Eduardo Cunha, um futuro leitor da biografia de Maquiavel

Eduardo Cunha é um poço de maldade. Numa sessão ele proclamou a rejeição por maioria do Projeto de Lei que previa o financiamento privado de políticos, na sessão seguinte fez aprovar a privatização dos partidos. Semana passada o presidente da Câmara dos Deputados ameaçou uma Ministra do STF e conseguiu o que desejava (a rejeição da suspensão liminar de seu ardil para preservar o financiamento privado das eleições). Ele transformou o Parlamento num templo evangélico seguro de que não seria condenado por quebra do decoro parlamentar em razão da afronta à natureza laica do Estado.

Esta semana ele quer que o Congresso Nacional aprecie as contas de Dilma Rousseff, mesmo para tanto o Parlamento tenha que violar a CF/88 assumindo a competência do Tribunal de Contas da União. É necessário esclarecer desde logo que, segundo a jurisprudência do STJ e do STF, a rejeição das contas de Prefeitos, Governadores e do Presidente da República é mera irregularidade administrativa que não acarreta por si só a condenação do político por crime de responsabilidade.

O presidente da Câmara dos Deputados age com extrema autoconfiança. Mas a sucessão de ataques que Eduardo Cunha faz à presidenta da república é uma evidente demonstração de seu desespero. Ele teme ser condenado por causa dos crimes denunciados pelo MPF. E tudo que tem feito só tem uma finalidade: chantagear Dilma Rousseff para obter algum tipo de acordo que lhe permita conservar a própria cabeça antes que o machado da Justiça corte seu pescoço. Fato, aliás, notado até pelo conservador jornal Washington Post. 

D. Pedro II permitiu que a filha libertasse os escravos acreditando que não perderia seu prestígio entre os proprietários de terra e acabou perdendo um trono que se apoiava quase exclusivamente no latifúndio escravocrata. Getúlio Vargas acreditou demais nos seus assessores, perdeu o controle sobre um deles e se viu mortalmente encurralado por causa do atentado da Rua Tonelero. Após reaver os poderes presidenciais, João Goulart hesitou em reprimir imediatamente os militares que conspiravam contra seu mandato, acreditou num dispositivo militar que acabou desfeito com algumas malas de dinheiro e partiu para o exílio. O poder, quando exercido com precipitação, arrogância ou hesitação, geralmente cobra um preço terrível.

Mas Eduardo Cunha parece não se preocupar com o passado. Como todo líder político mergulhado na própria mitomania cristã, o presidente da Câmara dos Deputados parece estar obsecado pelos feitos do Rei Davi, que ungido por Jeová matou o gigante Piaimã que ameaçava os hebreus e exerceu de maneira indiscutível o poder até morrer. O ódio devotado pela imprensa ao PT e à Dilma Rousseff parece ser uma garantia de poder ilimitado, quase divino, em que Eduardo Cunha pode se apoiar.

Confiar demais em aliados transitórios é sempre um erro. Ignorar a realidade circundante também. Afinal, a mesma imprensa que elevou Demóstenes Torres à condição de Mosqueteiro da Ética o abandonou quando ele caiu em desgraça. É óbvio que, em razão de sua própria agenda política e econômica, os barões da mídia usarão Eduardo Cunha para tentar limitar o poder presidencial que gostariam de controlar e que não controlam porque o povo rejeitou todos os salvadores da pátria que foram criados antes das últimas eleições presidenciais. Mas isto não quer dizer que os donos do poder midiático submeterão todos seus interesses aos caprichos amalucados dos pastores e bispos evangélicos e dos seus bonecos ventríloquos no Parlamento.

A Rede Globo exibiu a entrevista de Jô Soares com a presidenta. Em editorial histórico Folha de São Paulo já se posicionou contra a instalação de uma Teocracia evangélica no Brasil. O Jornal do Brasil procura manter certo equilíbrio e reconhece os méritos dos governos petistas. O próprio MPF, acostumado a lidar com bandidos poderosos, não de deixa amedrontar por alguém cujo poder é temporário e que pode ganhar acomodações num presídio federal em breve.

Eduardo Cunha ainda não caiu em desgraça. Mas os dias de glória dele estão contados. Enquanto a agenda evangélica dele coincidir com a dos barões da mídia, o poder do atual presidente do Parlamento será reforçado pela imprensa. Quando não for mais útil ou tiver ultrapassado um limite que ele mesmo não está em condições de definir, Eduardo Cunha será inevitavelmente descartado. O mesmo ocorreu com outro Cunha que presidiu a Câmara dos Deputados e que hoje está preso na Papuda.

A mim, mero observador leigo e distante do serpentário concebido por Oscar Niemeyer no Distrito Federal, cumpre apenas sorrir. Quando estiver preso, Eduardo Cunha poderá aprender um pouco de política lendo a biografia de Maquiavel escrita por Quentin Skinner, publicada no Brasil pela L&PM. A edição de bolso é baratinha e pode ser adquirida até por um político que recebe Auxílio Reclusão.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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