Em defesa do Ministério Público legítimo, por Luis Nassif

Não se pode permitir que, para controlar os abusos da Lava Jato Paraná, se retirem as atribuições  daqueles procuradores que defendem os valores fundamentais.

Ontem participei de uma live muito instrutiva com procuradores e promotores de Goias, empenhados em recuperar os princípios fundadores do Ministério Püblico pós-Constituinte.

Há um reconhecimento dos abusos cometidos pela Lava Jato e, ao mesmo tempo, a preocupação de que, a pretexto de coibir os abusos, acabe-se reduzindo as prerrogativas do MP contra a corrupção e em defesa dos interesses difusos da sociedade.

É um desafio complexo, de fato. Em cada canto do país há promotores, em muitas cidades como o único baluarte da modernidade contra coronéis locais,  disseram eles. Mas há também aqueles com a síndrome da Lava Jato, cometendo abusos de toda espécie, lembrei.

Onde o meio termo? As discussões me ajudaram a clarear mais alguns princípios.

Primeiro ponto: não se pode apostar em um modelo que dependa da virtude individual de cada membro. A autonomia do MP, suas prerrogativas, são essenciais para o bom promotor. Mas se não coíbem os abusos do mau promotor, são insuficientes.

Aí se entra no segundo ponto. A garantia de um MP independente é sua capacidade de auto-regulação. E a Constituição e leis complementares criaram uma estrutura racional de auto-regulação, não apenas a corregedoria como os conselhos superiores.

Não parece que Conselho Nacional do Ministério Público – composto por integrantes de vários poderes – e corregedoria cumprem adequadamente sua missão, superando a solidariedade corporativista. Os 40 adiamentos de julgamentos em inquéritos contra Deltan Dallagnol são a prova maior dessa fragilidade. Não é por falta de autonomia funcional; é por excesso de proteção corporativa em relação a um ponto específico: a Lava Jato Paraná e um viés políticos em suas intervenções.

É aí que reside a busílis da questão. Quanto menor a capacidade de auto-regulação, maior será a futura interferência externa e maiores os obstáculos ao trabalho legítimo dos procuradores sérios.

A herança da Lava Jato é terrível, e continuará terrível se não for superada. E a superação consiste na capacidade do CNMP em julgá-la com isenção, punir os abusos sem essa visão míope de que sua punição poderá significar abrir a guarda para a interferência de forças externas. É o contrário. A maior defesa do MP é a demonstração de sua capacidade em regular os abusos internos.

Uma posição mais firme em relação aos abusos da Lava Jato Paraná será um poderoso efeito-demonstração para os jovens procuradores que, na fase de maior expansão do MPF, tiveram como exemplo colegas deslumbrados do Paraná e um Procurador Geral totalmente despido dos valores fundamentais da carreira. 

O sucesso popular dos Deltan, sua capacidade de fazer a imprensa bater bumbo, o personagem que a mídia criou, para poder montar seu jogo político, acabou influenciando toda uma geração de procuradores, os tais concurseiros – e grupos maliciosos que perceberam que, radicalizando a politização, ampliaria seu espaço interno.

No GGN temos aberto espaço para os procuradores que encarnam os valores originais da corporação, desenhados na Constituição de 88, aqueles que atuam na linha de frente em defesa dos direitos difusos, das minorias, dos valores fundamentais, enfrentando riscos concretos e sem ter a mídia como blindagem. São totalmente diferentes dos que gritavam “in dubio pro societa” e invadiam as casas das pessoas armados de punhais das manchetes que dilaceravam sua reputação bem antes de se confirmar sua culpa.

Não se pode permitir que, para controlar os abusos da Lava Jato Paraná, se retirem as atribuições  daqueles procuradores que defendem os valores fundamentais.

 

 

Luis Nassif

9 Comentários

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  1. O moralismo concurseiro deve ser visto em um contexto de média duração. Não é somente o corporativismo (que existe, sem duvida), mas uma visão míope, quase adolescente de sociedade. A raiz está na transição democrática torta, cínica.

    Há uns cento e cinquenta anos que se sabe que sociedades injustas e desiguais sao mais violentas. A criminalidade comum começou a crescer muito nas grandes cidades na segunda metade dos anos 70 e virada dos anos 80. Mas, malandramente, as questões de roubo e furto (crimes contra o patrimonio) que atazanam o dia a dia do cidadão comum foram apartados da realidade socioeconômica. Foi aí que começaram a falar que as drogas é que “causam” a criminalidade e a violência.

    Vitória no primeiro round do moralismo sobre a ciência.

    No transcorrer na Nova Republica, com as promessas democraticas cada vez mais frustradas pela teimosa resistência em relação aa agenda da igualdade, o moralismo incorporou de vez o ideário neoliberal e se voltou contra o Estado e o setor público. Ou seja a “causa” do sofrimento da população são os ladroes do serviço público.

