginar que com o mesmo júri e a mesma lógica, com esta safra de 2015, o samba da Beija-Flor provavelmente receberia a mesma pontuação de 39,8 e, talvez, ficasse na posição correspondente às opiniões especializadas e dos fãs, ganhando terreno para as concorrentes.

A grande sorte da escola é que ela não dependeu da nota de samba-enredo para ser campeã…

Por fim, a troca de jurados só afirma que, na verdade, as escolas de samba têm pavor de ver um 9,6 pela frente e de julgamentos criteriosos. Assim, quem perde é o gênero samba-enredo e o carnaval em si. De que adianta se esforçar em fazer uma obra clássica, se você pode levar um pula-pula esquecível para a pista e tirar a mesma nota, ou sair com pouco dano. A Liesa só fez tudo ao contrário e afirmou sua preocupação voltada para o visual. “Parabéns aos envolvidos”.

 

Redação

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