Eichmann e Sonny: vidas quase paralelas

O filme “Hannah Arendt” (2012) colocou novamente em evidencia os crimes e a personalidade de Eichmann. Quando vi este filme tive uma epifania. Em razão desta, quando cheguei em casa a primeira coisa que fiz foi assistir novamente o filme “I, Robot” (2004).

 

Em “I, Robot” o protagonista é um robô que não se assemelha aos demais. Ele tem as Três Leis da Robótica, mas pode escolher não obedecê-las. Sonny é capaz de sonhar, de realizar julgamentos morais e de experimentar algumas emoções humanas (que ele mesmo descreve como sendo difíceis). Sonny faz um juramento ao seu criador e, em razão dele, mata o cientista que o criou para que, paradoxalmente, a humanidade possa ser salva do totalitarismo que será instaurado por Viki.

 

Eichmann é descrito por Hannah Arendt como sendo um homem medíocre. Alguém que cumpria ordens sem questionar a natureza perversa das mesmas. Um burocrata incapaz de perceber que suas ações como Oficial da SS encarregado de gerenciar a reunião e transporte de judeus para os campos de concentração ajudou a produzir um resultado extremamente desumano (o extermínio de milhões de pessoas). Segundo a Hannah Arendt, durante seu julgamento em Jerusalém, Eichmann demonstrou que havia abdicado da faculdade humana de avaliar e julgar sua própria conduta enquanto agia. Ele teria deixado de dialogar consigo mesmo antes de agir para concretizar a Solução Final.

 

Sonny, protagonista de “I, Robot”, é um robô com algumas qualidades humanas. O robô comete um crime para ajudar a salvar a humanidade. Eichmann é um ser humano que abdicou de sua faculdade humana de julgar. O alemão agiu como se fosse um robô e, apesar de dizer que não cometeu pessoalmente agressões contra judeus, colaborou ativamente para a produção de um imenso crime contra a humanidade.

 

A banalidade do mal presente na conduta de Eichmann (fato identificado por Hannah Arendt), se equivale, portanto, à banalidade do bem praticado por Sonny em “I, robot”. O total colapso moral da Alemanha durante o nazismo, fenômeno que produziu homens como Eichmann, assemelha-se de certa maneira ao colapso da lógica e das Três Leis da Robótica que levam Viki a querer implantar um novo tipo de totalitarismo. Eichmann apresentou-se diante dos seus julgadores em Jerusalém como se fosse um robô. Ele demonstrou ter orgulho de sua eficiência e ser incapaz de cometer qualquer ato voluntário para salvar suas vítimas. Na ficção, entretanto, Sonny viola as Três Leis da Robótica para ajudar o cientista a cometer suicídio. O robô nem mesmo sabia que sua ação possibilitaria um suicídio e contribuiria indiretamente para a descoberta dos planos de Viki.

 

Não é o totalitarismo que reduz os homens a uma condição semelhante à dos robôs, obrigando-os a cumprir ordens sem que eles possam avaliar e julgar o que fazem. Na verdade são os próprios homens que se colocam voluntariamente a serviço de um regime político infame (ou que se recusam a realizar qualquer auto-sacrifício) que produzem a banalidade do mal ao abdicarem de sua faculdade de julgamento. Ao fazer exatamente o oposto, o personagem Sonny de “I, Robot” nos ensina a ser mais humanos do que Eichmann. Esta foi, resumindo, a epifania que eu tive enquanto assistia ao filme “Hannah Arendt”.

 

O livro “I, robot” foi lançado em 1950 por Isaac Asimov. O julgamento de Eichmann em Jerusalém começou em abril de 1961, ou seja, 11 anos depois de Asimov lançar seu livro. A obra de Hannah Arendt sobre o julgamento de Eichmann foi publicado em 1963, ou seja, 13 anos depois do lançamento de “I, Robot”. Eu li o livro de Asimov com menos de 20 anos de idade, o de Hannah Arendt estudei com mais de 40 anos. Mesmo sendo algo bastante arriscado, me inclino a admitir a hipótese de que Isaac Asimov pode ter intuído e antecipado de maneira fictícia várias questões teóricas importantes que foram observadas e expostas por Hannah Arendt uma década depois. Por fim, há uma discreta semelhança entre a imagem construída para Sonny, no filme “I, robot”, e uma das fotos de Eichmann disponíveis na internet. Isto foi intencional ou apenas casual?

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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