    Não foi do nada que tiraram tese lavajatista exposta no famoso PowerPoint do Dalagnol, foi da mídia dominante. A ideia era que o presidencialismo de coalizão vinha muito bem, obrigado, até que o PT, PT, PT apareceu e escangalhou tudo…E nem uma consideração acerca do FATO de que o financiamento empresarial era A LEI durante TODO o periodo da transição e da Nova Republica…

    Ou seja, muda-se nada; sacrifique-se o bode expiatório, e a vida continua…

    Engoliram uma peça publicitaria como se teoria politica fosse.

    O corporativismo, portanto, não é forte e coeso só porque sao “colegas” de trabalho, mas porque ACREDITAM nessa “tioria”, compartilham, por assim dizer, a mesma ideologia.

  2. Como sempre um discurso muito bonito e racional do Sr.Luis Nassif, mas no final das contas a verdade é que enquanto o poder nacional estiver entregue à está corja maldita que está no poder (governo, presidente, legislativo e judiciário) tudo permanecerá como está. Esses governo e presidente tem ao que parece uma capacidade extraordinária de mobilizar boa parte da população, bem como os seus fiéis apoiadores instalados nos órgãos públicos nacionais (desembargadores, juízes, procuradores, policiais, religiosos, idiotas, imbecis,etc), em combate à isso, o que ou quem, a oposição (que não existe absolutamente no país) consegue mobilizar? Nada nem ninguém. A situação de excessão que se verifica no MP, bem como em muitos outros órgãos “democráticos” do país, continuará enquanto este governo e este legislativo estiverem no poder, enquanto ambos mantiverem e arrastarem a população brasileira nessa existência apática e demente (mas tecnicamente democrática), enquanto não houver qualquer tipo de luta, de combate a esse poder estabelecido (somente isso poderá trazer uma mudança de mentalidade política pública para o país é um redirecionamento do sentido de serviço público, hoje completamente desvirtuado). Ah! E para o Sr.Luis Nassif: Deve-se apostar sim em um modelo de MP, bem como de serviço público, que dependa também da virtude de cada servidor. O analista Luis Nassif agarra-se apaixonadamente às suas utopias de racionalidade técnica administrativa, de leis gerais éticas e reguladoras em abstrato, e tudo o que isso é senão exatamente abstração que parece ignorar o componente humano que deverá trabalhar as tais leis? A dita constituição cidadã emoldurou belos e racionais dispositivos e leis de controle públicos, e no entanto como nós chegamos até esse estado atual do MP? Creio que por força de alguns homens que trabalham e manipulam muito bem leis e dispositivos. Em razão disso afirmo mais uma vez que o que é necessário é uma mudança de mentalidade política pública, o que somente ocorrerá a partir de uma oposição real e combativa ao governo atual, oposição capaz de gerar um novo espírito de existência política e arrastar membros de órgãos públicos como o MP, que hoje não tem voz política real.

  3. Ora, a maior estupidez da fabulosa CF88 foi dar status de membro de poder indistintamente a todos juizes e promotores, quando no fundo são funcionarios publicos, membro de poder deveria ser restrito aos ministros do stf, e ainda seria muito….. essas instituições deveriam ser fiscalizadas por comissões populares, e nem há de se reclamar por que todo poder emana do povo e por ele será exercido…pelo menos na teoria….

    1. Concordo. Outro aspecto importante a ser levado em conta foi a excessiva concentração de poderes conferida pela CR88 ao MP. Não é viável que uma mesma instituição seja, a um só tempo, investigadora, acusadora e fiscal da lei. Essas atribuições deveriam ser repartidas entre instituições distintas, que atuariam de forma a evitar que se extrapolassem seus limites de atuação. Quando se concentram todas essas atribuições em uma única instituição, cria-se o monstro que mostrou sua cara mais feia na Lava Jato, mas que pratica seus exageros há muito tempo, por todo Brasil. O MP brasileiro precisa ser repensado.

  4. Nassif, você sempre exalta a parte boa do mpf. Eu gostaria de saber onde estão estes procuradores que não se manifestam. Quem cala consente. Se são tantos assim, porque não se manifestam contra os picaretas estilo DD?

  5. Muito tarde! O mpf e o cnmp se desmoralizaram tanto (40!!! adiamentos , entre outras aberracoes) que não há mais como resgatar sua imagem perante a sociedade.
    Virou um câncer institucional. Caro, partidário, anti país, anti povo.

  6. Nassif,
    O problema é exatamente auto-regulação e prestação de conta aos pares. Não pode haver poder ilimitado como atualmente. Não tenho a solução, mas nas regras atuais será dificil que fincione bem. Não podemos depender de “bons procuradores”. O poder em excesso sobe facilmente à cabeça.

  7. Aqui nesta terraplana regulação só funcionaria por interesses diferentes dos regulados.
    Empresa que tem a auditoria-contábil subordinada à contabilidade?
    Ora meus caros co-braZileiros, auto-regulação é papo para seres divinos, não para insanos in corpore porcus.
    Bozo sabe muito bem disso e está colocando só seus porcus no controle de qq.coisa, de associações culturais a institutos ambientais, de secretarias a minsitérios.
    No Brasil as instituições só servem pra isso:
    “Auto” regular … seus interesses e necessidades.
    Como disse o sábio Ipiranga: quem tem dinheiro e poder, tem interesses a proteger, protege … e “cabô”!

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