Embargos: necessidade para reduzir riscos do foro único

Na Folha de domingo, Fausto de Sanctis afirma que os embargos infringentes, que podem reduzir as penas de alguns réus do chamado mensalão, constituem privilégio injustificável…

Mais um que sucumbiu ao canto da sereia midiática. Lamentavelmente.

O fundamento jurídico do direito de recorrer para modificar ou anular decisão construída em cima de erro – quanto à leitura dos fatos, a equívoco na interpretação e aplicação da lei, ou de falha procedimental – tem raiz na filosofia prática: a condição da falibilidade humana. Exceto Deus, quem faz erra.  A questão da prerrogativa do foro e, pois, do privilégio, é um problema marginal e não central, porque não integra o elenco dos paradigmas da teoria geral do recurso; é materia administrativa relacionada com a esfera de competências para a a definição da organizaçaõ e da divisão judiciárias. 

 E mais: os fatos que constituem a materialidade do chamado mensalão está dentro do horizonte definido pelas reflexões do Min. Luís Barroso na introdução de seu primeiro voto na AP 470.  Essa percepção dos fatos, por ser mais ajustada à realidade, aponta positivamente para o debate de reconstrução da política e restruturação das relações partidárias.  A visão da denúncia, por obedecer a uma lógica conservadora, impossibilita a formulação de respostas transformadoras, pois a prova produzida no processo deixa muitos espaços em branco no quebra-cabeça desenhado com a tese de que “os denunciados se associaram de forma estável e permanente para o cometimento reiterado de graves crimes com o fim de conspurcar-se a manifestação popular, base do sistema democrático, instituindo-se sistema de enorme movimentação financeira, com o objetivo espúrio de obter a compra de votos de parlamentares, à custa do desvio de recursos públicos, para perpetuarem-se no poder”.

As tramas de fatos ali classificados pertencem à esfera do direito eleitoral, em seus aspectos administrativo-policial e também penal.   Não se construiu, ainda, no Brasil uma teoria adequada ao tratamento do chamado ‘Caixa Dois’ que funciona como necessidade incontornável à formação das coalizões para a eleição e para a formação da base congressual que possibilita a governabilidade. Se as campanhas eleitorais, por instrumentalidade técnica e não por imperativo ético, estão subordinadas às tecnologias midiáticas de massas e, estas, dependentes dos sofisticadas recursos marqueteiros, o problema central das eleições está nos custos mercadológicos sem os quais não se alcança eficácia.  Como é lícito o financiamento público (fundo partidário) e privado de campanhas (doações), o uso da dogmática jurídica que toma a lesão aos interesses da Administração Pública como fundamento da definição dos crimes (corrupção ativa e passiva) e das penas, a meu ver está mais adequado à classe  comportamental em que Luís Barroso, corretamente, enquadrou a trama fática da AP 470, o chamado ‘Mensalão’: crime de caixa dois.

 A visão do juiz Fausto de Sanctis é meramente formal, tecnicista e reducionista demais. Insuficiente à solução justa dos problemas que estão compreendidos numa causa julgada em única e derradeira instância, diante dos riscos de erros na aplicação do direito. 

Aliás, o julgamento desta causa guarda muita semelhança com um famoso julgamento relatado na Bíblia: de um lado os réus, fazendo a vez do bode expiatório da humanidade que foi levado à cruz pela vontade dos altos sacerdotes. De outro, o presidente do tribunal, Pôncio Pilatos, sendo pressionado pela massa manipulada em sua ignorância pelos partidários do alto clero, movidos pela inveja e pelo medo. O juiz romano preferiu omitir-se lavando as mãos…    Agora, pelo menos, há a esperança de que Lewandowski – fortalecido em sua vocação e missão de Magistrado – mantenha sua espada e sua balança em luta, buscando realizar a Justiça que acredita estar sendo ameaçada. Afinal, no julgamento coletivo, o papel do revisor é exatamente este: estudar o processo com atenção para ajudar a reduzir a falibilidade do relator, com o objetivo de evitar que os demais vogais sejam levados a erro.

Em tempo: precisamos assistir a dois filmes de Steven Spielberg: ‘AMISTAD’ – para constatarmos como deve reagir uma corte suprema diante da pressão da elite política conservadora, da mídia e da massa por ela influenciada. A mobilização ali não era para festa de coxinha: havia a ameaça concreta de uma guerra civil.  ‘LINCOLN’ – para percebermos como a formação de uma base aliada se dá pela constituição de círculos concêntricos. Primeiro, reúnem-se os aliados programáticos cimentados pelo compromisso ideológico (custo irrelevante, baseado na persuasão); Depois, atraem-se os fisiológicos que se contentam em nomear amigos para cargos de confiança, mesmo que figurativos. Finalmente, agregam-se os da corja de bandidos e de endividados da campanha eleitoral, cuja motivação para adesão é o interesse imediato em receber propinas. São as escórias da democracia.  

Infelizmente, nenhum povo ou Nação conseguiu, até hoje, extinguir os corruptos e a corrupção.  O máximo que se consegue, com seriedade, nas democracias, é a redução da incidência de casos. Mesmo assim, o instrumento é a educação moral – principalmente a filosófica e a religiosa, uma tarefa de todos, precípuamente da família, da escola e das religiões.   Nas ditaduras e nas sociedades onde a formação educacional é falha, o que se usa muito é a ocultação: esconde-se, através da censura e da manipulação pela mídia, as avalanches de casos de corrupção, passando para o povo uma falsa imagem e sensação de ordem e de paz.  Como numa caverna de Platão.

Redação

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