ELEIÇÃO SE DISPUTA, MANDATO SE RESPEITA

Brasília, 03 de abril de 2016**

“NEM DILMA NEM TEMER” é mais um infeliz título bradado neste domingo (03/04) pela velha mídia, porta-voz do conservadorismo (em editorial da Folha SP, cuja vida pregressa é sombria em relação à democracia no país).

Além de triste, chega a ser degradante o inconformismo desenfreado dos derrotados nas urnas em 2014, aos quais parece interessar apenas a paralisação completa do governo, quando não a busca incessante de um artifício para derrubá-lo a qualquer custo.

Se vivo estivesse e por ventura fosse atualizar aquele seu precioso livro “De pernas pro ar – A escola do mundo ao avesso”, é muito provável que o Eduardo Galeano nele incluísse um novo e especial capítulo sobre a atual e ultrajante conjuntura brasileira, nela destacando o surreal espetáculo midiático-político e judicial, o qual empurraria o Brasil para um abismo aterrador se não houvesse resistência democrática, após década de incríveis avanços sociais, sobretudo no combate à pobreza.

UMA COISA É CRITICAR O GOVERNO PARA QUE MELHORE O PAÍS, OUTRA, COMPLETAMENTE DISTINTA, É O DESEJO DE DERRUBÁ-LO A QUALQUER CUSTO

Não se trata de ser contra ou a favor ao atual governo, mas de defender a soberania popular e a democracia. Aliás, que honroso exemplo neste sentido deu no dia 31/03, em Brasília, a altiva atriz Leticia Sabatella, que apesar de possuir fortes discordâncias com o governo Dilma (também tenho as minhas), criticando-o abertamente na intenção de pressioná-lo para que faça melhor, não titubeia em defender arduamente a sua legalidade e vigência. Foi um verdadeiro tapa de luvas nas lideranças políticas embriagadas pelo oportunismo barato e pela inescrupulosa sede poder.

Portanto, as investidas desestabilizadoras e a narrativa vil dos maus perdedores em defesa do impeachment ou da derrubada do atual governo de qualquer maneira, não importando os meios (Congresso Nacional, TSE etc), são merecedores do mais contundente repúdio de todos os cidadãos brasileiros minimamente comprometidos com a democracia.

UM POUCO DE HISTÓRIA E COERÊNCIA

O que se passa hoje difere completamente, por exemplo, do que houve no caso Collor, em 1992, quando a abertura do processo de impeachment decorreu de provas levantadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que funcionou nos meses anteriores. Outro elemento diferencial foi o apoio popular.

Os que hoje apregoam o impedimento da presidente Dilma Rousseff trilham um caminho absolutamente inverso àquele, sem qualquer anteparo factual. Reduzido a artifício para a sua derrubada, o atual processo de impeachment caracteriza-se como uma jogada sórdida, revanchista, movida pelo inconformismo daqueles que foram derrotados nas urnas em 2014, banalizando por completo um instrumento constitucional (o mecanismo do impeachment está previsto na Constituição Federal de 1988, podendo ser acionado como medida extrema, ante a existência de crime de responsabilidade da mais alta gravidade).

O próprio partido da presidente, o PT, por meio de votação realizada em seu 2º Congresso Nacional, que aconteceu em 1999 na capital mineira, rechaçou por ampla maioria a proposta colocada em pauta naquela ocasião por um grupo minoritário do partido que defendia o “Fora FHC”. Prevaleceu o entendimento majoritário de que se é para destituir governos democráticos, que seja pela via da própria democracia, ou seja, pelo sufrágio e não por golpe.

COMO SURGIU A BANDEIRA DO ‘IMPEACHMENT’ CONTRA DILMA

A atual narrativa do impeachment, vale lembrar, é produto direto de setores midiáticos que parecem ter substituído o jornalismo pelo gangsterismo, tornando-se porta-vozes do que há de mais pernicioso na sociedade brasileira.

De acordo com o jornalista Fernando Brito, a apologia ao impeachment surgiu no exato dia do resultado final das eleições de 2014, evocado pela TV Veja, pertencente ao mesmo grupo que, às vésperas do segundo turno, tentou fraudar o pleito com aquela capa abjeta, inclusive produzindo banners com a mesma, num grave atentado contra a democracia (até hoje impune).

Tudo indica que a meta de derrubada do governo já estava premeditadamente bem ensaiada pelo malogrado consórcio de derrotados (partidários e midiáticos), sendo então encampada e reverberada pela massa ignóbil (e/ou mal intencionada) de ocasião.

A emergência da narrativa do impeachment é, portanto, um verdadeiro non sense, uma inversão sorrateira da realidade, sem pé nem cabeça. É um ataque frontal à soberania popular, desvelando um quadro patológico de envenenamento social e de ignorância político-democrática abissal.

O GOLPE ATENTA CONTRA A SOBERANIA POPULAR E A DEMOCRACIA

Conforme Maria Luiza Quaresma Tonelli: “A democracia tem como fundamento a soberania popular. Sem crime de responsabilidade devidamente comprovado, cassar o mandato de uma presidenta eleita pela maioria é cassar a soberania popular, é um processo de impedimento da democracia. É, sobretudo, uma violação ao princípio da legalidade, em que se baseia o Estado Democrático de Direito. É uma violação à Constituição Federal”.

Se os fins não devem justificar os meios na política, o mesmo vale (talvez até mais) para a justiça. São antiéticas, portanto, todas as tentativas de sitiar e paralisar o governo, todas as investidas desestabilizadoras e sabotadoras que podem afetar a saúde do país. Não caberia, portanto, à Suprema Corte, enquanto guardiã da Constituição, proceder ao estancamento do golpe escancarado?

Neste enredo todo, que mais parece uma fábula tenebrosa, o grande crime é a defesa de um impeachment sem crime. Não é uma investida trivial, é atentado contra a democracia.

A VIGÍLIA DEMOCRÁTICA PODE FORJAR UMA VIRADA DE PÁGINA

Por sorte, em meio às intempéries, constata-se que ainda existe muito amor e vida inteligente comprometida com o avanço da cidadania e o aprofundamento da democracia no Brasil. O campo democrático, popular e progressista do país tem dado mostras de vigorosa disposição unificadora, reunindo nas redes e ruas atores da academia, juristas, artistas, intelectuais, movimentos sociais, periferias, mulheres, juventudes e muitos outros na luta contra o golpe, em defesa da legalidade e do Estado democrático de direito.

A ampla mobilização nacional e internacional desencadeada especialmente pelos atos públicos dos dias 13 e 31 de março tem vitaminando o tecido social com o potencial de forjar uma virada de página no momento histórico. A vigília democrática não pode arrefecer, a luta continua!

Franklin De Paula Jr. (especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela UFMG).

Referências:

BRITO, Fernando. O IMPEACHMENT NASCEU NA VEJA ENGRAVIDADO PELO PSDB. Disponível em: www.tijolaco.com.br/…/o-impeachment-nasceu-na-veja-engravid….

TONELLI, Maria Luiza Quaresma. NÃO AO GOLPE PARLAMENTAR. Disponível em:http://www.ocafezinho.com/…/nao-ao-golpe-parlamentar-por-ma….

Revista Carta Capital. LIMINAR DO TSE PROÍBE REVISTA VEJA DE FAZER PUBLICIDADE DE CAPA. Disponível em: www.cartacapital.com.br/…/liminar-do-tse-proibe-revista-vej….

Diário do Grande ABC. PT REJEITA EM CONGRESSO O “FORA FHC”. Disponível em:http://www.dgabc.com.br/…/pt-rejeita-em-congresso-o-fora-fhc

Gravura-poema: TT Catalão

**Texto publicado originalmente no Facebook, em 03/04/2016

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador